Sônia Mossri e Edson Sardinha
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Relator da reforma tributária na Câmara, Virgílio Guimarães (PT-MG) diz que a unificação da legislação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) só ocorrerá em 2006. Segundo ele, não é mais possível os estados pobres adotarem a política de incentivos fiscais sem serem retaliados pelos estados ricos. Daí a importância da reforma. Apesar de cobrar empenho dos prefeitos na reivindicação de verbas para as suas localidades, o deputado joga um balde de água fria nos planos dos municipalistas, que pressionam o Congresso pela aprovação do dispositivo da reforma tributária que garante o aumento em um ponto porcentual do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). De acordo com o deputado, o aumento só se justifica com a aprovação da nova legislação do ICMS e a criação do Fundo de Desenvolvimento Regional, peças-chave na derrocada da guerra fiscal. O fundo tira dinheiro dos municípios para compensar os estados mais pobres pelo fim da oferta de incentivos fiscais. A perda, segundo o relator, seria compensada com o acréscimo no repasse do FPM. “Se não faço a mudança no ICMS, vou compensar o quê?”, questiona. Leia também Virgílio defendeu a política econômica conduzida pelo ministro da Fazenda, Antonio Palocci, segundo ele muito diferente da de Fernando Henrique Cardoso. Mas admitiu que o PT precisa aprender a receber críticas. Congresso em Foco – As eleições deixaram duas conseqüências para o governo: o PT perdeu em redutos tradicionais no centro-sul do país, como São Paulo e Porto Alegre, o que demonstra uma insatisfação da classe média; e houve uma rebelião imensa da base aliada no Congresso. Em que o PT errou? Virgílio Guimarães – Os resultados das eleições foram bons para o PT. Atribuo as derrotas que tivemos a erros específicos, como em São Paulo e Porto Alegre, onde houve o estreitamento da campanha. Em Porto Alegre, começamos a perder ainda no processo eleitoral para governador, por causa da maneira como o PT se dividiu naquela ocasião. A derrota, nesses casos, foi conseqüência de uma estratégia eleitoral mal posta. Não vejo como sinal de insatisfação em uma região. Acho cedo para se falar em qualquer problema aqui na Câmara, porque não houve perda alguma na Casa até o momento. Se o Congresso votar o que está previsto até o fim do ano, a perda será apenas de imagem da Câmara. “Atribuo as derrotas que tivemos a erros O que a gente ouve dos aliados é que não temos um governo de coalizão. Há partidos que compõem, mas eles dizem que não são ouvidos e que a aliança não é respeitada de fato. Estamos a dois anos das eleições. Essa rebelião no Congresso não revela que, mais do que emenda, os partidos estarão querendo é maior participação no governo? O recado que veio das urnas, de que não podemos estreitar as alianças, e as dificuldades na Câmara são alertas importantes para que esses erros não se repitam nas eleições de 2006, tanto na reeleição de Lula quanto na eleição dos governadores. Precisamos de um leque de alianças que traduza melhor aquilo que forma a base de sustentação do governo. “O recado que veio das urnas, de que não podemos Como petista histórico, o senhor avalia que é difícil para uma parte do partido entender que quando se chega ao poder é preciso reparti-lo? É difícil, mas o partido está passando por um aprendizado também. Não podemos é perder a linha ideológica, de objetivos estratégicos. Gostaríamos de fazer coisas com muito mais velocidade, que não dependessem de alianças e tempo. Isso, infelizmente, a história não nos proporciona. Para construir um novo modelo econômico e a sociedade do futuro, o PT precisa de tempo e de base econômica. Estamos resolvendo problemas quase preliminares para entrarmos numa rota mais rápida de construção de um novo modelo econômico. O que está faltando para que isso ocorra? Só tempo, porque estamos no rumo certo. Temos de vencer os obstáculos. Observamos o que já ocorreu no mundo, como a construção do chamado “socialismo real” e as experiências chilena e nicaragüense, e chegamos à conclusão de que não adianta querer passar por cima da base econômica. As condições materiais se impõem, não há como ignorá-las. “Observamos o que já ocorreu no mundo, como a construção do chamado “socialismo real” e as experiências chilena e nicaragüense, e chegamos à conclusão de que