Edson Sardinha
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O líder do PDT no Senado é um eleitor arrependido. Um ano e meio após ter apoiado a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência da República, o senador Jefferson Peres (AM) considera que o ex-metalúrgico do ABC paulista e o Partido dos Trabalhadores não estavam preparados para chegar ao poder. Segundo ele, Lula carece de dimensão de estadista e o PT se ressente de um projeto de governo. Articulador do Fórum Permanente das Oposições, movimento lançado no último dia 25 pelos presidentes do PDT, do PFL e do PSDB, Peres critica o que classifica de inabilidade e arrogância dos líderes governistas no Senado e a rendição do Palácio do Planalto ao fisiologismo. Para o senador amazonense, Lula não tem mais condições de fazer o esperado governo da mudança. “Preferiu, em nome da governabilidade, repetir os mesmos vícios do passado e se perdeu. Agora é tarde”. Leia também Um dos equívocos cometidos pelo Planalto, na avaliação de Peres, é o fortalecimento político do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), apontado por ele como símbolo do fisiologismo na política brasileira e figura estratégica na articulação da base governista no Congresso. “O Sarney – que é uma pessoa que muito estimo, é meu amigo, um intelectual, um conciliador hábil no trato com os senadores – é um político de modelo antigo, que age em função dos interesses dos amigos e dos compadrios para colocar os afilhados em postos de mando. Ele faz o que o governo quer, mediante intercâmbio de favores. Infelizmente, o político Sarney é isso, um representante da grande oligarquia brasileira.” Se para a articulação política do governo Lula sobram críticas, para a condução da política econômica não faltam elogios. “Não tem que mudar nada, é manter a queda paulatina de juros e reduzir as metas de superávit só em 2006”, diz o senador, que, nesta entrevista exclusiva ao Congresso em Foco, dá nota dez ao ministro da Fazenda, Antônio Palocci. Centralismo de Brizola Pedetista há cinco anos, depois de uma passado tucano, Peres vê com apreensão o futuro do PDT. Ele não acredita na possibilidade de crescimento do partido e atribui a asfixia eleitoral ao centralismo praticado ao longo dos anos pelo presidente da legenda, o ex-governador Leonel Brizola. Congresso em Foco – Diante de toda a crise política, o ministro da Casa Civil, José Dirceu, disse, semana passada, que é momento de todos os partidos se darem as mãos para um pacto nacional. O senhor tem simpatia por essa proposta? Jefferson Peres – O ministro deve ter feito alusão ao Pacto de Moncloa (acordo firmado em 1977 entre as facções políticas da Espanha para assegurar a transição da ditadura para a democracia). Isso ocorre quando um país está emergindo de um regime de exceção, como foi o caso da Espanha, ou em momento de grave crise. Não é o caso do Brasil, onde as instituições estão funcionando normalmente e há governo e oposição. Uma união nacional agora implicaria num compromisso da oposição em não criticar o governo. Acho que a proposta do ministro não merece sequer ser estudada. Seria uma forma de amaciar a oposição. "A proposta (de união nacional feita pelo ministro Que diferença o senhor percebe na relação do Planalto com o Congresso, em comparação com o governo Fernando Henrique Cardoso? O governo usa o rolo compressor da mesma forma que Fernando Henrique. Fez aliciamento para cooptar parte da oposição na Câmara e no Senado, levando inúmeros parlamentares para a base governista. Essa cooptação não funciona sem a participação direta ou indireta do governo, que dá o seu aval aos acordos feitos entre os parlamentares e os partidos para os quais migram, coisa feita quase sempre em torno de vantagens, liberação de verbas ou preenchimento de cargos públicos. Além disso, o governo nem sempre dialoga bem com a oposição. Eles têm sido bastante inábeis e muito arrogantes de modo geral no Senado. Nesse aspecto piorou em relação ao governo Fernando Henrique. "Eles (os petistas) têm sido bastante O ministro José Dirceu está fazendo falta nessa articulação com o Congresso? Eu não faço avaliações pessoais, o erro é do governo. Sejam quais forem as pessoas detentoras dos cargos no Executivo ou no Senado a culpa é do governo, que não funciona de forma articulada, nem detecta quais são os pontos falhos a serem corrigidos. A culpa é do governo. O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), apesar do passado de divergência com o PT, é um dos homens fortes do governo Lula. De que maneira isso se expressa na Casa? A aliança com o Sarney lhe dá um grande domínio no Senado, mas também um desgaste enorme para o governo. O Sarney – que é uma pessoa que muito estimo, é meu amigo, um intelectual, um