Sylvio Costa e Edson Sardinha
O diretor do presídio em que for constatado o uso de telefone celular por presos será responsabilizado pela entrada do aparelho e terá de responder a processo criminal e administrativo. A punição será recomendada pelo relator da CPI do Tráfico de Armas, deputado Paulo Pimenta (PT-RS), no relatório que ele apresentará no próximo dia 3. "Se o celular entrou no presídio, quem é o responsável? O diretor terá de responder por isso", defende o relator.
Essa é apenas uma das sugestões que Pimenta pretende submeter aos demais integrantes da CPI para combater as ações das facções criminosas. Entre outras mudanças, ele irá propor a obrigatoriedade de os advogados passarem por detectores de metal antes de visitar seus clientes na prisão e a responsabilização das operadoras de celular que não bloquearem o sinal telefônico dentro dos presídios. O relator também vai defender a adoção de mecanismos que resguardem o anonimato dos juízes responsáveis por sentenças contra líderes de organizações criminosas.
Leia também
Ofuscada pelas investigações sobre o mensalão e outras irregularidades envolvendo o governo Lula, a CPI do Tráfico de Armas conseguiu identificar, ao longo de seus 15 meses de trabalho, as extensões do crime organizado na sociedade. Um dos casos mais surpreendentes é o da infiltração de facções criminosas no Judiciário e no sistema penitenciário via fraudes em concurso público (leia mais).
A comissão só passou a merecer atenção pública depois que depoimentos prestados à CPI, em sessão reservada no último dia 10, suscitaram um inusitado caso de corrupção envolvendo dois advogados de criminosos ligados ao PCC e um funcionário terceirizado da Câmara, que vendeu por R$ 200 a gravação que deveria ter permanecido sob sigilo (leia mais).
Na rota do tráfico
Nesta entrevista exclusiva ao Congresso em Foco, Paulo Pimenta enumera as facilidades que o país oferece ao tráfico de armas: extensas faixas de fronteiras, falhas na fiscalização da Receita Federal, conflito entre as diferentes esferas da polícia e da Justiça, corrupção, precariedade do sistema de identificação de armamentos e defasagem tecnológica. E sugere como medidas de enfrentamento ao tráfico a restrição ao comércio de armas nas faixas de fronteira, a aproximação da legislação sobre o assunto no Mercosul e o uso pleno dos mecanismos de controle atualmente subutilizados.
Outra saída apontada pelo relator é a mudança na legislação para atenuar o conflito de competência entre as Justiças estadual e federal que hoje acaba favorecendo a impunidade. "Existem vários casos de quadrilhas presas que são soltas por causa do conflito entre as Justiças federal e a estadual. É crime federal ou não? Vence o prazo da prisão provisória. Quando resolve o problema da competência está todo mundo solto."
Armas sob descontrole
O descontrole sobre as armas em circulação no país é tamanho que Paulo Pimenta prefere não arriscar uma estimativa. Mas uma pesquisa divulgada ano passado pelo Instituto de Estudos da Religião (Iser) estimou em 17,3 milhões a quantidade de armas pequenas em circulação no Brasil. Desse total, apenas 1,7 milhão estaria em poder do Estado (Forças Armadas, polícias etc.). Os 90% restantes, portanto, estariam em mãos privadas. Dos 15,6 milhões de armas que circulam na sociedade, somente 6,8 milhões seriam legais, 4,7 milhões são classificadas como "informais" (à margem da lei, porém, não usadas com intenção criminosa) e 4 milhões estariam a serviço do crime.
"O sistema de identificação das armas é precaríssimo. Hoje uma arma tem só a numeração externa. Se essa numeração for adulterada ou raspada, não é possível identificar a rota que ela fez. Diferentemente da droga, a arma e a munição são fabricadas numa indústria especializada, legal. Teoricamente, isso nos permitiria fazer o caminho que ela percorreu", observa.
Congresso em Foco – O senhor pretende apresentar o seu relatório final no próximo dia 3. Qual será o eixo das suas conclusões?
