Diego Moraes
Pouco antes da posse de Guido Mantega como ministro da Fazenda, todas as atenções no Palácio do Planalto se voltaram para Antonio Palocci. Mais forte ministro do governo Lula, ele foi demitido na última segunda-feira depois de ser responsabilizado pela quebra ilegal do sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa.
Palocci chegou ao salão onde foi realizada a cerimônia de transferência de cargo acompanhado de Lula e do vice-presidente José Alencar. Estampava um sorriso aberto no rosto e, antes de começar seu discurso, deu uma boa olhada nos ministros que acompanhavam a cerimônia. Sem demonstrar grande abatimento, ressaltou seu trabalho na Fazenda e disse que deixava o cargo “com a consciência tranqüila e a certeza de um dever corretamente cumprido”.
“Vemos um país com metas de inflação projetadas e efetivamente alcançadas. (…) Não vemos turbulência, remarcações de preços todos os dias. Não vemos os salários corroídos a cada dia. (…) Vemos o salário mínimo no ponto mais alto das últimas duas décadas”, disse.
Leia também
Ingenuidade
Palocci disse que não guarda mágoas por conta da demissão e que seu maior legado na Fazenda foi ter procurado a convivência civilizada com setores de opiniões divergentes. Numa crítica velada à oposição – que o apoiou ao longo do governo mas protagonizou sua fritura nas últimas semanas –, disse que as instituições políticas estão “cravadas de rancores”. “Talvez eu tenha falhado nessa minha crença da convivência pacífica. Talvez ela seja ingênua. Talvez ela não tenha lugar em nosso tempo”, declarou.
No fim da cerimônia, Palocci recebeu o abraço de colegas e até uma mensagem de apoio de um vereador do Piauí, terra natal do caseiro Francenildo. Ganhou ainda um beijo, no rosto, de um emocionado Luiz Fernando Furlan (ministro do Desenvolvimento), que deixou escapar uma lágrima.
Economia continua
Aparentemente abatido durante a cerimônia, Lula começou seu discurso com ironia, ao dizer que aquela era a última posse de ministro de que deve participar até o fim do mandato. Em seguida, garantiu a manutenção da política econômica. “Não existe mágica em economia. É preciso um conjunto de acertos e um conjunto de pessoas convencidas daquilo”, afirmou.
O presidente lembrou o período turbulento da posse de 2002 e, sem falar diretamente dos fatos que levaram à mudança na Fazenda, disse que o ex-ministro ajudou o governo a entregar um país “infinitamente melhor” ao povo brasileiro.
“Quando convidei o Palocci para a Fazenda, todo mundo estranhou, porque ele nunca havia feito sequer um artigo sobre economia”, disse sobre a indicação do ex-ministro, que é médico sanitarista por formação. “Para muitos, o Palocci estava fadado ao fracasso”, afirmou.
O presidente lembrou ter escolhido Palocci porque ele fora um dos autores da Carta ao Povo Brasileiro, pela qual o PT, durante a campanha de 2002, comprometeu-se a manter o equilíbrio fiscal caso vencesse a eleição. Lula afirmou ainda que o ex-ministro soube agregar opiniões e lidar com os adversários. “Tinha gente que ouvia um ‘não’ do Palocci e saia mais satisfeito do que quando ouvia um ‘sim’ meu”, brincou.
Em seu discurso de posse, Guido Mantega também fez elogios ao ex-ministro e disse que estava recebendo “o ministério e a economia do país em muito melhores condições do que seu antecessor”.
Assim como Lula, citou os solavancos no mercado financeiro após a vitória do PT em 2002 e afirmou que o governo conseguiu colocar o país numa rota de crescimento sustentável. “Estávamos mergulhados na letargia, com taxa Selic de 23%, crescimento de 2% ao ano e vulnerabilidade externa”, afirmou.
Clima ameno
O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, tentou minimizar a troca dos ministros. Ele afirmou que o clima no governo estava muito diferente da segunda-feira, quando Palocci foi demitido, e afirmou que Mantega está animado para assumir a nova função. “Aquele clima chuvoso de ontem hoje se tornou em um clima ensolarado, de céu aberto”, afirmou.
O único que falou mais abertamente sobre as acusações que levaram à saída de Palocci foi o ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes. Segundo ele, o governo não pode ser responsabilizado pela quebra de sigilo de Francenildo porque agiu rápido. “Soube quem foram os responsáveis, demitiu e acabou”, afirmou. O ministro afirmou, porém, não imaginar que o incidente atingiria Palocci. “Pediria até desculpas por ter defendido tanto (a permanência de Palocci).”