conciliador hábil no trato com os senadores –, é um político de modelo antigo, que age em função dos interesses dos amigos e dos compadrios para colocar os afilhados em postos de mando. Ele faz o que o governo quer, mediante intercâmbio de favores. Infelizmente, o político Sarney é isso, um representante da grande oligarquia brasileira. O Brasil perde com essa aliança? Isso é ruim para o país, mas o governo não tem interesse em romper com o fisiologismo porque já perdeu o apoio popular e teme perder o apoio no Congresso. Agora é tarde. "O governo não tem interesse em romper com Onde mais o governo tem errado? A desarticulação do governo é geral. São ministros que se hostilizam, cujos programas não saem do papel e que se criticam publicamente. O Planalto e os ministérios viraram um Cabo Canaveral, anunciam projetos e planos, mas os resultados são pífios, a máquina está emperrada, porque não havia recursos previstos. Tudo isso passa uma impressão de desgoverno. Parece que o PT tinha um projeto de poder, mas não um projeto de governo. O PT está pagando um alto preço pelas alianças que fez para se eleger? O governo já pagou um preço terrível e talvez irreversível. Perdeu a aura de comportamento ético e de mudanças, rendeu-se ao fisiologismo no Congresso e está refém dos caciques dos partidos que sempre fizeram isso ao longo dos tempos no Brasil. É um fisiologismo puro e simples em torno de interesses pessoais ou políticos, relegando a segundo plano os interesses nacionais. Não estou dizendo nenhuma novidade, nem acusando, apenas constatando um fato evidente. Sem a reforma política, que o PT defendia antes das eleições, é possível fugir desse fisiologismo? Claro que é, quando o governo tem condições excepcionais como o Lula, que se elegeu com enorme votação e que ao assumir tinha mais apoio do que teve na votação, cerca de 80%, que tinha enorme autoridade moral e capital político para fazer isso. Ele teria inibido o fisiologismo, não precisava confrontar o Congresso, não estou pregando isso. Ele teria se imposto ao Congresso pela autoridade moral, e não pela força. Preferiu, em nome da governabilidade, repetir os mesmos vícios do passado e se perdeu. Agora é tarde. "(Lula) preferiu, em nome da governabilidade, repetir os mesmos vícios do passado e se perdeu. Agora é tarde" Esse quadro é irreversível? O quadro de submissão ao fisiologismo no Congresso é irreversível, o governo não tem mais autoridade para reverter essa situação. Não estou dizendo que o governo acabou e que não há chances de recuperação. O Lula pode até vir a fazer uma boa administração, mas, como um governo de mudança de toda uma cultura política, que ele deveria ter iniciado, nisso ele se perdeu e não se recupera mais. Com o agravamento da crise política, a tendência é o governo se entregar ainda mais ao fisiologismo? Não é mais uma questão de opção, ele está refém do fisiologismo. Ou negocia com esses caciques ou se livra do aparelhamento do Estado promovido por petistas e sindicalistas, muitos deles sem qualificação para os cargos que exercem, o que emperra ainda mais a máquina estatal. Talvez o governo consiga se livrar disso. Se continuar, por um lado, preenchendo a estrutura burocrática com pessoas indicadas pelos fisiologistas e, por outro, pelas bases do PT, o governo estará perdido mesmo. "Se (o governo) continuar preenchendo a estrutura burocrática com pessoas indicadas pelos fisiologistas O senhor se arrepende de ter apoiado a candidatura do presidente Lula? Arrependo-me profundamente. Acho que o PT não estava preparado para o poder e o Lula, infelizmente, pode ser uma boa pessoa, com bons propósitos, mas não tem dimensão de estadista. Em que o governo Serra poderia ser diferente? Seria um governo com as mesmas práticas do passado, mas talvez mais competente e articulista. Do ponto de vista político, seria a mesma coisa, a mesma falta de ética. Talvez fosse um governo mais bem estruturado, mais competente do que o atual, digo com quase toda certeza. Em relação à política econômica, alvo de críticas da oposição e dos próprios petistas, em que pontos o governo tem acertado? Acho que o Palocci (ministro da Fazenda) fez o que deveria ter sido feito. Assumiu o país à beira de uma crise, com o mercado temendo o PT. Se ele não tivesse continuado a política de austeridade monetária e fiscal, o país teria desandado. Isso está claro e, por outro lado, não é questão de opção, mas se trata de uma necessidade. Austeridade monetária e fiscal é uma norma que todo governo de esquerda ou direita tem de seguir; caso contrário haverá bolhas de crescimento, seguidas de crise. O equilíbrio fiscal e austeridade monetária são condições necessárias, embora não sejam suficientes. Além disso, é preciso uma série de