Paulo Pimenta – O relatório será preponderantemente técnico. Vamos fazer um diagnóstico revelador das facilidades encontradas pelos criminosos para viabilizar o abastecimento de armas e munição e apresentar o conjunto de sugestões que envolvem questões de natureza legislativa e algumas questões administrativas. São mudanças de procedimento que, se implementadas, poderão em alguns casos impedir e, em outros casos, reduzir essas facilidades que os criminosos encontram.
Que facilidade são essas? Por que o tráfico de armas nunca foi combatido de forma intensa?
Porque ele não é um crime fim. Ele é um crime meio. Ninguém vai atrás de arma e munição para guardar. Usam (arma e munição) para assalto a banco e a carro forte e para o tráfico de armas e de drogas. Normalmente as pessoas tratam do crime fim, sem perceberem que o tráfico de armas é que cria as condições para que os outros crimes possam acontecer.
Mas como enfrentar esse tipo de crime?
Quando você está em uma guerra, diante de um inimigo difícil, tem de cortar a linha de abastecimento para enfraquecer a capacidade dele de se defender e de multiplicar o seu ataque. O nosso objetivo é este: dificultar a linha de abastecimento do crime. Estou convencido de que a questão da munição é hoje mais grave do que a das armas porque mil rifles e uma bala têm um determinado estrago. Mil balas e um rifle causam um estrago muito maior. A arma é adquirida uma vez e tem um bom poder de durabilidade. A munição exige um abastecimento quase que regular e rotas permanentes porque elas são usadas de maneira freqüente e têm prazo de validade. Normalmente, a gente sempre olha para a arma. Não que ela não seja importante. Mas, de certa forma, nós aprendemos que a munição é tão ou mais importante para os bandidos hoje do que a própria arma.
Que facilidades existem hoje para obtenção de armas e munições? Por que é tão fácil conseguir esse material?
Em primeiro lugar, pelas próprias características do Brasil, um país que tem 12.114 km de linha de fronteira. O problema do contrabando é crônico. Não há uma ação específica contra esse tipo de crime. Além disso, a arma acabou se constituindo como uma das principais moedas de troca para aquisição de droga. E os sistemas de informação e controle são muito rudimentares. O sistema de identificação das armas é precaríssimo. Hoje uma arma tem só a numeração externa. Se essa numeração for adulterada ou raspada, não é possível identificar a rota que ela fez. Diferentemente da droga, a arma e a munição são fabricadas numa indústria especializada, legal. Teoricamente, isso nos permitiria fazer o caminho que ela percorreu. Teremos de criar um sistema de identificação interno e aproveitar a tecnologia que está à disposição e subaproveitada.
Que tipo de tecnologia?
O Brasil já adquiriu há vários anos scanners rodoviários que permitiriam, por exemplo, que toda a carga de veículo que entrasse na fronteira do Paraguai – que é a principal rota de abastecimento (de armas e munições), principalmente para o Rio de Janeiro e São Paulo – fosse lida. Não só do veículo, mas também do container. Está mais do que comprovado hoje que o abastecimento de munição vem praticamente todo por via terrestre do Paraguai. Em caminhões e em muitos veículos. Todo dia a Polícia Federal faz uma operação e pega alguém trazendo munição. Isso dá uma dimensão do volume, via rodovia. Temos hoje, por exemplo, o Sinevem (Sistema Nacional de Identificação de Veículo em Movimento), que é um sistema de monitoramento de veículos roubados e furtados, totalmente subutilizado, do qual nem a Polícia Federal nem as polícias estaduais são signatárias. Vou trabalhar no sentido de ativá-lo. Isso permitirá, por exemplo, que um carro roubado agora em São Paulo tenha seu registro lançado imediatamente no Sinevem. E que, no primeiro pardal, praça de pedágio ou câmera que ele passar, seja identificado. Já temos uma experiência nesse sentido, uma parceria da Senasp (Secretaria Nacional de Segurança Pública) com as seguradoras, que está tendo muito resultado.
Entre essas medidas haveria algum tipo de restrição para uso de munições pelos clubes de tiro?
