Em 1984, Reale e Renê participaram do colegiado que reformou a chamada parte geral do Código Penal, que define regras para a aplicação das penas dos crimes descritos na parte especial, aquela que estabelece as punições.
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“É um Frankenstein”, diz ex-relator
Professor da Universidade de São Paulo (USP) e ministro da Justiça no governo Fernando Henrique Cardoso, Reale Júnior defende que a discussão seja recomeçada do zero. “É um passeio pelo absurdo”, classifica. Para ele, há impropriedades técnicas e desproporcionalidades insanáveis. “O melhor seria começar do zero”, afirma em entrevista exclusiva ao Congresso em Foco.
Renê Dotti chegou a participar da comissão de juristas. Designado relator da parte geral, abandonou o grupo quatro meses depois após discordar frontalmente dos rumos e métodos de trabalho. “Tudo era feito pelo Senado na forma de marketing”, acusa o criminalista e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Ele também não poupa o então presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), entusiasta da reformulação de diversos códigos. “É um Frankenstein. Tem normas absurdas de Direito militar, de disposição de guerra para um código da população civil. É uma encenação conduzida pelo personalismo de Sarney, o Napoleão de Brasília”, dispara.
Luiz Carlos Gonçalves rebate as críticas de Renê endereçadas ao trabalho da comissão. Para ele, se o debate não foi aprofundado como deveria, a culpa é do próprio advogado paranaense. “Ele ficou quatro meses na comissão. Era o relator da parte geral, talvez a mais importante do projeto. Poderia ter chamado os pares acadêmicos à comissão, mas não o fez. Concordo com ele na crítica e a dirijo a ele próprio”, afirma o ex-relator-geral da proposta.
PublicidadeO procurador também nega que as discussões tenham sido pautadas pelo “marketing”. Foram abertas, segundo ele, para dar mais transparência à reforma da legislação penal. “Você não pode fazer reforma penal em 2013 às escondidas, juntar uma equipe de sábios a portas fechadas e entregar para a sociedade o fruto da sua sabedoria. Tudo tem de ser exposto de maneira transparente. Reforma às escondidas, só no tempo da ditadura”, critica, em alusão à participação dos dois juristas na comissão que reformulou a parte geral do Código em 1984, ainda no governo militar de João Baptista Figueiredo.
As discussões entre Reale e Luiz Carlos chegaram ao ápice em fevereiro deste ano, quando os dois participaram de uma audiência pública no Senado para debater o projeto. O ex-ministro fez diversas críticas à proposta dos juristas. “O projeto passeia pelo absurdo. Este código traz um novo tipo de direito: o esotérico. É uma mescla de desconhecimento político e jurídico”, disparou Reale.
O relator da comissão de juristas não gostou da declaração. Disse que Reale parou nos anos 1980. “O que nos envergonha não são as críticas, mas sim o Brasil não possuir um novo Código Penal. É obsceno não termos um tipo penal para o terrorismo, por exemplo. Houve um caso desse no Rio Centro, na época da reforma da qual Reale participava, e ninguém sequer tocou no assunto”, rebateu na ocasião Luiz Carlos. “Meu pai me ensinou que educação, cordialidade e lhaneza não são mera formalidade, pois indicam a igualdade entre as pessoas”, emendou.
Nessa guerra declarada, Renê e Reale têm uma vitória a comemorar: a campanha liderada por eles, com abaixo-assinado e envolvimento de uma série de entidades do meio jurídico impediu que a proposta fosse votada a toque de caixa pelo Senado ainda em 2012. O projeto tramita agora numa comissão especial relatada pelo senador Pedro Taques (PDT-MT), ex-procurador da República.
Taques promove uma série de audiências públicas para ouvir diversos segmentos da sociedade. Ele pretende apresentar seu relatório até o final do ano. Paralelamente, outra proposta de reforma – mais pontual – tramita na Câmara. Relatada pelo deputado Alessandro Molon (PT-RJ), é composta por dez projetos de lei. Seis deles estão prontos para votação em plenário. Molon não propõe a descriminalização do consumo de drogas, apenas um critério para diferenciar usuário e traficante, também endurece a punição contra corruptos e crimes violentos, mas não trata de temas como aborto e eutanásia, presentes na proposição em debate no Senado.