Edson Sardinha
Ferrenho crítico do governo na Câmara, o primeiro-vice-presidente do PSDB, deputado Alberto Goldman (SP), não mede palavras ao se referir ao presidente Lula. Acusa o petista de ser o chefe de uma quadrilha montada no governo federal, de fazer campanha eleitoral antes do período permitido pela legislação, de rogar para si o que seria mérito do governo FHC, de ser o candidato dos banqueiros e de estar conduzindo o país a uma grave crise econômica. No entanto, apesar de todo o tiroteio verbal, Goldman contraria o que algumas lideranças oposicionistas diziam meses atrás, quando davam como certa a derrota de Lula nas urnas, e admite – embora apenas em tese – a possibilidade de o presidente se reeleger.
Nesta entrevista exclusiva ao Congresso em Foco, o tucano reconhece que a crise política atingiu mais o PT e os mensaleiros do que Lula e antevê um desastre para a economia brasileira, produto da supervalorização do dólar, dos juros altos e do desajuste nas contas públicas. Uma bomba que pode explodir no colo do próprio Lula em 2007, diz, admitindo a reeleição do atual presidente. Segundo Goldman, Lula está preparando a bomba "para o próximo governo ou para ele mesmo. Se for o Lula, pode ser para ele mesmo. Ninguém sabe qual será o resultado do ano eleitoral", observa o ex-líder do PSDB na Câmara.
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Defensor da candidatura do ex-prefeito José Serra ao Palácio do Planalto, Goldman abriu mão de sua pré-candidatura ao governo paulista em nome da unidade do partido. Questionado se Geraldo Alckmin seria mesmo o melhor nome do partido para a disputa com Lula, o deputado reagiu: "Não interessa saber se é o melhor ou não. Interessa que é um fato resolvido. Isso são águas passadas".
O ilustre desconhecido
Agora na condição de defensor da candidatura Alckmin, o vice-presidente do PSDB atribui a vantagem de Lula nas pesquisas de intenção de voto e a dificuldade do tucano em crescer na preferência do eleitorado à superexposição que o presidente tem na mídia. Até agora, segundo Goldman, Lula "é candidato único".
Quanto ao ex-governador paulista, o deputado fala que ele ainda é desconhecido do eleitorado. "O eleitor não reconhece. Aliás, nem conhece, não sabe nem quem é Geraldo Alckmin. Se você perguntar, 90% da população fora do estado de São Paulo não sabe quem é Geraldo Alckmin", afirma.
E são as ações do tucano à frente do estado mais rico do país, e não as da era Fernando Henrique Cardoso, que deverão ser alvo de comparação com o governo Lula ao longo da campanha eleitoral, argumenta o deputado. "O governo Fernando Henrique é coisa do passado. Ele nasceu do Plano Real, de uma obrigação de acabar com a inflação, com a tese da consolidação de uma política monetária, um equilíbrio fiscal. Essa política é do passado, não existe mais."
Veja, a seguir, a íntegra da entrevista concedida pelo deputado na semana passada – antes, portanto, de O Globo publicar as novas e bombásticas declarações do ex-secretário do PT Silvio Pereira sobre o esquema ilegal de arrecadação de recursos montado pelo partido.
Congresso em Foco – Por que, apesar de toda a crise política e das denúncias contra o governo, o presidente Lula continua com a popularidade em alta e à frente nas pesquisas?
Alberto Goldman – Ele é candidato único. Está presente em todos os veículos de comunicação, dia e noite. Fala a todo momento e tem algumas ações de governo tipicamente demagógicas e que, por isso, têm seus efeitos.
Que ações, por exemplo?
Considerar o aumento do salário mínimo para R$ 350, o que nada mais é do que um aumento real de 11%, uma grande vitória. Um governo que prometeu dobrar o valor real do salário mínimo. Nesses três anos, tivemos um aumento de 23% a 25%. Muito menos do que o prometido. A população vai esquecendo as promessas de quatro anos atrás. A presença dele em todos os meios de comunicação, sem que haja o contraponto, leva Lula a ter um resultado mais efetivo nas pesquisas de opinião. O embate mesmo vai se dar quando os candidatos estiverem em igualdade de condições nos grandes meios de comunicação, principalmente os televisivos. Aí sim é que eles vão se igualar, e o eleitor vai poder fazer suas comparações. Neste momento, todo mundo sabe que Lula é presidente e candidato e não há com quem compará-lo.
Mas nem com o governo FHC?
Ele não está disputando com o governo Fernando Henrique, mas com alguém que não existe ainda, contra ninguém. Ele tem 30% de rejeição, 40% a favor, num jogo que tem apenas um time jogando.
O presidente Lula tem muito carisma. Não falta à oposição um candidato mais carismático?
