Logo no início da primeira reunião da presidenta Dilma Rousseff com sua recém-nomeada equipe de ministros, em janeiro deste ano, cada um daqueles que se sentaram à mesa oval foram apresentados a uma relação de “normas de conduta” que, dali para a frente, deveriam seguir. A extensa lista incluía compromissos com a probidade administrativa e com a busca sempre das soluções mais eficientes e de menor custo para as questões e programas inerentes à sua pasta. E todos entenderam ainda que passariam, a partir daquele momento, a ser diariamente avaliados, e que o não cumprimento daquelas normas implicaria consequências, que podiam chegar mesmo à exoneração.
Assim, para os que participaram daquela primeira reunião ministerial, a sequência de demissões ocorrida durante este primeiro ano de governo Dilma por conta de denúncias de corrupção – foram afastados sete ministros em 12 meses, mais de um a cada dois meses; apenas um deles, Nelson Jobim, ex-ministro da Defesa, não caiu por denúncias de irregularidades em sua pasta – parece coerente com o recado dado pela presidenta. “Faxina não é programa de governo”, tem repetido ela, desde então. “Afastar quem não está, por algum motivo, rendendo o que se esperava é consequência do trabalho”.
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Embora possa dar, à primeira vista, uma impressão de crise permanente, a grande rotatividade ministerial de Dilma ao final do seu primeiro ano de governo é vista por seus subordinados, conforme disseram ao Congresso em Foco, como consequência natural do seu estilo de gerente, que busca administrar o país seguindo um modus operandi semelhante ao de administradores de grandes empresas. Se há um problema que desvia a atenção do foco e das metas pretendidas, esse problema deve ser resolvido rapidamente. Do contrário, aí sim ele poderá contaminar todo o resto.
Para demonstrar que a sequência de escândalos que derrubaram ministros não paralisou o governo nem o tirou de suas metas iniciais, Dilma apresentará, na próxima sexta-feira (16), pessoalmente um balanço dos números finais do programa Brasil sem Miséria. Segundo o Congresso em Foco apurou, ela reserva números que mostrarão um aumento na inclusão de brasileiros na economia de mercado, uma diminuição do percentual dos que vivem abaixo da linha de pobreza, e novo incremento da classe média, a exemplo do que já se verificava durante o governo Lula. Os números mostrados pela própria presidenta, numa cerimônia programada para o Palácio do Planalto, se somarão a outros recentemente divulgados, como a entrega de 500 mil casas este ano pelo programa Minha Casa, Minha Vida.
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“Que crise?”
Nas avaliações que tem feito ao final de seu primeiro ano de governo, Dilma tem dito que, por mais que a sequência de escândalos nos ministérios tenha lhe trazido dores de cabeça, no geral, tudo foi superado com relativa tranquilidade. Ela própria em nada foi atingida pelos escândalos. Todas as pesquisas de opinião apontam para altos índices de popularidade de Dilma. No final de setembro, por exemplo, pesquisa CNI/Ibope apontava Dilma com 71% de aprovação, um índice mais alto que o de Fernando Henrique Cardoso e mesmo de Lula ao final do mesmo período de governo.
Da mesma forma, o saldo nas suas relações com o Congresso é positivo. Dilma, de fato, só sofreu uma grande derrota no Congresso, na votação do Código Florestal na Câmara no primeiro semestre, quando, realmente, a grande maioria da sua base de sustentação ignorou solenemente as orientações vindas do Palácio do Planalto. Em outros momentos delicados, como recentemente quando o PMDB ensaiou no Senado criar problemas na votação da Emenda 29, que vincula recursos para a área da saúde, a vitória foi do governo. Outra negociação delicada vencida foi na prorrogação da Desvinculação das Receitas da União (DRU), aprovada sem problemas em primeiro turno na semana passada, quando se superou a tática de obstrução tentada pela oposição.
“Kibe Loko”
Não que a situação e os variados problemas decorrentes de administrar um país como o Brasil às vezes não exaspere a presidenta. Um dos hobbies preferidos atualmente no Congresso e na Esplanada dos Ministérios tem sido assistir aos vídeos na internet em que o humorista Gustavo Mendes imita Dilma. Os vídeos são postados no site de humor Kibe Loko. Nos vídeos, a Dilma de Gustavo Mendes distribuiu sonoras broncas em seus ministros. Sem medir palavras, ela distribui palavrões e termos politicamente incorretos. Geralmente, depois que explode, ao final ela começa a se acalmar e mostra-se até doce e gentil com seus interlocutores. Nas lideranças e nos ministérios, aqueles que costumam conviver com Dilma acotovelam-se em frente às telas de computador, às gargalhadas. Porque, dizem, a situação é muito próxima da realidade.
A própria Dilma adora a imitação. Recentemente, ela chamou seu ministro da Fazenda, Guido Mantega, para assistir com ela a bronca dada por seu alter-ego do Kibe Loko, quando descobre que a inflação anual vai bater os 6%. Em determinado momento, Guido Mantega cai em prantos, e Dilma lhe admoesta: “Guido, engole o choro!”. A Dilma verdadeira chamou o Guido verdadeiro e eles riram juntos da imitação.