Hoje essa fiscalização está a cargo do Exército, que fiscaliza a fabricação, o comércio, a distribuição e a sua utilização. Eu vou deixar na minha proposta o Exército só com o controle da fabricação, passando para a Polícia Federal a responsabilidade da distribuição, do comércio e do uso. Certamente hoje há um descontrole. Também vou propor que as armas registradas como armas de colecionadores tenham que ter um dispositivo que a inutilize. Mais de uma vez nós nos deparamos com armas que têm registro de colecionador. Por que uma arma de colecionador precisa funcionar se ela é para ser admirada e exposta? Isso é um risco inclusive para o proprietário, porque o bandido vai lá, rouba a arma dele e a usa. Vamos defender um sistema de inutilização.
O senhor vai alterar mais alguma coisa nessa questão das atribuições da polícia e do exército?
Teoricamente todas as armas apreendidas deveriam ser lançadas no Sinarm, o Sistema Nacional de Armas. Mas é raro que alguém faça isso, e nada acontece. Temos que criar mecanismos que estabeleçam a responsabilização civil e criminal de autoridades que impedem que os sistemas funcionem de maneira plena. De que adianta ter um sistema hoje que ninguém utiliza, ou o utiliza só quando quer? Eu me lembro que esses dias me deparei com uma situação. Fui visitar uma delegacia de polícia onde estava presa uma quadrilha de alto poder de fogo. Nenhuma das armas e munições estava registrada no Sinarm. Rastrearam a origem? Não. Foi uma arma vendida dentro do Brasil? Foi uma arma que foi exportada e voltou para cá? Ninguém sabe.
É possível quantificar essa atividade da indústria do tráfico de armas? Quantas armas circulam diariamente no país?
Há vários números circulando por aí. Estou tentando criar uma opinião minha como relator. No relatório eu vou apresentar uma estimativa.
Quais são as estatísticas que circulam por aí?
São muito diferentes. Não tem uma tabulação adequada por causa da própria questão do Sinarm. A maior parte dos estados tem isso catalogado à mão. Isso aí é uma coisa que a gente vai mexer.
O resultado do referendo do ano passado, mantendo a venda de armas de fogo e munição em todo o país, não estimula o uso ilegal do armamento legal?
Acredito que não. Na realidade o que estamos tratando aqui é da arma de utilização criminosa. Na medida em que criarmos sistemas mais rígidos de controle da utilização, eu não vejo nenhuma contradição. Quem tem uma arma de munição com objetivo de utilizá-la para uma ação criminosa dificilmente se sensibilizaria a abrir mão desse poder de fogo por conta de uma restrição da legislação. Temos que estabelecer um controle mais rigoroso que impeça a impunidade, que é hoje o detalhe que eu quero trabalhar.
De que forma?
Nós não temos no Brasil de maneira clara a figura do crime organizada. É uma lacuna da nossa legislação. Por isso, muitas vezes a polícia tem dificuldade para enquadrar. Acaba enquadrando esses grupos como bando ou quadrilha. Na falta de uma tipificação para crime organizado, temos dificuldade para estabelecer o regime de cumprimento da pena diferenciado. O fato de o Conselho Nacional de Justiça ter acolhido uma proposta da CPI para criar varas especializadas no combate ao crime organizado é uma coisa muito importante. Hoje, por exemplo, nós temos polícias e delegacias especializadas no combate ao crime organizado, mas não no Judiciário. Então, o que é comum? A polícia deflagra uma operação, o Ministério Público entra com um mandado de busca e apreensão numa sexta-feira à noite, e o caso vai parar nas mãos do juiz de plantão do fórum na vara de família. Aí pára no meio. Ele não tem, digamos assim, intimidade com aquelas informações. O tesoureiro de uma facção criminosa como essa, se ele for olhar de maneira atomizada, vai ser enquadrado no crime de lavagem de dinheiro. É essa mudança que nós queremos que seja introduzida.
O que mudaria na prática?
