Sylvio Costa e Edson Sardinha
O PMDB como a maior a bancada da Câmara. O PT, o PL e o PTB, menores. O PSDB um pouco maior, e o PFL praticamente do mesmo tamanho. Essas são algumas das previsões do líder do PSB na Câmara, Renato Casagrande (ES), ao antever, para outubro, uma das maiores renovações da história do Congresso. O PSB, avisa, voltará com o dobro de deputados em relação às últimas eleições.
“Não tivemos ninguém envolvido na crise. O partido saiu ileso desse processo. Este é um ano de depuração. Se o Brasil entrar em ritmo de crescimento e os brasileiros sentirem mudanças na vida real, a crise ficará em segundo plano. E o resultado do governo ficará em primeiro plano”, afirma o líder socialista, um dos interlocutores da base aliada com maior trânsito no Palácio do Planalto.
Apesar da identificação com o governo, Casagrande deixa claro que o partido se cansou das promessas de Lula e pode partir para uma candidatura independente, possivelmente encabeçada pelo ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes.
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“O que Lula vai apresentar à sociedade e a nós, aliados? As ações dele agora no governo. O presidente não pode dizer que agora é assim e que no outro governo vai ser diferente. Não. Tem de apontar para mudanças desde já”, exige. “Pensar a candidatura dos partidos de esquerda, com tempo de televisão significativo para fazer a defesa do projeto, será uma alternativa à população brasileira”, diz ao Congresso em Foco.
Pelo menos três fatores de natureza política serão decisivos para definir o palanque dos socialistas em outubro: o fim da restrição para as coligações, a retomada de credibilidade do presidente e o desaparecimento dos focos de crise. Com a aprovação ontem, em primeiro turno, da proposta de emenda constitucional que derruba a verticalização, o primeiro problema parece estar resolvido. Nos outros dois casos, porém, a bola está com Lula.
“Temos boa vontade para ficar com Lula, mas esperamos que o governo aponte para mudanças profundas já a partir deste ano”, insiste. Entre as alterações consideradas fundamentais por Casagrande para que o PSB mantenha o apoio a Lula, destaque para a redução dos juros, a flexibilização das metas de superávit e a revisão do processo de execução orçamentária.
Caso raro de parlamentar em primeiro mandato a ocupar liderança de uma bancada na Câmara, Casagrande ganhou notoriedade ao ajudar o governo em votações importantes. Os socialistas estão entre os mais fiéis aliados do Planalto. Na semana passada, uma proposta de autoria do capixaba acabou com o pagamento de ajuda de custo durante as convocações extraordinárias. Aos 45 anos, o líder do PSB planeja, para outubro, o vôo mais alto de sua carreira política: a disputa por uma cadeira no Senado.
Congresso em Foco – Como devem se comportar os partidos da base aliada de Lula no Congresso este ano?
Renato Casagrande – Alguns fatores vão interferir na posição de cada partido. O primeiro deles é a verticalização. Mantida essa regra, muitos partidos ficarão sem nenhuma aliança nacional para poder desenvolver com mais flexibilidade os projetos regionais. Outra condição é o desempenho do presidente Lula. Se o presidente se recuperar do desgaste do ano passado, agregará mais gente em torno de sua candidatura. Agora, se houver mais focos de crise, Lula terá mais dificuldade em buscar alianças.
Essas condições já existem hoje?
Pessoalmente, acho que ele tem as condições econômicas e políticas, porque a crise estourou num prazo grande antes do pleito eleitoral e a população começa a ter um pouco de repulsa à crise. Recuperando-se, Lula tende a atrair mais aliados para o processo político. Naturalmente, os partidos estão começando esse debate agora. Por isso, nós só teremos uma posição mais clara de cada partido a partir de abril ou maio.
Pessoalmente, o senhor defende a candidatura própria do PSB?
Defendo um diálogo com todos os partidos de centro-esquerda, o PT, o PPS, o PDT, o PV, o PCdoB e o próprio PMDB, para que possamos avaliar essa situação num cenário mais nítido. Precisamos saber como ficará a verticalização e quem será candidato. Nosso partido tem de manter o diálogo com todas as forças políticas. Não podemos ficar limitados ao PT. É preciso dialogar com todos do campo da esquerda.
Mas o PPS, o PDT e o PV estão na oposição. O senhor defende um rompimento com o PT?