Veja o vídeo da bronca de Dilma em Guido Mantega (atenção, a fala tem diversos palavrões):
A imitação faz sucesso porque situações semelhantes costumam acontecer em reuniões com Dilma. Recentemente, ela explodiu numa conversa com líderes antes da votação da Emenda 29 e da prorrogação da DRU no Senado. Os líderes mostravam as dificuldades que ocorriam, com senadores inclinados naquele momento a não seguir a orientação do governo, gerando o risco de aprovar medidas que implicavam maiores gastos, coisa que Dilma, dada a crise internacional, evita a todo custo. Em troca da fidelidade da base, reivindicações de emendas, verbas e cargos. “Eu já estou cansada de negociar com esses deputados e senadores do Congresso!”, explodiu Dilma. Os líderes saíram perplexos: como ela esperava que seria?
“A base que se tem”
Explosões à parte, o que Dilma avalia é que a base política – pouco uniforme, sem qualquer unidade ideológica, incoerente, pouco confiável, fisiológica – é um ônus inevitável do modelo de presidencialismo de coalizão, adotado pelo Brasil desde o início da sua redemocratização ao fim da ditadura militar. “É a base que se tem”, diz ela.
Dilma avalia que é isso o que gera a situação crônica de crise aparente. Denúncias que são “fogo amigo”, produzidas pelos próprios correligionários de alas ou partidos diferentes, pressões indevidas, criação de dificuldades para vender facilidades, fazem parte, para a presidenta, de um processo que é consequência do modelo, e que precisa ser administrado. Um mal necessário, que engloba parceiros como o PMDB, mas que não exclui o próprio PT.
Reforma ministerial
Agora, por exemplo, vêm vindo de seu próprio partido as maiores pressões que Dilma vem sofrendo sobre a reforma ministerial que ela planeja fazer no próximo ano. Recentemente, a presidenta deu uma ordem geral para seus subordinados: ninguém está mais autorizado a dar qualquer informação sobre que ministérios serão excluídos, que ministros sairão, quem ficará, etc. Esse passou a ser um tema restrito à própria Dilma, que não tem mais dividido com ninguém nem quando nem como fará a reforma ministerial. Dilma irritou-se com o fato de petistas, principalmente, saírem de reuniões com ela “vazando” informações sobre a reforma ministerial que, na verdade, não tinham sido ditas por ela e não tinham nada de real: eram apenas a conformação que esses petistas gostariam para o ministério, para atender às suas conveniências políticas. Como, por exemplo, a informação de que passariam a ter o Ministério do Trabalho após a queda de Carlos Lupi.
A verdade é que Dilma ainda não tem fechado o modelo do que fará na reforma ministerial. De um modo geral, ela tem a intenção de reduzir o número de ministérios que herdou de Lula. Recentemente, ela recebeu do empresário Jorge Gerdau, que preside a Câmara de Gestão e Competitividade, um estudo em que ele sugere a redução do número de ministérios dos atuais 38 para somente 18. Para Gerdau, esse número excessivo de ministérios torna o país inadministrável. Dilma, em princípio, concorda, mas tem dúvidas quanto a se conseguiria fazer tal enxugamento.
Ela recebeu, por exemplo, de alguns setores do PT a sugestão de criar um Ministério das Minorias, que englobaria pastas como a Secretaria Especial de Política para as Mulheres e o Ministério da Igualdade Racial. Mas, ao mesmo tempo, sofre de outros setores do PT, que têm militâncias das mais estridentes, a pressão para não mexer na área. Sendo a primeira mulher a presidir o país, como seria recebida pela militância feminista uma decisão de acabar com o ministério que trata das políticas para as mulheres? Dilma não sabe.
Mais de três horas com Lula
No Palácio do Planalto, a maioria acredita que muito do que está passando pela cabeça de Dilma ela tenha compartihado com Lula na semana passada. Escolhida “Brasileira do Ano” pela revista IstoÉ, Dilma foi a São Paulo e, antes do prêmio, visitou o ex-presidente. Os dois ficaram por mais de três horas, quase quatro, trancados sozinhos, numa conversa que mais ninguém testemunhou. No governo, sabem um pouco do que pensa Dilma sobre esse tema o secretário-geral, Gilberto Carvalho; a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, e a ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti. Estes são hoje os três ministros mais próximos de Dilma.
Nas últimas semanas, num ensaio da reforma ministerial, Dilma tem feito reuniões individuais com seus ministros, em que são feitos balanços setoriais das metas iniciais e do que realmente foi feito. Essas reuniões balizarão a decisão final de Dilma sobre a reforma.
Na avaliação que faz de seu governo, Dilma está especialmente satisfeita com a gestão econômica. De um modo geral, gosta também do que vem sido feito na área social. Afina-se especialmente com o ministro da Saúde, Alexandre Padilha. Suas maiores preocupações são na área de infra-estrutura, principalmente nos Ministério dos Transportes e das Cidades.