O crime organizado não é um crime qualquer, que possa ser compreendido simplesmente como um subproduto do desequilíbrio das relações econômicas, sociais e afetivas. O crime organizado é um fenômeno novo. Ele é uma opção de grupos de indivíduos que, diante da fragilidade do Estado, optam pela ação criminosa como negócio, uma empresa criminosa. O crime organizado tem também especialização, hierarquia, utilização de meios tecnológicos para obtenção de seus objetivos, acúmulo de patrimônio e a sempre presente figura da corrupção. O crime organizado, como é sistemático, dificilmente não é detectado. Ele precisa corromper no âmbito da polícia ou do Judiciário, do Ministério Público ou mesmo do Legislativo para se manter.
Como isso ocorre hoje?
Vou pegar um exemplo bem simples. O roubo de carga é hoje um dos crimes que mais crescem no Brasil. Entre eles, o que mais cresce é o roubo de carga de remédios. Ninguém pelo fato de estar desempregado ou passando necessidade sai de casa um dia e diz "bom, já que estou mal vou roubar uma carga, e ainda vou roubar remédio porque vale mais". O que ele vai fazer com esse remédio? O cara que rouba uma carga de remédio sabe exatamente qual vai ser o destino dessa carga, que obrigatoriamente vai ter que ter uma rede de receptação que permita que esse produto chegue ao mercado, caso contrário ele não tem valor. É um exemplo bem característico do que é a ação do crime organizado. Naturalmente essa farmácia vai começar a vender esse produto por um preço inferior ao do concorrente, às vezes abaixo do preço de custo. O Estado detecta isso.
Quem trafica drogas e armas também está envolvido com o roubo de cargas?
O cara que está ligado ao tráfico de armas e munição é o cara do tráfico de drogas, é o caro do assalto a carro forte e a banco, crimes que se assemelham muito. E o produto do roubo e furto de veículos e cargas entra muito como moeda de troca para aquisição das armas. Há uma relação muito íntima entre esses crimes todos. Eles se autofinanciam. Na Colômbia, por exemplo, o dinheiro não é sequer utilizado como moeda de troca para a aquisição da droga.
Há uma ansiedade muito grande da população em relação à questão da violência, em relação ao poder dessas organizações criminosas. É possível acabar com essas facções? Quanto tempo demora isso? Ou a gente está falando de uma coisa que pode eventualmente ser combatida pontualmente, mas que vai persistir?
A sociedade tem de perseguir o objetivo de desconstruir essas organizações. A primeira coisa para isso é reconhecer a existência dessas organizações. Mas não da forma feita por São Paulo. Na minha avaliação, São Paulo cometeu o erro de aceitar a idéia de que a representação individual do preso que cumpre uma pena possa ser delegada a alguém. Como se determinada facção pudesse negociar formas de progressão e disciplinas internas dos presídios como se fosse uma representação sindical, quando a relação do preso com o Estado é individual. Precisamos reconhecer essas entidades no sentido de combatê-las.
Mas combatê-las de que forma?
O crime organizado não é um crime comum, é um fenômeno novo, merece um tratamento diferenciado por parte da polícia, do Ministério Público, do Judiciário e da legislação, como ocorreu na Itália e na Colômbia. O combate a esse sistema não pode ser feito por questões pontuais. É preciso combatê-lo com um conjunto de medidas articuladas e que passem por uma série de questões, como a tipificação. Isso é absolutamente possível, porque outros já o fizeram.
A ação do governo federal não é muito tímida na mobilização das forças policiais pra fazer um combate unificado ao crime organizado?
A Senasp está fazendo um bom trabalho. Mas é um órgão novo, que trabalha na perspectiva de um sistema nacional de segurança pública. Isso não é simples numa federação como o Brasil, que tem uma lógica própria em cada estado. As polícias civil e militar têm imensa dificuldade de convívio com a Polícia Federal, que ainda passa por um processo de aparelhamento. Além disso, a Receita Federal não trabalha de maneira articulada. O controle de fronteira que deveria ser feito por ela ainda é falho.
Qual o erro da Receita?
Quem controla todas as aduanas é a Receita. Como todo esse volume de armas entra por via terrestre no território brasileiro?
Por meio de corrupção?
Falta o uso de meios tecnológicos já utilizados em outras oportunidades.
O senhor diria que há envolvimento de gente da Receita com essas quadrilhas?
