Parece não ter fim a criatividade de parlamentares para burlar a utilização da verba pública destinada a pagar, exclusivamente, despesas diretas dos seus gabinetes pessoais e inerentes ao exercício do mandato, revela a edição mais recente da Revista Congresso em Foco.
Um grupo de deputados de partidos diferentes descobriu que pode, ao mesmo tempo, atuar como legisladores – aprovando (ou atualizando) leis e fiscalizando o Executivo – e como fornecedores de produtos e serviços ao Poder em que trabalham.
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A mais nova fraude acontece há alguns anos por meio da utilização da chamada verba indenizatória, aquela em que o parlamentar é ressarcido por despesas com aluguel de imóveis, combustível, locação e fretamento de veículos, embarcações e aeronaves, divulgação da atividade política, passagens aéreas, material de informática e de escritório, hospedagem, alimentação e até gastos com assinaturas de publicações.
PublicidadePara engrossar a própria renda com dinheiro público extra, o deputado contrata empresas de amigos ou parentes e até aluga para seus próprios partidos os imóveis pagos com a verba indenizatória. Agora passaram a pagar as próprias despesas do partido ao qual são filiados com o dinheiro destinado ao funcionamento dos seus gabinetes, o que é vedado por lei.
São falcatruas pouco sofisticadas, feitas a conta-gotas, mas difíceis de serem detectadas pela fiscalização formal da Câmara.
O deputado Hugo Leal (Pros-RJ), por exemplo, informa à Câmara que utiliza parte da sua verba indenizatória, atualmente em R$ 35.388,11 mensais, para quitar despesas que seriam do seu escritório no Rio de janeiro. Mas no local – Avenida Beira Mar 406, sala 901, centro do Rio de Janeiro – também funciona, na verdade, a sede do diretório estadual da legenda. Ele aluga a sala 902, que incorporou ao escritório, pela qual pede ressarcimento.
A assessoria do PP informa que o partido tem escritório em outro andar do mesmo prédio. Mas no site oficial da legenda consta que o endereço da sede estadual do PP é o mesmo do escritório do parlamentar. Recentemente, o partido alterou o endereço em sua página virtual (veja na reprodução abaixo).
As despesas partidárias deveriam ser pagas com o dinheiro (também público) do fundo partidário. Mas Leal não cumpre a regra. Apenas entre os meses de janeiro a junho de 2015, o Pros nacional recebeu desse fundo R$ 14,3 milhões para dividir com os diretórios estaduais. Leal ganha R$ 33,7 mil para exercer seu mandato e mistura o uso do dinheiro da verba indenizatória com as atividades de presidente estadual do partido.
Desde outubro de 2013, um mês após a criação do partido, a Câmara pagou exatos R$ 73.417,52 a Hugo Leal como ressarcimento de supostas despesas com seu escritório no estado, referentes à locação das salas 901 e 902 (R$ 53 mil), condomínio (R$ 8,5 mil), central telefônica com 16 ramais (R$ 7,6 mil), energia elétrica (R$ 3 mil), IPTU (R$ 381) e até TV por assinatura (R$ 821).
Hugo Leal nega que pague o aluguel da sede do Pros – que fica em seu escritório – com a verba indenizatória e garante que as despesas da legenda são quitadas pela direção nacional da sigla. Além de alugar o próprio escritório para o partido, como mostra a documentação oficial obtida pela ONG Operação Política Supervisionada (OPS), que fiscaliza a aplicação dos gastos públicos, Leal ainda mantém outros dois imóveis locados como representação política e quitados com o dinheiro da Câmara. Um em Teresópolis e outro em Petrópolis, redutos eleitorais do parlamentar.
Sem endereço
A verba indenizatória – que varia de R$ 30.416,80 a 45.240,67 mensais, a depender do estado do congressista – também foi utilizada pelo deputado Wilson Filho (PB) para quitar despesas de aluguel do seu partido, o PTB.
A sede oficial da legenda, em João Pessoa, fica na Avenida Presidente Epitácio Pessoa, 3869, no bairro de Miramar. Lá também funcionou o escritório político do parlamentar, segundo o portal da Câmara. Além do aluguel, a Câmara também bancou os custos com energia, água e coleta de lixo. Entre janeiro e julho de 2015, as despesas do escritório do partido trabalhista na Paraíba chegaram a R$ 52.962,09. Tudo pago com verba indenizatória e devolvido ao deputado Wilson Filho, segundo informações oficiais da Câmara.
As despesas do PTB paraibano deveriam ser pagas com recursos do fundo partidário. Mas o presidente estadual da legenda, o ex-deputado e ex-senador Wilson Santiago, pai de Wilsinho, encontrou essa engenharia financeira para quitar as despesas do bunker trabalhista em João Pessoa. A verba deveria servir exclusivamente ao filho, que está no primeiro mandato, mas com ela Wilson pai quitou débitos do PTB.
A assessoria do parlamentar informou que o diretório estadual do PTB, de fato, funcionou no mesmo endereço do escritório político de Wilson Filho até dezembro de 2014. A legenda recebeu R$ 26,9 milhões do fundo partidário, entre janeiro e novembro de 2015, para bancar suas despesas em âmbito nacional. O parlamentar informa que a sede dos trabalhistas mudou para a Rua Clarisse Justa, 327, porque o custo de locação estava caro demais.
Mas no site do PTB o endereço formal é o mesmo do escritório do deputado.
Imagens do Google Maps, de maio deste ano, mostram que o letreiro do “Diretório Estadual do PTB” se encontrava no endereço que supostamente deveria ser apenas o escritório político de Wilson Filho. O congressista informa que, até novembro, estava sem escritório de representação no estado. Ainda assim, mesmo sem endereço, o deputado mantém empregados 25 funcionários. A maioria lotada na Paraíba.
