Paulo Henrique Zarat e Edson Sardinha
A Câmara dos Deputados viveu ontem um dia de cão. Cerca de 500 manifestantes do Movimento de Libertação dos Sem-Terra (MLST) invadiram o prédio do Congresso Nacional armados com foices, pedras e pedaços de pau, para manifestar pela reforma agrária, num grau de violência nunca visto na Casa. Os manifestantes quebraram tudo o que viram pela frente, como vidraças, esculturas, terminais de computadores e luminárias. No confronto com seguranças da Câmara, pelo menos 41 pessoas, entre policiais, manifestantes e servidores, ficaram feridas, uma delas gravemente. O segurança Normando Fernandes foi levado a um hospital de Brasília, com suspeita de traumatismo craniano.
Os manifestantes empurraram um automóvel contra a entrada lateral do anexo II da Câmara para forçar a entrada no prédio. Já dentro da Casa, eles corriam pelos corredores que levam ao Salão Verde empunhando foices, paus e pedras. As polícias Legislativa e Militar e os seguranças da Câmara não conseguiram conter os manifestantes, que permaneceram por uma hora e meia no Salão Verde. Erguendo faixas pedindo reforma agrária, eles ameaçaram invadir o plenário onde estavam os deputados.
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Exaltados com a invasão, os deputados cobraram do presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), a imediata retirada dos manifestantes das dependências da Casa. Durante esse período, os deputados ficaram ilhados no plenário.
A oposição usou o incidente para atacar o presidente Lula e o PT. O principal líder do movimento, Bruno Maranhão, o primeiro a ser preso pela polícia, faz parte da Executiva Nacional do partido.
A prisão
Depois de uma tensa negociação, que durou quase três horas, os 500 invasores, que já estavam do lado de fora do Congresso, foram detidos e levados para um ginásio de esportes, a menos de dois quilômetros da Esplanada. O delegado da 2ª Delegacia de Polícia do Distrito Federal, Antônio Coelho Sampaio, informou que foram presas 549 pessoas. Dessas, 42 menores de idade.
No ginásio foi feita uma triagem para identificar os manifestantes que participaram do quebra-quebra e das agressões. A identificação seria feita com base em imagens do circuito interno de TV, de fotógrafos e de cinegrafistas que a Polícia Legislativa reuniu ao longo da tarde. Onze foram identificadas como líderes do MLST e transferidas para a delegacia. As demais seriam ouvidos no ginásio.
Todos os detidos foram presos em flagrante e autuados por dano a bem pública, formação de quadrilha e corrupção de menores. A polícia vai investigar ainda os envolvidos em lesões corporais. Os sete líderes serão autuados por tentativa de homicídio.
As reivindicações
Os manifestantes pretendiam entregar uma pauta de reivindicações aos presidentes da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Um dos coordenadores do movimento, Valmir Macedo, disse que a manifestação era para exigir que o Congresso votasse a lei que desapropria as terras onde há trabalho escravo no país. "Queremos protestar também contra os deputados que não votaram o orçamento de 2006 em fevereiro ou março impedindo que o governo pudesse agilizar a reforma agrária no país", protestou Valmir.
Outros pontos da reivindicação dos sem-terra: revogação da medida provisória, já transformada em lei, que proíbe vistorias por dois anos em terras invadidas, atualização dos índices para cálculo de produtividade no campo e atuação do governo para combater crimes de pistolagem contra trabalhadores sem terra.
O movimento
O MLST é uma dissidência do MST e foi criado em 1997.
"São dois movimentos que surgiram pelo mesmo objetivo, que é a reforma agrária, mas cada um tem a sua política de trabalhar o seu próprio método", disse Valmir.
Em abril do ano passado, o movimento ganhou visibilidade ao invadir o prédio do Ministério da Fazenda com 1.200 integrantes. Eles ocuparam o ministério por mais de seis horas. Em visita ao Palácio do Planalto, também no ano passado, o presidente Lula polemizou ao colocar o boné do MLST depois de se reunir por duas horas com membros do movimento. Em 2003, o governo federal repassou aos movimentos dos sem-terra R$ 9 milhões.