Essa é uma acusação que eu não faria. O crime organizado está enraizado em toda a sociedade. Mas não há uma decisão de não fazer uma coisa por conta disso. Pode haver uma conduta individual, mas não da instituição.
E o uso ilegal da munição e da arma legais. O Rio Grande do Sul é hoje o grande fornecedor de armas e munições para outros países. Como funciona isso?
O Uruguai tem uma legislação sobre venda e circulação de armas e munições muito frágil. O país tem um controle de fluxo de dinheiro totalmente liberal. A Argentina, de forma não tão intensa quanto o Uruguai, também oferece facilidade para circulação de munição. O Uruguai e a Argentina são rotas de abastecimento dessas quadrilhas brasileiras. Hoje tu compras no Uruguai a arma e a munição que quiseres. Eles não pedem nem documento. Fui constatar in loco. A caça é um esporte muito forte no Uruguai. Não há dúvida nenhuma de que deverá haver mudança nessas relações de fronteiras. Há várias sugestões, como restringir o comércio de munição na faixa de fronteira e trabalhar na equalização de uma legislação comum no âmbito do Mercosul.
E na questão do Judiciário?
No aspecto do Judiciário tem um detalhe importante. Não há um esquema de proteção às autoridades que tratam desse tipo de crime. Estão sendo criadas agora essas varas especializadas pelo Conselho Nacional de Justiça. A ministra Ellen Gracie (presidente do Supremo Tribunal Federal) vai encaminhar e cada tribunal de Justiça terá autonomia para constituí-las. Mas quais serão os juízes dessas varas? Vou dar um exemplo: fazia meses que o Ministério Público estava pedindo pra mandarem o Marcola (Marcos Camacho, líder do PCC) para um regime disciplinar diferenciado. Esses dias o juiz concedeu. No dia seguinte, o nome dele estava em toda a imprensa. Qual é o interesse da sociedade em expor esse juiz? O que fizeram outros países? Criaram mecanismos, como a figura do juiz sem rosto ou um conselho que define a progressão ou o regime diferenciado, diluindo entre as autoridades a responsabilidade dessas decisões e dando condições para que essas autoridades possam decidir sem receio do que possa acontecer com elas. Um sistema que não deixe o juiz como refém.
A CPI também investiga o envolvimento de facções criminosas com a máfia dos concursos públicos…
Vocês acompanharam aquele episódio (veja a matéria). Era um concurso para contratação dos carcereiros das novas prisões federais, um cargo novo de agente penitenciário federal. Tudo feito certinho, com detector de metal, cela de isolamento, bloqueador de sinal de celular. Aí, no concurso para contratação dos funcionários, fica comprovado que o PCC havia comprado gabarito em pelo menos cinco estados. Uma investigação indica que 90 pessoas poderiam ter sido beneficiadas com o recebimento de gabaritos. Aí as pessoas se surpreendem quando os caras compram um funcionário de uma empresa terceirizada que presta serviço na Câmara. Isto é uma característica do crime organizado: a busca permanente de corrupção do aparato estatal.
Por que a PF não aprofundou essa investigação?
Ela aprofundou.
Nós procuramos a PF na semana passada e eles informaram que encaminharam à Justiça Federal as investigações feitas apenas pela Polícia Civil…
Também estamos trabalhando, no relatório, nessa questão do conflito de competência. É comum que isso aconteça. Um exemplo é o caso dos sanguessugas. Existem vários casos de quadrilhas presas que são soltas por causa do conflito entre as Justiças federal e a estadual. É crime federal ou não? Vence o prazo da prisão provisória. Quando resolve o problema da competência está todo mundo solto. Quando se resolve o problema da competência não se acha mais ninguém.
O que a CPI vai propor nesse caso?
Estamos discutindo uma alteração na lei de processo penal para que, quando for decretada a prisão provisória ou ocorrer a prisão em flagrante, a autoridade judiciária que, no curso do inquérito da ação penal se julgar incompetente, não decida sobre o pedido de liberdade provisória. Hoje o juiz se declara impedido de julgar o caso, mas relaxa a prisão. De acordo com a nossa proposta, havendo conflito de competência, os autos serão encaminhados ao tribunal competente, que decidirá sobre a prisão.