Mas o PSDB também não argumentava isso? Mas os objetivos do PSDB eram diferentes. Estamos fazendo muito diferente deles. Em que o governo Lula está fazendo diferente? Em tudo. Não há nada igual. Nem na economia? Nada. Estamos fazendo tudo totalmente diferente. Nós somos críticos do monetarismo. Estamos fazendo mudanças estruturais, retomando os investimentos em ferrovias, portos e energia elétrica, procurando o crescimento sustentável. A política monetária e fiscal, que foi a pedra de toque do governo Fernando Henrique Cardoso, é apenas instrumental no governo Lula. Estamos diminuindo a relação dívida-PIB (Produto Interno Bruto) e a composição da dívida lastreada em dólar. Estamos fazendo tudo diferente. Não há nada igual. “Estamos fazendo tudo totalmente diferente (do PSDB). É errada a avaliação de que o ministro Palocci é mais radical do que o Malan em termos de juros e superávit alto? O Palocci está fazendo certo. Essa comparação relacionada ao FMI (Fundo Monetário Internacional) não tem sentido nenhum. Nós não estamos obedecendo o Fundo. O FMI é fora daqui. Nós temos soberania nacional, vamos fazer o superávit que for adequado e necessário para o país. O Palocci está fazendo a política econômica que o Brasil entende que seja a melhor, que é comprovadamente a melhor. Estamos retomando o crescimento, controlando a inflação, que é perversa com os pobres, e desenvolvendo os programas sociais e os investimentos. Estamos dando uma nova concepção de superávit primário. Estamos fazendo mudanças importantes que o mundo todo aguarda, acompanha e aplaude. “O Palocci está fazendo certo. Estamos retomando o crescimento, controlando a inflação, que é perversa Mas dentro do governo há questionamentos sobre essa política… Isso é natural onde tem liberdade, não é problema. Tivemos uma experiência de aprendizado nas prefeituras. Não conheço nenhuma prefeitura que não tenha enfrentado greve e crítica e que tenha tido sucesso.
Acho até que tem preconceito. Mas pior ou o equivalente a isso seria desqualificar as críticas feitas. Quem é do governo e do PT precisa aprender a ouvir críticas. A primeira atitude diante da crítica é se perguntar se o outro não tem mesmo razão. A crítica é importante. Repudio a postura de desqualificar qualquer crítica como preconceito ou antipetismo. Quem sabe a crítica não tem razão? “Quem é do governo e do PT precisa aprender a ouvir críticas. A primeira atitude diante da crítica é se perguntar se o outro não tem mesmo razão. A crítica é importante” Das críticas que têm sido feitas, quais o senhor considera procedentes? As críticas decorrentes de uma ansiedade de querer mudar as coisas de forma mais rápida nos ajudam a cobrar mais de nós mesmos. Temos muita coisa para corrigir. Fizemos correção de rumo na questão social, no caso do Fome Zero. De início, criticaram que o Fome Zero estava demorando muito porque estávamos fazendo cadastro demais. Pediram ao ministro que reduzisse o cadastro. Ele fez isso e, agora, reclamam que tem furo no programa, porque o cadastro não funcionou. A vida é assim. Em relação à articulação política, temos dois nomes fortes, os dos ministros Aldo Rebelo, que não é do PT, e José Dirceu, que é quase um primeiro-ministro. Na Câmara fica a impressão de que há um movimento dúbio e que falta unidade ao governo. Isso pode ser melhorado? A relação com o Parlamento é uma coisa que pode ser aperfeiçoada. É preciso haver uma visão mais completa do papel das emendas parlamentares. Enquanto não existe um orçamento participativo federal, onde é que estão localizadas as obras de pequeno custo e alto retorno social? Nas emendas individuais que o deputado recolhe para a sua base. Até agora, os erros e os acertos do governo não podem ser debitados ao Congresso Nacional. As reformas foram, estão sendo feitas ou estão a caminho. O país está reagindo positivamente a elas. “A relação com o Parlamento é uma coisa que pode ser aperfeiçoada. Até agora, os erros e os acertos do governo não podem ser debitados ao Congresso Nacional”. O senhor se referiu ao Orçamento participativo. O que poderia ser feito para melhorar a tramitação da proposta orçamentária no Congresso? A participação na comissão (de Orçamento) deveria ser exclusiva. A idéia de a Comissão Mista de Orçamento não ser exclusiva é uma herança de um antigo formato do colegiado. Como era uma comissão que tratava só do orçamento