Está faltando é um candidato. Não um candidato que seja isso ou aquilo. Nós só temos um candidato, que é Lula. Carisma ele tem, indiscutivelmente. Lula é um grande embromador, o chefe de toda essa gangue que ocasionou o que nós vimos no Brasil nesses últimos tempos. Isso está mais que provado. Fez a imagem de que teríamos a auto-suficiência de petróleo por ato do governo. É preciso mostrar que isso não é ato deste governo. Ao contrário, este governo é o que menos fez para o crescimento da produção do petróleo em relação aos governos anteriores.
Mas ele continua sendo o favorito, de acordo com as pesquisas…
Mas ele está sozinho, não tem contraditório. O presidente aborda sistematicamente, por exemplo, que o arroz está custando hoje metade do preço de três anos atrás. Como se isso fosse um ato dele, o resultado de uma política do governo dele. Este governo é inerte. As coisas aconteceram independentemente e, até, apesar do governo Lula. Só que esse contraditório ainda não existe nos grandes meios de comunicação. Só haverá quando os candidatos puderem ocupar o mesmo tempo nos meios de comunicação.
Mas o pré-candidato tucano, Geraldo Alckmin, teve uma boa exposição nos últimos meses. Ainda assim não conseguiu decolar nas pesquisas. Não o preocupa essa situação?
Não teve exposição nenhuma.
O eleitor ainda não reconhece Alckmin como candidato?
O eleitor não reconhece. Aliás, nem conhece, não sabe nem quem é Geraldo Alckmin. Se você perguntar, 90% da população fora do estado de São Paulo não sabem quem é Geraldo Alckmin.
O que Alckmin vai ter de mostrar para ser conhecido e reconhecido?
A figura dele. A seriedade de sua conduta, a forma com que sempre se conduziu na vida política, a forma como governou e geriu o estado de São Paulo, os resultados disso, as melhorias da condição de vida do povo paulista, a redução da mortalidade infantil, o crescimento da produção. São Paulo cresceu mais que a média nacional nesse mesmo período. São elementos que terão de ser mostrados, como a diminuição dos impostos no estado de São Paulo. A comparação vai ser basicamente aquilo que Geraldo fez, governando o maior estado do país, e o que nós temos no Brasil de hoje.
Mas a vantagem de Alckmin sobre Lula, segundo o Ibope, caiu pela metade em abril no estado de São Paulo.
É resultado do mesmo processo de exposição a que me referi. Em São Paulo, como em todos os estados brasileiros, a presença de Lula é absoluta em todos os meios de comunicação.
Para reverter esse quadro, em que pontos a oposição vai centrar fogo agora?
Além da questão ética, que é visível, vai ser apresentada ao Brasil a escolha entre uma pessoa como Geraldo, que tem uma vida absolutamente limpa, e o chefe de uma gangue. Quem diz isso não sou eu. É o Ministério Público. Organizou-se uma quadrilha no governo, e quem preside o governo é Lula. Quem preside a quadrilha, portanto, é ele. Não há como fugir desse fato. Esse é um lado. Outro lado que vamos mostrar é que nosso crescimento econômico e a nossa distribuição de renda são medíocres. O máximo que o governo Lula faz é distribuir algumas migalhas para uma parcela da população brasileira. Cerca de 11 milhões de famílias estão recebendo algo entre R$ 70 e R$ 75 em média, um gasto de R$ 9 bilhões por ano. Enquanto isso, apenas sete bancos tiveram uma lucratividade, no ano passado, de R$ 28 bilhões, valor três vezes maior do que o gasto no atendimento de milhões de pessoas.
O senhor está dizendo que o mercado financeiro, desta vez, ficará do lado do governo Lula nestas eleições?
Sem dúvida, os bancos vão ficar do lado de Lula. Já estão do lado de Lula. O que Lula procura é enganar, dizendo que é o candidato dos pobres, dos humildes, explorando o sentimento do povo humilde. É um grande enganador. Uma das maiores empulhações da história brasileira.
Se ele é uma das maiores empulhações e o seu governo foi submetido a tantas denúncias, por que não caiu? A oposição não foi competente para mostrar isso?
A oposição não pode ser mais agressiva do que foi. Você tem limitações. Como faríamos o impeachment sendo minoria na Câmara? Hoje, agregando alguns setores que se descolaram do governo, mal chegamos a 200 deputados. Não dá pra fazer. A própria sociedade não estava mobilizada para isso, não estava pressionando nessa direção.
Por quê? Lula se descolou dos escândalos?
Pessoalmente, ele procurou evitar. E, com isso, está menos marcado do que estão o partido e os mensaleiros.