A Justiça, de certa maneira, facilita a ação do crime organizado?
A ministra Ellen Gracie me deu uma resposta sobre isso: "A Justiça faz o que a lei determina". Se nós não queremos que a Justiça ou qualquer juiz encontre facilidade para tomar a decisão, temos de pôr isso na lei. Deixar claro, por exemplo, que, no caso de conflito de competência, não vale o prazo de 80 dias para a prisão provisória, que não haverá relaxamento da prisão enquanto não for firmado o juiz definitivo sobre a competência. Uma coisa é certa, do jeito que está não pode continuar.
Para coibir o uso de advogados por criminosos, o que o senhor pretende propor?
Temos, nesse caso, três questões. A primeira, que temos de resolver de forma muito serena, é a obrigatoriedade de todo mundo, inclusive os advogados, passar pelo detector de metal. Uma segunda questão – eu já mandei pedido de informação ao governo paulista e pedi parecer técnico da nossa consultoria sobre isso – diz respeito a uma interpretação da Lei de Execuções Penais em São Paulo. Qualquer preso tem direito a ter um advogado. Em qualquer lugar do país, o preso tem uma ficha na portaria do presídio, em que consta o nome, o processo e quem é o advogado dele, que tem uma procuração ali. Quando o advogado vai ao presídio visita o cliente dele. Se o preso não tem advogado, ele pode receber a visita de um advogado para constituí-lo como advogado. Nós identificamos uma interpretação diferente no sistema penitenciário de São Paulo.
O que acontece em São Paulo?
Em São Paulo qualquer advogado visita qualquer preso, mesmo não sendo cliente dele. Esse advogado Sérgio Weslei (acusado de passar ao PCC cópia de depoimento reservado da CPI), peguei na ficha dele que ele visitou o Marcola no dia de seu aniversário. Perguntei o que ele havia ido fazer ali. O Sérgio respondeu que um cliente dele, que está preso em Presidente Venceslau, pediu a ele que fizesse uma diligência para saber as condições do Marcola. Então ele foi fazer a visita. Pois bem, ele não é advogado do Marcola, não tem procuração dele, então, o que ele foi fazer lá? Como o sistema permite isso? Nós constatamos que a doutora Maria Cristina Rachado (advogada de Marcola) esteve na cela de um líder dessa facção. Depois foi na cela de outro membro. Em seguida, ela voltou na cela do primeiro e, na seqüência, foi novamente à cela do outro. Mas que interpretação da Lei de Execuções Penais é essa que permite que qualquer preso pode ser visitado por qualquer advogado quantas vezes quiser? Estou convencido de que existe um sistema de informações paralelo, articulado por essas organizações. Entramos então num terceiro aspecto. Um criminoso constitui advogado. Aí ele entra pra dentro do presídio. Lá ele se torna membro de uma organização criminosa. Esse advogado passa a trabalhar para um preso membro de uma facção criminosa. É possível que num primeiro momento não o fosse. Dificilmente esse cliente aceitará que ele decline a tarefa para a qual foi contratado. Até que ponto ele poderá negar o pedido de um preso?
E na questão do celular? Aí não é um problema de lei. O que a CPI pode fazer?
Quero mexer imediatamente em duas coisas nesse sentido: agravar a pena de quem for pego com celular no presídio e estabelecer sanção administrativa e criminal para o agente público que permite a sua entrada.
Quem seria, na prática?
O diretor do presídio. Se o celular entrou no presídio, quem é o responsável? O diretor terá de responder por isso.
Qual será a sanção?
Identifiquei o problema: celular dentro do presídio. Ainda estamos discutindo a sanção. Para cada problema identificado, teremos uma proposta. Vou defender, primeiro, a obrigatoriedade do uso de detector de metal em todos os presídios e a exigência de que os advogados passem por eles. Em segundo lugar, a responsabilização das operadoras de celular que não bloquearem o sinal. Outro ponto é a responsabilização de quem for pego com celular e de quem deixou o celular entrar.
Deixe um comentário