O Estado de S. Paulo
Em “inferno astral”, Dilma testará novo estilo de governo para salvar reeleição
Na pior semana de seu governo, com uma onda de protestos violentos sacudindo o País, inflação em alta e popularidade em queda, a presidente Dilma Rousseff criou uma espécie de gabinete de crise e rompeu o isolamento do Palácio do Planalto. Avessa a negociações e alvo de críticas no Congresso, ela foi obrigada a montar uma agenda de emergência para ouvir as vozes das ruas, conter as insatisfações e abafar o coro do “Volta Lula”, que já começa a ser entoado na seara doméstica para pedir o retomo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na eleição de 2014. Desde o escândalo do mensalão, em 2005, o PT não enfrenta desgaste tão grande. Com muitos nós para desatar, Dilma pretende agora testar um novo estilo de governo para tentar virar o jogo e traçar a rota do projeto de reeleição. Ajustes na política econômica para reagir à esperada redução de dólares no Brasil, com o fim do programa de estímulos nos Estados Unidos, e mudanças no núcleo político do Palácio do Planalto são aguardados para o segundo semestre.
Habituada a centralizar decisões e a formular sozinha as principais diretrizes políticas e econômicas, a presidente encerrou a semana com a imagem de gerente desgastada, em meio a uma sucessão de más notícias que deixaram o Planalto atônito. É nesse tumultuado cenário que a presidente terá que negociar com aliados as composições para 2014. O PMDB convocou reunião de sua Executiva para terça-feira, a fim de discutir a crise e os obstáculos à formação dos palanques com o PT nos Estados, como no Rio de Janeiro. “A coordenação política do governo está sem força e ninguém mais aceita essa história de dois palanques para Dilma”, resumiu o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (CE).
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“Bicho esquisito”. “Tem um bicho esquisito aí”, admitiu o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel. “Quem está na chuva é para se queimar e esses protestos também atingiram o PSDB e o governador Geraldo Alckmin”, completou o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, fazendo um trocadilho. “Com certeza, alguma lição vamos tirar dessa catarse”, previu o ministro. Dos problemas com a demarcação de terras indígenas, passando por boatos sobre o fim do programa Bolsa Família, vaias na abertura da Copa das Confederações, escalada da inflação, “Pibinho”, atritos com o PT e o PMDB e, agora, a fúria nas ruas, tudo pareceu conspirar para o inferno astral do governo, nos últimos dias.
Para recuperar o apoio perdido, Dilma acertou com Lula que mudará a estratégia política, chamando, por exemplo, representantes de movimentos sociais para conversas periódicas. Até agora, ela manteve distância regulamentar de todos. A presidente também fez um apelo pela “concertação” com o Legislativo e o Judiciário. Sob intenso fogo cruzado, anunciou que vai se reunir com governadores e prefeitos e propôs um pacto nacional, expressão abominada pela esquerda, em torno da mobilidade urbana.
PublicidadeNo Congresso, aliados preparam outra estratégia para aprovar projeto de interesse do Planalto que inibe novos partidos, aproveitando a fragilidade de Dilma para cobrar faturas antigas de cargos e emendas. No diagnóstico do governo, as manifestações que tiveram como origem o aumento das tarifas de transporte coletivo e desandaram para protestos contra tudo o que está aí assumiram contornos perigosos.
Inteligência falha, e ministro fica fora de reuniões sobre crise
Protegida por um escudo humano de soldados do Batalhão da Guarda Presidencial, enquanto 6o mil manifestantes ocupavam a Esplanada dos Ministérios e avançavam contra prédios públicos, como o Itamaraty, a presidente Dilma Rousseff fez seu primeiro diagnóstico ao se ver surpreendida pelas dimensões dos protestos na capital federal e pelo País: a inteligência do governo não funcionou.