outras ações para que se retome o crescimento. Sem ela, não há crescimento sustentável. "Se (Palocci) não tivesse continuado a política de Alguns setores do próprio PT têm manifestado preocupação com a falta de mudanças na política econômica e cobram uma virada na condução da economia… Não existe isso de virada. O que eles chamam de virada? Baixar os juros para 2% ao ano? Reduzir o superávit primário para 3% do PIB? O governo precisa manter a política de austeridade. Não tem que mudar nada, é manter a queda paulatina de juros e reduzir as metas de superávit só em 2006. Enquanto isso, tem de adotar, na medida do possível, políticas públicas que estimulem o crescimento. O governo, então, tem acertado na política econômica? Está correto, nota dez para o Palocci. O que está faltando é uma política de desenvolvimento, coisa que não depende do ministro da Fazenda. O governo tinha uma lista de projetos prioritários para este ano, como o das Parcerias Público-Privadas (PPP), já em tramitação no Senado, e o que define novas regras para as agências reguladoras, que ainda não foi enviado ao Congresso. Por outro lado, está pressionado pelo calendário eleitoral… Talvez tenhamos um soluço de crescimento, creio que a meta de 3,5% deste ano seja atendida, porque a situação macroeconômica no país é estável e podemos até retomar um pequeno crescimento. Mas um crescimento sustentável, da ordem 5% a 6%, que é imprescindível para gerar empregos, é muito difícil. Por quê? Em primeiro lugar, por causa da ambigüidade e da pouca agilidade do governo e da falta de uma definição dos marcos regulatórios, que dificultam a atração de investimentos estrangeiros. Os investidores não vêem muita segurança jurídica para investir no país porque o governo não tem rumo e tem instrumentos na mão para mudar as regras do jogo, mediante medidas provisórias ou de comando nas direções das agências. O presidente da Anatel (Luiz Guilherme Schymura, ex-presidente da Agência Nacional de Telecomunicações) foi mudado porque o presidente da República pediu. Essa instabilidade no controle das agências gera desconfiança nos investidores, porque o que eles mais reivindicam é estabilidade em qualquer país, coisa que o Brasil não lhes oferece. Isso é um grande inibidor de investimento. "Essa instabilidade no controle das agências gera desconfiança nos investidores porque o que eles Em segundo lugar… Um crescimento sustentável é difícil, em segundo lugar, porque não há crescimento da renda. A renda do assalariado, de modo geral, tem diminuído. Recente levantamento mostrou que não houve recuperação das perdas salariais nas últimas negociações. O assalariado está com o seu poder aquisitivo diminuído, a classe média está sufocada e a carga tributária é brutal. Não vejo muitas condições institucionais nem econômicas para a retomada de um crescimento elevado, sustentável e duradouro. De que forma a crise política vai se refletir nas eleições municipais? Partidos apontados pelo próprio PT como conservadores, como o PFL e o PSDB, devem se fortalecer? Nas grandes cidades, o PT vai sofrer. Embora as eleições sejam locais, o cenário nacional não deixa de influenciar. Talvez o PT, com o uso da máquina federal, consiga avançar em termos quantitativos, conquistando mais prefeituras, principalmente em municípios pequenos. Nas grandes cidades, não. O PDT tem condições de ocupar o lugar que era exercido pelo PT, como principal partido de oposição de esquerda? O PDT está em uma situação difícil, é um partido com pequeno, com pouco tempo de televisão e sem recursos financeiros. Não sei qual o futuro do PDT, não costumo ocultar a realidade. A que se deve essa dificuldade? O PDT sofreu de algum centralismo. Não por vontade do Leonel Brizola, mas devido à figura dominante dele no partido, considerado um grande vulto da história política do Brasil no século passado. Os pedetistas se acostumaram a ver o Brizola como chefe e não como líder e a não questionar as decisões dele. Não porque ele quisesse, eu até o absolvo disso, mas porque os pedetistas nunca questionaram suas decisões, isso prejudicou o partido. "Os pedetistas nunca questionaram as decisões De que forma o PDT foi afetado? O centralismo prejudica qualquer partido que seja dirigido sem crítica interna, sem um colegiado dirigindo para que não se tomem posições equivocadas. Uma pessoa sozinha está muito mais sujeita a errar do que um corpo coletivo. Isso prejudicou o partido, que foi se esvaziando, perdeu bons quadros, diminuiu em quantidade e qualidade. O PDT é hoje um partido pequeno. E vai dar a volta por cima? Está fazendo oposição a Lula, numa postura coerente, e é o partido mais coeso hoje no Senado. Mas vai se recuperar e crescer e voltar a ser um partido médio? Eu não faço previsão. |