O líder
O principal líder do MLST, Bruno Maranhão, é secretário nacional de movimentos populares da executiva do PT. Maranhão foi detido por oito seguranças da Câmara dos Deputados, por volta das 17h, após retirar os cerca de 500 militantes sem-terra que invadiram e depredaram o Congresso. O comando do partido divulgou nota condenando a invasão da Câmara. Líderes da bancada se revezaram no plenário defendendo a expulsão dele do quadro partidário.
Ex-exilado político, Maranhão é filho de usineiros de Pernambuco. Engenheiro mecânico, não quis trabalhar na empresa da família. Comunista convicto, atuou em diversos partidos clandestinos na época da ditadura militar. Foi um dos fundadores, em 1968, do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). Como guerrilheiro, participou de assaltos a bancos na época da ditadura.
Ao lado de Francisco Julião, Maranhão militou nas Ligas Camponesas.
Em 1997, ele foi um dos criadores do MLST, em Luiziânia (GO). Na época, comparou o MLST ao Movimento Zapatista, do México. "Somos os zapatistas brasileiros", afirmou.
Ao ser preso ontem, Maranhão disse que sua intenção era promover uma manifestação pacífica e que, por isso, não se arrependia de nada. "Queremos fazer o debate democrático. Não me arrependo de nada que eu fiz, pois não somos vândalos. A prova disso é que no ano passado fizemos uma ocupação pacífica no Ministério da Fazenda."
O confronto
O tumulto começou por volta das 14h30m, quando os sem-terra tentaram forçar a entrada no prédio da Câmara. A segurança não permitiu a entrada, alegando que o protesto não estava autorizado. Os manifestantes forçaram a passagem. Cerca de 12 seguranças da Câmara e oito policiais militares, a serviço do Legislativo, tentaram sem sucesso impedir a entrada.
Teve início, então, uma grande confusão que durou quase duas horas. O confronto na portaria do anexo que dá acesso às salas das comissões durou cerca de 15 minutos. Atingidos por paus e pedras, seguranças da Câmara caíram. Funcionários da Casa e visitantes, que se aglomeraram para acompanhar a confusão, foram atingidos. Pessoas gritavam, deputados corriam.
Após arrombarem a porta do Anexo II, os manifestantes percorreram 200 metros, destruindo o vidro da porta da sala da taquigrafia e da porta que separa o Anexo II do túnel subterrâneo que dá acesso ao prédio principal. Chegaram ao Salão Verde, que dá acesso ao plenário da Câmara. Pulando, gritavam: "o povo unido jamais será vencido". A essa altura, já estavam armados também com os suportes de aço usados para delimitar áreas de isolamento.
Um busto de bronze do ex-governador Mario Covas (1930-2001) e duas exposições, uma de pássaros e plantas e outra de fotos, também viraram alvo da fúria dos sem-terra. A escultura O Anjo, do artista mineiro Alfredo Ceschiati, só não foi destruída porque é de bronze. Os manifestantes ensaiaram uma invasão do plenário, mas desistiram. Tentaram ainda entrar no Senado pelo Salão Azul e no Salão Negro da Câmara, mas foram impedidos pela segurança. "Quero todos presos!", determinou o presidente da Casa, Aldo Rebelo, que se recusou a negociar com os manifestantes.
Os feridos
Entre os 41 feridos no confronto, dois foram identificados como ligados ao MLST. Quase todos que deram entrada no departamento médico da Câmara eram seguranças da Casa. O coordenador de logística do departamento de Polícia Legislativa, Normando Fernandes, levou uma pancada na cabeça e foi internado na unidade de terapia intensiva (UTI) do hospital Santa Lúcia.
Os médicos informaram que não há risco de morte. Com um traumatismo craniano, ele foi sedado, mas às 19h já estava consciente. O segurança é casado, tem uma filha e sua mulher está grávida. Segundo a Câmara, Fernandes apresentou afundamento lateral esquerdo do crânio, o que gerou um edema cerebral. Ele chegou a sofrer convulsões ao ser atendido pelo departamento médico. Um segurança da Casa não identificado quebrou uma perna ao ser jogado de cima de uma escada rolante. Segundo a Câmara, as demais pessoas que receberam atendimento não sofreram ferimentos graves.
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