Incapaz de fornecer à presidente informações antecipadas sobre os ramos e extensão da mobilização, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general José Elito Siqueira, tornou-se uma peça obsoleta na estrutura palaciana. Já na sexta-feira, assessores de Dilma manifestavam irritação com o chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
O prestígio do general incinerou-se com rapidez. Elito ficou de fora das reuniões, nas quais Dilma aguardava reações das ruas para decidir se faria um pronunciamento à Nação e qual o melhor tom a ser adotado. A presidente considerou inaceitável que nem mesmo uma mobilização feita pelas redes sociais, de forma transparente, às quais qualquer um poderia ter acesso, foi objeto de atenção da “tropa de Elito”.
Ministro ‘amigo de Lula’, que faz ponte social, fica isolado
O temor da presidente Dilma Rousseff com a expansão, da influência do ex-presidente Luiz Inácio Luia da Silva no núcleo duro do governo isolou o ministro responsável pelas conversas com os movimentos sociais. Gilberto Carvalho, mimstro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência e amigo pessoal de Lula, não se tomou assíduo no gabinete de Dilma no terceiro andar do Planalto nem mesmo nos últimos dias, quando ocorreram as manifestações políticas nas ruas das cidades – boa parte delas em Brasília -, observaram funcionários do Palácio do Planalto.
Nos oito anos de governo Lula, Carvalho foi chefe do gabinete pessoal do presidente.
Era numa dobradinha com o então ministro Luiz Dulci, seu antecessor no cargo, que Carvalho incluía na agenda do ex-presidente encontros com lideranças de micro, pequenas e grandes entidades da área social. Dulci chegou a elaborar um mapa com 2,5 mil pontos do Brasil onde havia um agente social para ser acionado, 24 horas por dia, especialmente nas viagens do presidente pelo País. A equipe e o mapa deixados numa sala do anexo do Planalto por Dulci permaneceram com a chegada de Dilma ao poder, mas não foram acionados pela presidente.
Em uma rápida conversa com o Estado, Carvalho rejeitou a análise feita por assessores influentes do Planalto de que a presidente pagou caro, nessa onda de protestos, por afastar a Secretaria-Geral do seu gabinete.
Entidades cobram de Dilma ‘avanço de pautas populares’
Em carta enviada à presidente Dilma Rousseff, as principais entidades ligadas aos movimentos sociais afirmam que as recentes manifestações pelo País são o “momento propício para iaue o governo faça avançar as pautas democráticas e populares estimule a participação e a polarização da sociedade”. Ao todo, 32 organizações assinam d documento.
Entidades como Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Movimento dos Sem-Terra (MST), a União Nacional dos Estudantes (UNE), a União Nacional do Negro (Unegro), a Central de Movimentos Populares (CMP) e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) querem participar de uma reunião convocada por Dilma com prefeitos e governadores. Esse diálogo seria “a única forma de encontrar saídas para enfrentar a grave crise urbana” nas grandes cidades. “São as maiores manifestações que a atual geração vivenciou e outras maiores virão.
Esperamos que o atual governo escolha governar com o povo e não contra ele”, diz a carta.
No Pará, biólogos são feitos reféns
Um grupo de 150 índios mundurucus, no oeste do Pará, tomou como reféns três biólogos que faziam estudos para a construção das hidrelétricas de São Luís do Tapajós e Jatobá. Os pesquisadores são funcionários da empresa Concremat, que presta serviços para o Consórcio Grupo de Estudos Tapajós, formado por Camargo Correia, GDF Suez, Eletrobrás e Eletronorte.
Os biólogos chegaram a ser amarrados pelos índios, contrários às grandes obras do governo. O trio era mantido sob vigília ontem, no coreto da praça principal de Jacareacanga (PA). A tribo mundurucu é a mesma que foi a Brasília, há duas semanas, em protesto contra a Usina de Belo Monte. A Secretaria-Geral da Presidência tenta negociar a Libertação dos pesquisadores.
Carecas iniciaram agressões a partidos
A maior parte das hostilidades aos militantes de partidos políticos que foram à manifestação da Avenida Paulista na noite de quinta-feira partiu de pessoas que foram identificadas, pelos próprios militantes, como integrantes de grupos de extrema direita, como skinheads e carecas. Seriam dois grupos: os Carecas do ABC e os Carecas do Brasil.