anual, ela só se reunia num período do ano e desaparecia. Hoje, não. Ela se ocupa da execução orçamentária, da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), da revisão do PPA (Plano Plurianual) e acompanha o cumprimento das normas da Lei de Responsabilidade Fiscal pelo governo, a política monetária e a regularidade das obras. Na questão das emendas, creio que elas deveriam servir apenas para corrigir e alocar recursos. Essas iniciativas individuais, mesmo as regionais, deveriam estar na LDO, dentro de programas. Deveriam vir dentro do Orçamento para evitar distorção. O orçamento não pode distorcido. Acabaria com as emendas? Não. Elas iriam para a LDO. E qual a diferença entre ir para a LDO e ficar no Orçamento? Não precisaríamos estar buscando receita, ela já viria lá dentro. O orçamento real é o aplicado. O chamado orçamento impositivo, se ele não tiver realismo, não será aplicado. Você pode pôr a penalidade que quiser para o governo – cassação de mandato ou pena de morte –, que o orçamento irreal não será realizado. O orçamento realista, ajustado, mesmo que apenas autorizativo, o governo não tem como não realizá-lo. Como se explica que o governo tem uma arrecadação excepcional e sobra de caixa e os parlamentares não recebem as emendas deles? Essas emendas são importantes para o deputado prestar conta para o município dele… A partir do momento em que vocês entraram aqui, nove prefeitos transitaram pelo meu gabinete. Qual a explicação para esse mistério? É que o nosso orçamento é executado 70% em restos a pagar, sobretudo as emendas. Por isso os prefeitos gostam tanto das emendas. Temos um problema estrutural que vem do nosso modelo orçamentário, que emanou da Constituinte, da qual fiz parte. No início do ano, os recursos são contingenciados e só vão ser liberados no segundo semestre. Não há como licitar e executar. Então ficam os chamados restos a pagar, que, na sua maioria, não são restos a pagar, mas restos a fazer. Por isso, quero antecipar a apresentação das emendas para a época da discussão da LDO, ou seja, no primeiro semestre do ano anterior, para que se defina quais obras serão feitas nos municípios. “Quero antecipar a apresentação das emendas para O senhor já tem projeto para propor essa mudança? Eu pretendo ser relator do Orçamento no ano que vem e fazer isso (risos). Sugeri isso várias vezes. Com a execução do jeito que está, não há como o orçamento ser realista. Emenda você tem de tirar de um lugar e pôr em outro. Enquanto o Parlamento só quiser dar sem tirar de lugar nenhum, ele sempre vai criar orçamentos irreais. O orçamento impositivo é, na verdade, um orçamento ajustado. Se eu inflar o orçamento e as receitas e diminuir o custeio onde não posso, para sobrar recursos para investimentos, vou provocar distorção no orçamento da realidade. Enquanto tivermos isso, teremos o orçamento na mão do governo. Se fizermos um orçamento totalmente equilibrado e ajustado à realidade, com o superávit primário, o custeio e o investimento ali, quero ver o governo não executar. “Se fizermos um orçamento totalmente equilibrado e ajustado à realidade, com o superávit primário, o custeio O senhor disse que a paralisia na Câmara só pode provocar problemas irremediáveis em relação aos créditos suplementares… Alguns talvez já estejam comprometidos. Outros, não. Não vejo nenhuma lei que pudesse ser votada antes. Acho o momento adequado para votar alguns dispositivos que vão fazer efeito a médio e longo prazos. Como a reforma tributária, por exemplo? Eu não uso mais o termo reforma tributária. A reforma tributária vai ser o conjunto da obra. Não vamos mais mexer na reforma tributária no abstrato. Ela vai ser a resultante. Hoje o momento da reforma é o ICMS. “Eu não uso mais o termo reforma tributária. Mas é possível votar essa parte ainda este ano ou vai ficar para 2005? Nós precisamos fazer este ano o comando constitucional nacionalizando as normas do ICMS. Por que se não vai adiar a entrada em vigor do novo ICMS em um ano? Não é isso. A entrada em vigor, na minha opinião, sempre foi em 2006. Eu nunca disse isso até para não desanimar. Vamos imaginar que tivéssemos votado a reforma inteira no final do ano passado e que não tivesse havido o fatiamento. Digamos que o governo tivesse enviado em março deste ano para o Congresso o projeto de lei regulamentando o novo ICMS, que é a lei mais complexa que se possa