Não é um rompimento. Quero que o PSB tenha não só o governo como referência para o debate eleitoral, mas a relação histórica com os partidos de esquerda. Nós entramos no governo para apoiar a candidatura de Lula no segundo turno da eleição passada. Esta será uma nova eleição. Não só com o PT e o PCdoB, mas com o PPS, o PDT, o PV e o PMDB. Por isso, defendo que o ministro Ciro Gomes se desincompatibilize do ministério (da Integração Nacional) até o dia 1º de abril para ser candidato a qualquer coisa.
Por quê?
Temos de estar com nossas lideranças preparadas para a candidatura. Se o ministro Ciro Gomes permanecer no governo, será uma carta fora do baralho. Saindo, ele pode não ser candidato, mas estará pronto para disputar qualquer coisa.
Como líder, o senhor sente que a tendência da bancada é defender candidatura própria?
Depende. Mantida a verticalização, sem uma boa aliança partidária em torno de Ciro, estará inviabilizada a candidatura própria. Derrubada essa regra, teremos mais chance de ter candidato próprio e discutir com o próprio presidente Lula. Se ela não cair, o presidente Lula corre o risco de ficar sozinho com o PT na disputa presidencial. Mas mesmo que a gente consiga derrubar a verticalização, existe a possibilidade de alguma entidade recorrer ao Supremo para questionar a constitucionalidade da decisão.
Em termos legislativos, é possível o Congresso aprovar matérias importantes ainda em 2006?
Vamos funcionar normalmente até junho para votar as matérias mais importantes. Começamos o ano com a convocação extraordinária, que foi amaldiçoada por todos, inclusive por mim, com resultados positivos para o Congresso. A decisão de se iniciar a convocação extraordinária votando-se o fim do jeton (ajuda de custo) e a emenda constitucional que reduz o recesso parlamentar foi um sinal claro de que o Congresso tenta recuperar o prejuízo histórico que teve em 2005, um dos piores anos de sua história. Aumentaram muito o descrédito e o fosso que separa o Congresso da população brasileira. Nos últimos dias, votamos o Fundeb (Fundo da Educação Básica) e a PEC dos agentes comunitários de saúde. Ainda na convocação devemos votar a Lei Geral da Micro e Pequena Empresa e o projeto que reduz os gastos de campanha, do senador Bornhausen. Será um ano curto mas positivo. Depois da convocação, ainda poderemos votar a reforma política, a reforma tributária e a reforma universitária.
O senhor vê alguma hipótese de a disputa presidencial sair dessa polarização PT e PSDB?
Não que seja possível sair da bipolarização, mas dá pra haver mais alternativas. O PT e o PSDB têm projetos consolidados. Os outros não têm. O PMDB é um grande partido nacional, mas, mantida a verticalização, não terá candidato a presidente da República. Uma parte vai apoiar o PT e outra, o PSDB. O PSOL terá de repensar o seu projeto. Derrubada a verticalização, poderá até haver polarização na disputa, mas a sociedade terá mais alternativa de candidaturas viáveis. Outros partidos da esquerda que não estiverem com Lula poderão ter uma candidatura que faça um trabalho sólido. Pensar a candidatura de Heloísa Helena sozinha é uma coisa. Pensar a candidatura dos partidos de esquerda, com tempo de televisão significativo para fazer a defesa do projeto, será uma alternativa à população brasileira.
Mas o senhor acha que é possível o país eleger alguém que não seja Lula ou o candidato do PSDB?
Não estou dizendo que isso seja possível. É difícil, mas, na política, nada é impossível. Temos condições de estabelecer a renovação política com a projeção de novas lideranças e novas propostas. A verticalização inibe isso e nos impede de apresentar projetos alternativos, capazes de se consolidarem com o tempo, para o cenário nacional. Lula ganhou apenas na quarta tentativa. Quem não joga não tem torcida. Temos de entrar em campo e jogar. Um candidato que tem 10% ou 15% numa eleição presidencial tem peso político nacional para interferir nos projetos vitoriosos. É muito importante, para a democracia, que a gente tenha essa diversidade de alternativas no primeiro turno.
O PT ficou muito marcado pela crise política. Por causa disso, o senhor prevê uma renovação sem precedentes na Câmara este ano, e um Congresso mais conservador em 2007?
Mais conservador, não sei. Mas vai haver uma renovação grande. Nós vivemos numa democracia jovem, as instituições não estão consolidadas, e a renovação geralmente supera os 40% no Legislativo. Se Lula estiver muito fraco (na época da eleição), o Congresso deve voltar mais ligado ao PSDB e ao PFL.
O PT senhor acredita que o PT volte, no ano que vem, ainda como a maior bancada?