Nenhum desses integrantes, todos jovens, portava bandeiras nem qualquer outro símbolo que os identificasse. Tinham a Bandeira do Brasil nas costas. O alvo foi os militantes dos partidos do ato, de esquerda: PCB, PSOL, PSTU, PCO c, principalmente, o PT (cuja presença acirrou os ânimos da massa, que gritava contra corrupção) . A ala jovem desses partidos apoia o Movimento Passe Livre (MPL) desde o primeiro protesto, do dia 6.
Nenhum dos carecas quis falar com o Estado. Na terceira tentativa, um dos rapazes tentou intimidar a reportagem, dizendo: “Olha, não gosto de comunista nem de jornalista”, antes de se juntar com mais dois rapazes e começar a apontar para o repórter.
Os gritos sobre o orgulho de ser brasileiro dos carecas se misturou ao dos cerca de 110 mil pessoas que estavam ali, o que minimizou tentativas de repressão popular à violência contra os partidos. Outro fator foi o grito de “sem partido” para os militantes, o que foi de encontro à insatisfação da rua, que tem na corrupção política um de seus maiores alvos.
Um cordão humano tentou isolar as pessoas que portavam as bandeiras da massa, o que terminou em uma grande troca de socos e empurrões, até os partidos desistirem de marchar, na altura do Masp.
PSDB tenta ‘descobrir a melhor vanguarda’
Ao completar 25 anos, o PSDB, principal partido de aposição, tenta aproveitar o momento de desgate do governo federai e encontrar uma bandeira para as demandas levantadas nas manifestações ocorridas no País nos últimos dias. Ainda perdidos sobre o ramo a seguir, os tucanos dizem querer evitar o oportunismo político, mas criticam a gestão Dilma Rousseff e ensaiam discurso com termos como “gestão” e “eficiência” dos serviços públicos, em resposta às cobranças surgidas nos protestos.
“Cabe ao PSDB entender que há coisa nova hoje. Quem está na rua hoje não são os sindicatos ou os trabalhadores, mas um misto de povo não operário e classe média. Basicamente, são eles que o partido representa”, disse ao Estado o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que em março declarou que o PSDB precisava de um “banho de povo”.
Fora do poder desde 2002 e acumulando três derrotas sucessivas para o PT na tentativa de voltar ao Planalto, o PSDB se prépara para lançar o senador Aécio Neves (MG) candidato a presidente. Em busca de uma plataforma, neste ano iniciou o resgate de bandeiras do partido da Era FHC, entre elas o controle da inflação e as privatizações.
‘A gente participa das manifestações desde o início’
Recém-eleita para ser a presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Virgínia Barros, conhecida como Vic, de 27 anos, diz que a entidade está na vanguarda dos protestos contra aumentos nas passagens de ônibus. “Quem tem ido à rua desde o começo são organizações e setores da sociedade que se preocupam com os rumos do Brasil” Estudante de Letras da Universidade de São Paulo (USP) e filiada ao PCdoB, Vic diz ainda que o movimento que originou os protestos é essencialmente de esquerda. “Há grupos de direita organizados nas manifestações para hostilizar a militância de esquerda.”
Adversários de Dilma capitalizam desgaste
O novo cenário de insatisfação geral, de crise econômica e de queda na popularidade do governo Dilma Rousseff mudou o rumo das pré-campanhas de seus prováveis adversários políticos na eleição presidencial do ano que vem. Os principais opositores à petista já estão adaptando suas estratégias para aproveitar o desgaste sofrido pela presidente.
Novo slogan. O pré-candidato do PSB, governador de Pernambuco Eduardo Campos, deve redirecionar sua fala nas próximas aparições, segundo dirigentes do partido, permitindo-se criticar a aliada. A expectativa é de que ele abandone o discurso expressado em seu último programa partidário, de que o País vai bem, mas que “pode mais”, e seja mais direto nos ataques ao PT.
