Fátima Cleide*
A verdade que emerge das próprias declarações do governador Ivo Cassol e dos boletins expedidos pelo Departamento de Comunicação do Governo de Rondônia é uma só: o Estado não sabe o que fazer no Urso Branco, presídio que abriga presos provisórios e condenados, no epicentro de uma possível intervenção federal por causa da violação do artigo 34, inciso VII, da Constituição Federal. É o princípio da dignidade humana, matéria pela qual o chefe do Executivo não demonstra apreço.
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O governador sai de encontro com o ministro da Justiça, Tarso Genro, ocorrido na quarta-feira 22, e, para variar, tenta driblar o tempo e colocar a platéia desinformada a seu favor, dizendo à imprensa que a penúria no Urso Branco é igual à vivida em todos os presídios do país, e que o governo federal precisa mandar dinheiro.
Antes o problema fosse falta de dinheiro. Mas não é. E o Urso Branco é igual às demais penitenciárias no item superlotação e desigual ao triplo nas condições abjetas a que são amontoados presos em celas com insalubridade acima de 40%, sem água em terra de 40 graus, e elevado número de mortes ocorridas em sangrentas rebeliões. É preciso relembrar os últimos lances desse enredo de incúria patrocinada pelo Executivo, que soma quase oito anos, para sustentar a tese de que não se sabe o que fazer no Urso Branco. Vejamos:
1) No dia 13 de outubro, representantes do Conselho Nacional de Justiça, a pedido do presidente do STF, chegam a Rondônia, com a tarefa de colher subsídios para embasar a Justiça em relação ao pedido de intervenção federal feito pelo procurador-geral Antonio Fernando Souza no dia 7;
2) Conforme registra a imprensa de Porto Velho, Erivaldo Santos e Manoel Castilho, do CNJ, reuniram-se com as autoridades do estado. Contrárias em sua maioria à intervenção, decidiram que um termo de compromissos seria assinado pelo governador para adotar providências emergenciais no Urso Branco;
3) No mesmo dia 13, registra-se que o governo vai cumprir as medidas, e hoje, passados 18 dias da reunião em que foram reprisados os mesmos problemas há quase uma década, a população de Porto Velho ainda não sabe quais são elas;
4) No dia 16, pelo release do Decom, sabe-se apenas que o estado vai decretar estado de emergência para evitar uma intervenção federal e constituir uma força-tarefa para “resolver a questão prisional na capital”; e
5) No dia 22, o governador pede SOS ao governo federal e sai do encontro com Tarso Genro dizendo aleivosias, como a de que a União não faz investimentos nos presídios de Rondônia.
É ou não um roteiro que dá bem a idéia de que o estado não sabe o que fazer no Urso Branco? E isso depois de diversas medidas serem definidas por comissão constituída a partir das denúncias feitas à Organização dos Estados Americanos (OEA) para mudar o quadro de indignidade humana. Para restabelecer a verdade, embaçada pela pirotecnia midiática, como a ida da presidente do TJ e do governador ao presídio, não se conhece outra casa prisional que tenha merecido, por parte da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA, sucessivas reprimendas ao Estado brasileiro.
Em maio deste ano, a Corte emitiu a sexta resolução condenatória – a primeira foi em 2002 –, agravada pela constatação mais recente da prática sistemática de tortura no Urso Branco, o que foi confirmado pela CPI do Sistema Carcerário este ano e documentado no pedido de intervenção federal feito pelo procurador-geral da República.
Vamos aos recursos. O repórter Guilherme Balza, do Uol, tem acompanhado os últimos acontecimentos envolvendo a casa de detenção. Em matéria publicada no dia 17, o juiz Sérgio William, da Vara de Execuções Penais de Rondônia, rebate o porta-voz de Cassol, que, aliás, tripudiou sobre o relatório da Justiça Global e Comissão Justiça e Paz sobre violação de direitos humanos naquela unidade. Diz o juiz: “Rondônia recebeu um montante alto de recursos do Funpen”.
O Departamento Penitenciário Nacional (Depen) confirma: mais de R$ 30 milhões para melhoria e ampliação do sistema penitenciário, até 2007. Nesse bolo, um convênio para recuperação e ampliação do Urso Branco resultou na liberação de R$ 1,312 milhão, em 2004, e outros R$ 5,735 milhões foram para a outra casa de detenção
Está no Portal Transparência, está no Siaf. O que não é transparente, definitivamente, é acobertar fragilidades na condução de um setor explosivo e precário como o sistema penitenciário, em que inclusive a vida dos agentes penitenciários e policiais é submetida a riscos diariamente, atirando contra todos, desrespeitando instituições e decisões de pessoas que as representam, movendo-se no terreno do vale-tudo.
* Fátima Cleide (PT-RO) é senadora da República e membro da Comissão de Direitos Humanos do Senado.