Vamos ter diminuição de bancadas. Pelos erros que o PT cometeu, pelas perdas de liderança que o partido teve no ano passado, tende a eleger uma bancada menor do que a que a da eleição passada.
Que partidos vão crescer na Câmara?
Outros partidos de esquerda ganham. O PSB ganha, o PDT deve ganhar. Nós elegemos 22 na eleição passada, e vamos eleger mais de 40 na próxima. Nós nos preparamos para isso. Não tivemos ninguém envolvido na crise. O partido saiu ileso desse processo. Este é um ano de depuração. Se o Brasil entrar em ritmo de crescimento e os brasileiros sentirem mudanças na vida real, a crise ficará em segundo plano. E o resultado do governo ficará em primeiro plano. Algumas bancadas, como a do PT, diminuirão de qualquer jeito.
Quais?
Alguns partidos vão perder em relação à bancada da última eleição. O PL certamente não terá o mesmo número de deputados que teve no auge do ano passado, perto de 50. O PL elegeu 22 e dobrou a sua bancada depois. O PTB também deve perder. Esses partidos vão perder cadeiras, em parte, devido à crise do mensalão e à política equivocada do governo de fortalecer partidos fisiológicos.
E o PP?
O PP perdeu muito pouco parlamentar com essa crise. Talvez continue do mesmo tamanho. O PFL, que elegeu mais de 60 deputados, não deve crescer. Acho que o PSDB pode aumentar mais (sua bancada), já que terá candidatura a presidente.
O PMDB tende a ser o partido que vai mandar nas duas Casas?
O PMDB tem muitos candidatos a governador. Isso ajuda o partido, que continuará a ter uma grande bancada. Na minha avaliação, o PMDB é o partido que terá o maior número de deputados.
Já existe alguma negociação no partido para que o ministro Ciro Gomes seja o vice na chapa de Lula?
Isso é especulação da imprensa. Não existe conversa no partido sobre isso. O PSB pode ficar como vice do PT caso a coligação de Lula seja pequena. Não sabemos se vamos ficar com Lula. Vice é o cargo que se discute no último momento.
O PSB está satisfeito com espaço que tem no governo?
Nosso espaço é o Ministério da Ciência e Tecnologia. A relação do governo com a bancada no (do PSB) continua muito fraca. Inúmeros problemas ocorreram no final do ano com a execução orçamentária. É uma relação de muitos atritos.
Que tipo de atrito?
Nós discordamos da condução da política econômica e da falta de planejamento na execução orçamentária. Espero que 2006 seja diferente, que o governo possa flexibilizar mais a política econômica e oferecer um método de execução de orçamento para que a liberação dos recursos não fique mais para os últimos dias do ano.
A mudança nesses dois pontos é fundamental para o PSB continuar com Lula?
Essas questões são fundamentais. O programa de governo de quem está no governo é o próprio governo. O que Lula vai apresentar à sociedade e a nós, aliados? As ações dele agora no governo. O presidente não pode dizer que agora é assim e que no outro governo vai ser diferente. Não. Tem de apontar para mudanças desde já. O aumento do salário mínimo é uma importante indicação. Ainda que não tenha atingido o patamar prometido, de dobrar o valor de compra, está claro que ele recuperou mais do que qualquer governo o salário mínimo. Não vamos também criar caso para impedir o PT de fazer alianças. Temos boa vontade para ficar com Lula, mas esperamos que o governo aponte para mudanças profundas já a partir deste ano.
Que mudanças profundas seriam essas?
Primeiro, aumentar investimentos em infra-estrutura para que o Brasil tenha capacidade de crescer numa velocidade maior. Isso depende de uma mudança de política econômica. Uma política que possa reduzir os juros de forma permanente, para que tenhamos recursos para investimentos. Em segundo lugar, precisamos de uma execução orçamentária planejada. Não podemos mais ter uma execução tão artesanal. O que está no Orçamento deveria ter uma disponibilidade mensal, para dar agilidade e autonomia para o funcionamento das áreas da administração pública. Em terceiro lugar, é preciso priorizar a política de recuperação do valor do salário mínimo e os programas sociais.
Esse discurso não se aproxima do feito por Serra?
Serra tem um bom discurso. Mas ele tem muitos aliados que o impedem de pôr em prática suas idéias. O discurso de Serra é de esquerda. Ele é uma pessoa competente. Só que faz parte de um partido que tem compromissos muito consolidados com o sistema financeiro, o que o impedirá de aprofundar suas idéias.
Mas há alguma possibilidade de o PSB apoiar o PSDB nas eleições?
Em nível nacional, não há a menor possibilidade.