Rodrigo Chia *
O novo grande exemplo de gestão para Brasília é Nova York. Por quê? Descobriram que um dos marcos da cidade, o Central Park, é administrado por uma organização privada, a Central Park Conservancy, o que se encaixa ao projeto em curso de transferir a administração do Parque da Cidade a uma empresa por meio de parceria público-privada (PPP).
Por acaso, não atentaram também para o fato de que o transporte público, por lá, é operado por uma empresa pública (Metropolitan Transportation Authority), o que se afasta do sistema adotado por Brasília e quase todas as cidades do país.
Não se trata aqui de avaliar a qualidade dos serviços de NY, e seus respectivos modelos de gestão, o que cabe primordialmente à população nova-iorquina.
A mensagem dos exemplos seletivos, no entanto, é bem clara, não?
É, e não tem nada a ver com liberalismo e estatismo, direita e esquerda, progressismo e conservadorismo. A lição a ser aprendida é que, se diferentes modelos podem ser defendidos como capazes de atender o interesse público, nada disso muda o fato de que sem qualidade na gestão eles se igualam na inefetividade, no desperdício, na falta de transparência e, quase sempre, até por consequência, nas portas abertas à corrupção.
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Na administração pública do Distrito Federal, já temos de tudo (e mais um pouco), e nem precisamos importar de Nova York.
Um Centro Administrativo construído em PPP e “entregue” no fim de 2014 que nunca funcionou. Um sistema de ônibus licitado em 2011 em procedimento anulado duas vezes pelo Poder Judiciário somente este ano. Uma entidade qualificada no processo de transferência de parte da gestão da Saúde a organizações sociais que foi alvo de operação da Polícia Federal e teve seu controlador preso. Uma compra de 14 motos BMW por R$ 46 mil a unidade apesar de apelo do governador por “austeridade e economicidade”. Um gasto de R$ 26 milhões em publicidade, pelo Legislativo, sem que se saiba o destino específico do dinheiro.
Os exemplos de má gestão na capital do país têm, no mínimo, a marca da diversidade.
Não se sabe se as ideologias morreram ou não, mas se pode intuir que o buraco do gasto público, por aqui, não chegou nem perto desse debate, exceto talvez nas aparências e conveniências. Porque ideologias atendem muitas finalidades, inclusive esconder problemas bem mais objetivos, como a absoluta precariedade da gestão.
Entre tantas incertezas, o certo é que nenhum modelo, científico ou milagroso, resiste à falta de transparência, método, compromisso com o interesse público, controle estrito de resultados e responsabilização do gestor. A ausência desses requisitos é inevitavelmente nunca melhorar a vida de quem mais precisa.
É na mesma tocada, aliás, que mergulhamos no debate partidário, político-ideológico e fratricida da famigerada PEC 241. O teto de gastos é a responsabilidade que permitirá voltar a investir na área social, dizem uns. O teto de gastos é a irresponsabilidade que destruirá as conquistas sociais, rebatem outros.
Faltam as mesmas paixão e determinação para defender prestação de contas; abertura dos dados (públicos!); participação efetiva da sociedade; obediência às regras do jogo; adesão às melhores práticas de gestão; fortalecimento de instituições em lugar de decisionismo.
A sensação é de estarmos permanentemente discutindo a melhor técnica para construir uma casa bela e funcional com madeira podre. E por que ocorre desse jeito parece evidente: há uma grande indústria enchendo os bolsos, desde sempre, com a venda dessa madeira.
Os exemplos de Nova York, com os pontos positivos e negativos próprios de seus modelos, não atacam essa questão fundamental.
A incapacidade de lutarmos juntos pelo que deveria vir bem antes de nossas diferenças nos condena a estarmos perpetuamente escolhendo a “melhor forma” de fazer má gestão.
É tempo de mudar e fazer o que é tão urgente quanto óbvio: começar pelo começo.
* Rodrigo Chia é vice-presidente do Observatório Social de Brasília, presidente do Conselho de Transparência e Controle Social do DF, membro da Comissão de Combate à Corrupção da OAB/DF e empreendedor cívico Raps.