Mas o governo FHC também enfrentou uma série de denúncias de irregularidades. E sempre havia a ressalva dos tucanos de que os fatos precisavam ser apurados. Por esse mesmo raciocínio, não é precipitado dizer que o presidente Lula era o chefe da quadrilha?
Se o chefe da Casa Civil dele participou disso, se o comando do partido dele participou disso, se o ministro da Fazenda dele participou de irregularidades… Se os presidentes e líderes dos demais partidos da base ou foram cassados, ou se afastaram ou renunciaram por estarem envolvidos nisso… Se todas essas lideranças estavam envolvidas e a origem dos recursos é do setor público, dá pra imaginar que o presidente da República seja um imbecil que não sabe nada do que se passa? Se isso fosse verdade, ele seria um imbecil. Nesse caso, eu diria que ele não poderia ser presidente da República. Imbecil, Lula não é. Tenho absoluta convicção. Ele sabe exatamente tudo aquilo que ocorreu. Agora, como elemento de prova contra ele, não tem. Você não vai ter uma prova da intervenção pessoal dele nisso, é natural. Mas que ele não soubesse? Isso é inimaginável. Todos os governos têm atos de corrupção, mas que são todos pontuais. Nunca se viu um caso como este, em que as próprias direções dos partidos que estão na base do governo comandam esse processo de corrupção. É algo inédito.
O senhor admite a possibilidade de o PSDB trocar a candidatura de Alckmin caso ele não decole nas pesquisas?
Não tem (possibilidade).
Nem por José Serra? Nem por Fernando Henrique?
Nenhuma hipótese, nenhuma.
Alckmin é mesmo o melhor nome do PSDB para o Planalto?
Não interessa saber se é o melhor ou não. Interessa que é um fato resolvido. Isso são águas passadas.
A aliança com o PFL tem encontrado dificuldade em alguns estados. O PSDB está disposto a ceder até que ponto para ter um vice pefelista?
Até o limite do possível. Se pudermos fazer composições, nós cedendo a eles e eles a nós em alguns estados, será bom, nos ajudará na aliança nacional. Não podemos impor. É um processo de negociação. Pode dar certo em alguns lugares, em outros não. Não podemos transformar eventuais inimigos em determinados estados em aliados.
Na falta do PFL, o PMDB seria o grande aliado do PSDB?
Não acredito que o PFL nos falte. Nossa aliança prioritária é com o PFL. Não vamos abrir mão disso. Queremos, se possível, apoio do PMDB, mas a gente sabe das dificuldades do partido, que tem as correntes e os interesses internos mais variados possíveis. Com a verticalização, principalmente, é muito difícil que o PMDB consiga se integrar na campanha de qualquer candidato à Presidência da República.
Na avaliação do senhor, a crise vai se agravar até as eleições de outubro?
Vamos conviver com altos e baixos. Vão aparecer episódios aqui e ali. A questão básica que vamos ter de enfrentar nos próximos meses é que o governo federal não está enfrentando as questões que estão aí.
A quais questões o senhor se refere?
A questão do juro alto e do real supervalorizado em relação ao dólar já está levando o país lenta, mas inexoravelmente, a situações de dificuldade econômica que teremos mais à frente. O governo não faz nenhum ajuste fiscal e não controla as despesas. O governo está preparando uma crise para o futuro. Pode não acontecer este ano, mas será no ano que vem.
Será uma bomba para o próximo governo?
Para o próximo governo ou para ele mesmo. Se for o Lula, pode ser para ele mesmo. Ninguém sabe qual será o resultado do ano eleitoral. Sai hoje (última quarta-feira, 3 de maio) a notícia de que a Volkswagen decidiu demitir 25% do seu contingente, num setor que ia muito bem na exportação, que é o de automóveis. Só que com a supervalorização do real e a desvalorização do dólar, está se inviabilizando. Nós vamos ter problemas gravíssimos no futuro.
Em que um novo governo do PSDB seria diferente do governo FHC?
O governo Fernando Henrique é coisa do passado. Ele nasceu do Plano Real, de uma obrigação de acabar com a inflação, com a tese da consolidação de uma política monetária, um equilíbrio fiscal. Isso tinha sempre implicações: sair de um processo inflacionário para um processo de equilíbrio monetário. Essa política é do passado, não existe mais esse fato. Os fatos agora são outros, não têm nada a ver com o atual nem com o próximo governo.
Essas mudanças seriam na condução da política econômica?
Também na condução da política econômica. Claro que tem elementos básicos, como estabilidade fiscal, metas inflacionárias, uma série de princípios básicos que podem ser mantidos ou um pouco modificados, mas certamente as políticas, à medida em que o tempo passa, não podem ser as mesmas. Princípios básicos, sim, políticas no geral, não.