Bairro nobre
O deputado Guilherme Mussi (PP-SP) adota o mesmo modelito. Paga com dinheiro da verba indenizatória o aluguel da sede do seu partido, onde também funciona seu escritório pessoal. Localizado no Ibirapuera, bairro valorizado de São Paulo, o imóvel custou em 2015 quase R$ 172 mil de locação. O deputado nega que faça a mistura entre público e privado, mas sua assessoria admite que seu escritório pessoal seja utilizado para algumas atividades do diretório com deputados estaduais e vereadores, embora alegue que a sede do PP estadual é em outro endereço.
No site do PP, o endereço da sede paulista da legenda é o mesmo do escritório pessoal de Mussi. O partido também já alterou o endereço em seu site – curiosamente, por não ter outro endereço para veicular, a legenda registrou um número de telefone para uso do aplicativo WhatsApp.
Laços de família
Outro deputado que mistura as despesas do gabinete pessoal parlamentar e o custeio do partido é Damião Feliciano (PB). Até o final de 2013 a sede do PDT paraibano funcionou na Avenida Camilo de Holanda, 601. No mesmo endereço também ficava (ou deveria estar) o escritório pessoal do parlamentar, que à época também era presidente estadual da legenda. E tudo era pago com a verba indenizatória.
O congressista alugava o imóvel de Ângela Maria Mayer Ventura Morais. Ela é mulher do ex-senador Efraim Morais – atual chefe da Casa Civil do governo da Paraíba e presidente do Democratas no estado – e mãe do deputado paraibano Efraim Filho, também do DEM. As despesas desse aluguel chegaram a R$ 24,5 mil em um ano, integralmente devolvidas mensalmente ao parlamentar.
Além desse custo, Damião, que é casado com a médica e empresária Ligia Feliciano, vice-governadora do estado, também saldou outros R$ 1.020,00 com água e energia no período. No local funciona hoje um restaurante. Quando estava no antigo endereço da família Efraim de Morais, Damião recebeu de volta R$ 136,7 mil, pagos com a verba indenizatória pessoal a que tem direito.
Em meados de 2014 a sede do PDT trocou de local. Damião voltou a misturar seu escritório com a sede do diretório paraibano do partido. E novamente informou à Câmara que, até abril 2015, pagou R$ 1,9 mil de aluguel mensal para manter o local aberto, na Avenida Coremas 568, em João Pessoa, onde funcionava seu escritório de representação. Voltou a receber o ressarcimento. De novo, Damião esqueceu de informar que, no mesmo imóvel, também funcionava a sede do seu partido, presidido no estado por seu filho Renato Costa Feliciano.
O PDT paraibano recebeu parte dos R$ 26,9 milhões do fundo partidário de seu diretório nacional para custear esse tipo de despesa. Mas Damião preferiu usar o dinheiro do próprio mandato (e receber de volta) para pagar o custeio da legenda e, assim, economizar a grana do fundo partidário para utilizá-la em outros fins.
A engenharia contábil do deputado Damião também era aplicada para tentar justificar outras despesas do mandato, sempre misturadas às do partido. Ele conseguiu gastar R$ 112,1 mil com incontáveis recargas de tôneres para impressora a laser em um ano, ainda na antiga sede do PDT. Quando mudou de endereço, gastou outros R$ 53,4 mil para recarregar os mesmos tôneres da única impressora instalada no local. E recebeu de volta o dinheiro.
Para isso contratou a empresa Nordeste Remanufatura de Cartuchos para Impressoras Ltda. Com sede em Campina Grande, a mais de 132 km de João Pessoa, a firma cobrou R$ 180 por cada recarga quando o preço de mercado é de R$ 100 na capital. Para incluir essas despesas na verba indenizatória do próprio gabinete, novamente pagas com dinheiro público, Damião fez outra ginástica inexplicável.
Reprodução de tôneres
Em 35 meses, entre 2011 e 2014, o deputado mandou fazer, em média, 24 recargas de tôneres da impressora de seu escritório, mais de uma a cada dia útil. Cada um desses tôneres pode imprimir cerca de 2.250 folhas de tamanho A4, o que transformou o gabinete do parlamentar em uma gráfica com capacidade para imprimir quase 3 mil folhas diariamente.
Além desse mar de impressões gráficas, de fevereiro de 2011 a outubro de 2015 Damião pagou R$ 455 mil a duas gráficas – a Imediata e a Souza & Apolinário – que pertencem ao casal José Roberto de Souza Apolinário e Analucia de Souza Apolinário. A despesa, teoricamente, cobriu o custo de impressões de 100 a 150 mil boletins informativos mensais com notícias sobre o seu mandato. Essa tiragem é maior que a circulação de todos os jornais de João Pessoa juntos e representa o dobro do número de votos obtidos pelo parlamentar nas últimas eleições. Procurado, o deputado Damião não se pronunciou.
O deputado Damião Feliciano está devolvendo a verba parceladamente aos cofres da Câmara. Ao todo, são R$ 64.622,72 referentes às despesas do imóvel, custeadas de setembro de 2014 em diante. A devolução espontânea foi iniciada depois de o deputado saber que a OPS havia descoberto suas movimentações financeiras.
A crise explicada por intelectuais de várias correntes. Os prejuízos causados ao país pelo excesso de leis e de burocracia. Como a lentidão do STF contribui para a impunidade de políticos. A polêmica sobre a escola sem partido. As dicas culturais de Sérgio de Sá e muito mais estão na edição número 20 da Revista Congresso em Foco.
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