Laís Garcia |
Após dois anos aprovando praticamente todos os projetos que submetia ao Congresso, o governo Lula foi surpreendido, nos últimos seis meses, com dois vendavais políticos: a eleição de Severino Cavalcanti (PP-PE) para a presidência da Câmara e a crise provocada pela denúncia de pagamento de propina para deputados aliados – o chamado mensalão. As duas tempestades abalaram a agenda legislativa do Executivo e adiaram para este semestre a votação de pelo menos dez projetos considerados prioritários pelo governo. Não bastassem as dificuldades provocadas pelas divergências com a oposição – acirradas à medida que o período eleitoral se aproxima –, essas propostas vão disputar a atenção de deputados e senadores nos próximos meses com as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) dos Correios, do Mensalão e dos Bingos. Leia também Além de recompor sua base, blindar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva das denúncias de compra de deputados e conter a mais grave crise política do atual governo, o Planalto terá a missão de concluir neste semestre as reformas tributária, sindical, política e do Judiciário. Também constam da pauta projetos considerados importantes para a economia, como o que institui o Estatuto das Micro e Pequenas Empresas, o que estabelece o marco regulatório do setor de saneamento e o que redefine o papel das agências reguladoras. Ainda na Câmara, outro desafio será levar adiante a proposta de emenda constitucional (PEC) que torna mais rígido o combate ao trabalho escravo e a que proíbe a prática do nepotismo nas três esferas do serviço público. Aprovado recentemente na Câmara, o projeto de lei que regulamenta a gestão de florestas públicas é outro item que o governo pretende fazer avançar no Senado até dezembro. Saiba mais sobre os projetos de interesse do governo em tramitação no Congresso: Reforma política As denúncias do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) sobre o suposto pagamento de mesada a parlamentares tiraram da gaveta da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania as propostas de reforma política, que estão prontas para serem votadas em plenário. Para terem validade nas próximas eleições, as mudanças terão de ser aprovadas na Câmara até 30 de setembro. Entre as proposições que alteram as regras eleitorais e dos partidos, a de maior interesse para o governo, no momento, é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 548/02, que derruba a verticalização eleitoral. A PEC acaba com a regra que obriga os partidos a seguirem nos estados as alianças feitas para a eleição presidencial. Com a medida, o PT pretende atrair o PMDB de olho na reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas o principal projeto de lei da reforma política é o PL 2679/03, que propõe cinco mudanças: – A instituição do financiamento público de campanhas; – O fim do voto em candidatos e criação do sistema de voto de legenda em listas partidárias preordenadas; – A criação da federação partidária, pela qual o vínculo entre os partidos aliados para eleições teria de ser, no mínimo, de três anos (hoje as alianças podem ser desfeitas após as eleições); – O abrandamento da cláusula de barreira, mecanismo segundo o qual um partido só tem representatividade nacional quando atinge determinado percentual de votos (atualmente é preciso ter 5%, mas o projeto reduz essa margem para 2%), – Mudanças nas regras das pesquisas eleitorais e de propaganda. Outra iniciativa pronta para análise do plenário pretende coibir o troca-troca partidário. Trata-se do Projeto de Resolução (PRC) 239/05, que altera o Regimento Interno da Câmara. A proposta muda o critério para definir o número de vagas de cada partido ou bloco na Mesa Diretora e nas comissões da Casa. Segundo o texto, a cota das agremiações será proporcional ao número de deputados eleitos por elas. Há ainda o PL 1712/2003, que aumenta o prazo de filiação partidária para candidatos a cargos eletivos. Pela proposta, a primeira filiação do candidato deve ocorrer até um ano antes das eleições. Os postulantes já filiados, mas que desejam mudar de partido político, terão, com a proposta, dois anos de prazo para lançarem a candidatura. A lei atual prevê que o período mínimo é de um ano. Reforma tributária Aprovada de forma fatiada desde 2003, a reforma tributária teve sua votação adiada para este segundo semestre. O principal nó da reforma é a dificuldade em unificar a legislação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Embora o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), tenha apoiado a votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 285/04, a bancada do PMDB, respaldada pelos governadores do partido, barrou o avanço da reforma. Outra crítica à PEC 285/04 é de que os estados mais pobres poderiam perder o poder de barganha que têm no momento em que concedem incentivos fiscais para as empresas que queiram se instalar nos seus territórios. Depois de aprovado na Câmara, o texto seguirá mais uma vez para o Senado. Reforma sindical Antevendo derrota no Congresso, o Palácio do Planalto decidiu desacelerar as discussões sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 369/05, que altera o sistema sindical do país. Enviada à Câmara em março deste ano, a proposta está parada na CCJ. O texto é resultado de dois anos de intensos debates entre representantes do Executivo, dos trabalhadores e dos empregadores no Fórum Nacional de Trabalho (FNT). As duas principais altera ções são o fim da unicidade sindical e da contribuição compulsória aos sindicatos. Pela proposta será instituída uma contribuição negocial. Esses pontos são criticados por centrais sindicais pequenas e até por parlamentares governistas (leia mais). Reforma do Judiciário Após a aprovação da primeira etapa da reforma do Judiciário, com a Emenda n° 45, no final de 2004, o governo decidiu fazer uma mudança na legislação infraconstitucional para tornar mais ágil o trâmite processual. No início do ano, enviou e carimbou como prioritários 23 projetos de lei ao Congresso Nacional. Nenhum deles, contudo, virou lei. As propostas abrangem pagamento de precatórios, ampliação dos poderes da defensoria pública, justiça itinerante, direitos humanos e execução fiscal. O pacote também inclui mudanças na realização de