Há no Brasil, como todos sabemos, uma gigantesca obra social em andamento. Inesperada até poucos meses atrás, ela tem como autores meninas e meninos que foram às ruas munidos de celulares, sempre ligados (a não ser quando a conexão cai) no novo mundo das tecnologias digitais. O que os moveu foi, sobretudo, a vontade de fazer ouvir seu grito por melhores serviços públicos, contra os velhos métodos de ação política, a corrupção e a gastança de governos, inclusive (embora não só) com a Copa do Mundo. O pano de fundo, não reconhecido por muitos analistas, é a decepção com os resultados econômicos do governo Dilma, agravados pelas dificuldades encontradas pela nova geração – hoje menores do que no passado, mas ainda maiores para ela do que para qualquer outra faixa etária – de encontrar uma oferta pelo menos razoável, em quantidade e qualidade, de empregos e salários.
Também sabemos que os manifestantes emparedaram governantes em níveis federal, estadual e municipal. Mudaram a pauta nacional, levando Executivo e Legislativo a reverem sua agenda. Revogaram aumentos de tarifas de ônibus. E botaram na roda empresas de comunicação e jornalistas.
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Políticos e gestores públicos continuam em xeque porque seus velhos truques já não enganam tão facilmente quanto antes. Votações apressadas ou anúncios improvisados para “dar uma resposta às ruas” não satisfazem essa rapaziada esperta, dotada de capacidade de análise suficiente para distinguir a solução real do mero marketing. A mídia enfrenta questionamentos profundos, exacerbados pela rapidez com que ela, primeiro, condenou os protestos iniciais, contra os vinte centavos de aumento na tarifa de ônibus em São Paulo. Depois, pelo tratamento dado à minoria de ativistas que optou pelas depredações e pelos ataques violentos. “Vândalos”, “baderneiros”, rotularam os grandes veículos sem atentarem para o fato de que poderiam estar diante não de “bandidos mascarados”, para usar a terminologia de certos apresentadores de rádio e TV, e sim de gente que não vislumbrou outra forma de expressar o tamanho de sua revolta contra a situação do país.
Não se trata aqui de fazer o elogio ao uso da violência como arma política, mas de admitir que nós todos, jornalistas, fomos até agora incapazes de ouvir os chamados black blocs e jamais poderíamos lhes ter metido um rótulo na fuça antes de compreender minimamente o que querem e o que pensam. Diga-se, aliás, que os jornalistas do Congresso em Foco não usam qualquer uma das expressões acima aspeadas para se referirem aos manifestantes de 2013. Da mesma maneira que não chamamos de “terroristas” aqueles que pegaram em armas para enfrentar a ditadura militar nos anos 1960 e 1970.
Seja por uma reação emocional, seja pela identificação com um ideário de tonalidades anarquistas, essa parcela dos manifestantes – que também cultiva remota inspiração na “primavera árabe” – explodiu em fúria contra símbolos do capital financeiro (como os bancos depredados) e da grande mídia (em especial, das redes de TV aberta que tiveram carros queimados e equipes hostilizadas). No Oriente, os ataques violentos foram e são contra ditaduras. Aqui, contra as precárias bases da nossa ainda jovem democracia. Um dos principais alvos da minoria mais radical dos manifestantes (mas não só dela) é, até aqui, o governador Sérgio Cabral, o que manteve o Rio de Janeiro nas últimas semanas no centro nervoso dos protestos no país.
Escrevo sem maiores informações sobre o que acontecerá daqui a algumas poucas horas, mas considerando a possibilidade de Brasília se tornar um novo palco de militância contra o status quo político. O personagem não poderia ser mais bem escolhido: Renan Calheiros (PMDB-AL), aquele que renunciou à presidência do Senado anos atrás, para salvar o mandato de senador, e que a reconquistou em fevereiro sem apresentar nenhuma explicação para as denúncias responsáveis pelo seu afastamento do cargo em 2007. À época da eleição da atual Mesa Diretora, na certeza de interpretar o sentimento da esmagadora maioria de seus leitores, o Congresso em Foco publicou um contundente editorial condenando o que já se anunciava: Senado e Renan voltaram as costas para a sociedade e lhe impuseram o acinte previamente repudiado por vasta mobilização digital.
PublicidadeComo informamos duas semanas atrás, articula-se nas redes sociais um acampamento em frente à residência oficial do presidente do Senado, o movimento #OcupaRenan. O número de confirmados na página do evento, pouco mais de mil, sugere que dificilmente os manifestantes juntarão as 10 mil pessoas pretendidas. Mas isso é pura especulação. O fato é que, apareçam hoje na Península dos Ministros quantos indivíduos forem, voltaremos aos primórdios da tensão política que marcará este ano na história brasileira.
Ouso dizer que a volta de Renan, aquele que retornou sem nunca ter saído completamente, foi o prefácio da obra ora em andamento. Que ela se desenrole pacificamente, como por sinal promete a mensagem de convocação do evento, e contribua para amplificar a voz que o poder central teima em não ouvir: manter Renan à frente do Congresso é manter o Parlamento sob fogo cruzado da sociedade brasileira, que o rejeita visceralmente.
As denúncias contra Renan Calheiros
O Legislativo brasileiro não é o que desejamos, mas é o que temos – e elegemos. E sem ele sabemos que não há democracia. Vamos valorizar o que o Congresso Nacional tem de melhor. Vá ao endereço http://premiocongressoemfoco.com.br/Voto.aspx e participe da escolha dos melhores parlamentares de 2013.