imaginar, com 600 artigos. Mesmo se isso tivesse ocorrido, o projeto estaria parado. Ele teria de passar na Câmara e no Senado, no recesso branco. Seria quase impossível votar um projeto tão complexo em 2004. Digamos que tivéssemos votado em março e o pessoal tivesse trabalhado no recesso branco (período eleitoral) e terminássemos de votar tudo em 2004, ainda assim precisaríamos de aprovar o regulamento das alíquotas em 2005 para que o novo ICMS entrasse em vigor em 2006. “A entrada em vigor (da unificação do ICMS), O senhor é a favor ou contra a emenda da reeleição da mesa-diretora da Câmara e do Senado? O senhor é candidato à sucessão de João Paulo? A reeleição é uma medida justa, não é casuística. A emenda vem regulamentar o que já existe aqui, de uma forma muito estranha, ou seja, a reeleição é permitida de uma legislatura para outra, mas não para a mesma. Ela está dificultada, mas não está acabada. Sou a favor da emenda da reeleição e a favor da reeleição do João Paulo. Mesmo com a confusão que está aqui? Nessa confusão da Câmara tem muita espuma. Cria-se uma montanha de espuma e não se vê mais nada. O senhor não é candidato à presidência da Câmara? O meu candidato é o João Paulo Cunha. Eu não vou ficar analisando plano B quando estamos empenhados em viabilizar o plano A, ainda mais que o prazo para a execução desse é curto e já se perdeu uma votação. Se eu começar a trabalhar pelo plano B, então eu não sou a favor do plano A. Mas se der errado o plano A, acabou o mundo? Claro que não. É uma coisa que precisa ser discutida com os aliados. “O meu candidato (a presidente da Câmara) é o João Paulo Cunha. Eu não vou ficar analisando plano B quando estamos empenhados em viabilizar o plano A. Mas se der errado o plano A, acabou o mundo? Claro que não” Os prefeitos estão pressionando o Congresso a aprovar o aumento do repasse do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que faz parte da reforma tributária. É possível aprovar isso ainda este ano? Eu acho que sim. Mas esse ponto faz parte da emenda do ICMS. Essa emenda do ICMS divide a base aliada, já que enfrenta resistência do PL na Câmara. O líder do partido, inclusive, entrou com um mandado de segurança contra ela no STF… O Sandro Mabel (líder do PL) ajudou muito na construção do modelo que nós fizemos até aqui. Nessa questão dos prefeitos, o aumento no repasse é uma compensação. Se eu não tenho o principal, vou compensar o quê? O incentivo fiscal não tem chance nenhuma de existir mais. Qualquer incentivo fiscal será recebido com retaliações graves por parte de estados mais fortes. Hoje não há chance alguma de os estados do Norte, do Centro-Oeste e do Nordeste darem incentivo fiscal no ICMS sem uma imediata retaliação de Minas, São Paulo e Rio de Janeiro. O incentivo fiscal legítimo e adequado acabou. Existe puramente a guerra fiscal. Para substituir o incentivo fiscal, criou-se o instrumento do Fundo de Desenvolvimento Regional. Esse fundo buscará recursos no crescimento do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e do IR (Imposto de Renda), na parcela dos estados e municípios. Portanto, o fundo tira recursos dos municípios. Para compensar os municípios, aumentou-se em um ponto porcentual o FPM (Fundo de Participação dos Municípios). Se não faço a mudança no ICMS, vou compensar o quê? Se eu não acabar com a guerra fiscal e não nacionalizar o ICMS, para que vou criar o Fundo de Desenvolvimento Regional? “Se não faço a mudança no ICMS, vou compensar o quê? Se eu não acabar com a guerra fiscal e não nacionalizar o ICMS, para que vou criar o Fundo de Desenvolvimento Regional?” O choro dos prefeitos, então, veio fora de hora? Não é isso. Sou municipalista. Prefeito nunca tem choradeira, ele cumpre sua obrigação de reivindicar. O prefeito e o governador são eleitos para duas coisas: administrar e reivindicar. Ele tem um lado sindicalista. O prefeito que não reivindicar não estará cumprindo seu dever. Não vejo como choradeira. Os municípios tiveram como nunca o apoio do governo federal, que descentralizou as receitas. As transferências das receitas municipais cresceram 13% em termos reais. Só porque cresceu esse porcentual eles têm que parar? Não. Se o meu prefeito parar de reivindicar eu é que vou brigar com ele. O prefeito foi eleito para reivindicar. O governo federal cede e no dia seguinte ele tem de estar aqui de novo para reivindicar mais. |