inventários e divórcios e no julgamento de questões trabalhistas. A maioria dos PLs ainda está na CCJ da Câmara. Eles tramitam em caráter conclusivo, ou seja, não precisam necessariamente passar pelo plenário das casas legislativas para serem aprovados (leia mais). Agências reguladoras Apontado como prioridade pelo governo, o projeto que redefine o papel das agências reguladoras correu durante quatro meses no ano passado e está estacionado há um ano numa comissão especial. De lá pra cá, o calendário eleitoral, o trancamento da pauta e a falta de acordo entre governo e oposição emperraram a votação, mesmo tramitando em regime de urgência, do Projeto de Lei 3337/04. A principal divergência quanto ao relatório está na transferência da responsabilidade pela licitação para os ministérios. Essa atribuição, contudo, poderá ser delegada às agências reguladoras. Os deputados do PFL e do PSDB que participam da comissão especial consideram que a transferência de poder só irá atrapalhar os investimentos externos. Por outro lado, eles não aceitam que o poder fique concentrado nos ministérios por causa de eventuais pressões políticas. O impasse sobre a responsabilidade de gerenciar os recursos do Fundo de Universalização das Telecomunicações (Fust) também está dificultando a votação do projeto. Alguns partidos defendem que a gestão seja feita pelo Ministério das Comunicações, outros querem que o controle fique com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Depois de aprovado pela comissão especial e pelo plenário da Câmara, o texto será enviado ao Senado. Estatuto das Micro e Pequenas Empresas O Projeto de Lei Complementar (PLP 123/04) altera o Estatuto da Micro e Pequena Empresa e tramita em conjunto com o PLP 210/04, conhecido como Projeto da Pré-empresa, de autoria do Poder Executivo. O projeto concede uma série de isenções tributárias para microempresários cujo faturamento bruto anual não ultrapasse R$ 36 mil, desonera a folha de pagamento e estimula a inclusão dos empregados no regime previdenciário. Ao contrário do tipo de contribuição denominado Simples, que trata apenas de tributos federais, o projeto prevê a unificação de impostos estaduais e municipais e a redução de encargos trabalhistas. O maior impedimento para a aprovação do projeto é o receio de que a redução dos impostos pode prejudicar a arrecadação da União, dos estados e municípios. A expectativa é de que o relatório da comissão especial seja votado em setembro. E que o texto seja aprovado pelo Congresso até o fim do ano. PEC do Trabalho Escravo A Proposta de Emenda à Constituição (PEC 431/01) que cria regras para intensificar o combate à exploração de mão-de-obra e determina a expropriação das terras onde for constatada a utilização de trabalho escravo não caminhou neste primeiro semestre. A proposição já foi aprovada em primeiro turno, mas, desde agosto de 2004, aguarda votação em segundo turno. A principal dificuldade para aprovação da proposta é a pressão exercida pela bancada ruralista – composta por mais de 150 deputados de vários partidos – sobre o governo. Se aprovada pelo plenário da Câmara, a matéria retorna para votação no Senado, já que foi alterada. PEC do Nepotismo Depois da surpreendente eleição do deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) – defensor e adepto da contratação de parentes – para a presidência da Câmara, ganhou impulso, com o apoio do governo e do PT, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 334/96, que veda a prática do nepotismo nos três poderes. Mas a PEC caminhou pouco no semestre passado. A comissão especial destinada a discutir a proposta demorou praticamente dois meses para ser instalada. O deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), relator da PEC 334/96, apresentou um parecer preliminar no qual incluiu uma novidade: a proibição do chamado nepotismo terceirizado – aquele realizado quando uma empresa contratada pelo governo mantém em seus quadros parentes de agentes públicos. Marco regulatório do saneamento Entre as proposições consideradas prioritárias pelo governo a que está em fase mais adiantada de tramitação é o projeto de lei que institui a Política Nacional de Saneamento Básico (PNS). O Projeto de Lei 5296/05, do Executivo, tranca a pauta desde o último dia 12 e aguarda a apreciação de outras três MPs para ser analisado. Ele tramita, em regime de urgência, junto com o PL 1144/03, da deputada Maria do Carmo Lara (PT-MG), que trata da Política Nacional de Saneamento Ambiental. As proposições estão numa comissão especial, mas ainda não receberam o parecer do relator, deputado Júlio Lopes (PP-RJ). A aprovação do projeto não será fácil, afinal, foram apresentadas 862 emendas ao texto original. A proposta prevê uma visão integrada dos sistemas públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário, em conjunto com o manejo de águas pluviais (drenagem) e o gerenciamento de resíduos sólidos (coleta e tratamento de lixo). Uma das polêmicas é a definição a quem caberá, se aos estados ou aos municípios, a competência para prover os serviços públicos de saneamento básico. O Executivo argumenta que a decisão cabe ao Supremo Tribunal Federal (STF) e propõe uma estrutura regulatória que se manterá como tal, independentemente da decisão judicial. O governo alega que a titularidade dos serviços cabe aos municípios – posição com a qual não concordam os governadores. Florestas públicas Apesar do conflito de interesses entre as bancadas ruralista e ambientalista, o Projeto de Lei (PL) 4776/05, que regulamenta a gestão de florestas públicas para a produção sustentável, foi aprovado pela Câmara no dia 6 de julho. A expectativa agora é pela votação no Senado, para onde foi encaminhado. O ponto mais polêmico da proposta é a definição de critérios para a gestão sustentável de florestas públicas federais, estaduais e municipais. Os interessados em administrar os recursos florestais devem participar de licitação. Ganha o direito de uso – mas não a posse da terra – quem apresentar o melhor preço, o programa de menor impacto ambiental e o maior benefício socioeconômico. O projeto institui ainda um órgão gestor para o sistema, o Serviço Florestal Brasileiro (SFB), e prevê a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal (FNDF), para financiar o processo licitatório. |