O primeiro-secretário do PSB, Carlos Siqueira, considera o slogan um erro porque “o Brasil nunca esteve bem nesses dez anos de governo petista”. O PSB pretende ainda abordar a pauta da “reforma urbana”, abrangendo mais investimentos em transportes públicos.
O PSDB, que sofria com a falta de um discurso com apelo junto ao povo e do receio em atacar a adversária até então muito bem avaliada, encontrou nas derrapadas da economia sua impulsão. O senador Aécio Neves (MG), presidente do partido e provável candidato, acha que acertou o tom ao combater a inflação e seguirá a toada.
Na internet, atos mobilizam 136 milhões
O escritório do consultor de vendas e ativista online Lúcio Amorim fica em posição privilegiada, no 18.° andar de um prédio na Avenida Rio Branco, no centro do Rio. Na noite de segunda-feira passada, uma das principais vias da cidade estava tomada por milhares de pessoas. “Quando vi que estava muito maior que qualquer coisa que já tinha visto, preferi esperar só para fazer este registro histórico”, disse. O resultado foi um vídeo de seis segundos, registrando a passeata de ponta aponta, transmitido pelo aplicativo de vídeos criado pelo Twitter chamado Vine.
Rapidamente, o vídeo virou hit na internet e se tornou uma das imagens mais divulgadas dos protestos no Rio. Foi transmitido pelo Wall Street Journal, pela emissora canadense GNBC e pela britânica BBC, que entrevistou Amorim.
E um exemplo de como os protestos das últimas duas semanas consolidaram a importância da internèt e das redes sociais como ferramentas de comunicação no País. Muitos recorreram aos serviços para se informar, a partir de relatos no Twitter e no Facebook. Vídeos como o de Amorim simbolizaram os eventos tanto ou mais do que as imagens feitas por redes de televisão.
O fluxo paralelo de informação possibilitou fazer comparações com as versões das autoridades. “Muitos representantes do poder não são atualizados sobre as ferramentas,” disse a jornalista e blogueira Sam Shiraishi, especializada em ativismo social.
Autores do Ficha Limpa lançam o ‘Reforma Política Já’
Em tempos de manifestações nas ruas por mudanças na sociedade brasileira e crise da representatividade dos partidos políticos, uma rede formada por 70 instituições inicia, a partir de amanhã, a campanha Reforma Política Já. Os mesmos autores que propuseram a Lei da Ficha Limpa querem promover um chamamento público nacional para colher assinaturas suficientes para a aprovação de um projeto de lei de iniciativa popular que sugere alterações no sistema eleitoral que possam valer já nas eleições do ano que vem.
A duas principais alterações propostas são a extinção das doações de pessoas jurídicas, e restrições às feitas por pessoas físicas para campanhas; e a realização de eleições proporcionais (para vereadores e deputados) em dois turnos, onde no primeiro os eleitores votariam nos partidos e, no segundo, nos candidatos. Isso, segundo os autores, representaria redução dos custos e maior transparência no processo eleitoral, fortalecimento dos partidos e suas ideias programáticas, e a eliminação do clientelismo e “da nefasta influência do poder econômico nas eleições”.
A ideia é não só para transformar a proposta em projeto de lei, como aconteceu com a Lei Complementar 135/2010 (Ficha Limpa), mas sancioná-lo a tempo para que as novas regras incidam sobre a eleição de 2014. “O sistema político brasileiro está tão defasado que não é justo para o Brasil passar por outra eleição com estes moldes”, disse o juiz Márlon Reis, cofundador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE).
‘Saída é uma constituinte para a reforma política’
“A rebeldia atual nas ruas do Brasil não se prende, é claro, a tarifas de ônibus. Ela é uma grave e profunda denúncia da situação a que chegaram todos os serviços públicos – hospitais, transportes, portos, aeroportos, presídios. Agride o País o fato de não termos escolas nem hospitais “padrão Fifa”. Só estádios.
O que esses acontecimentos revelam é que há mais vozes e atores sociais que os tradicionalmente visualizados. Que muito além dos jardins do Palácio do Planalto há gente. E muita, muita gente sofrida, ralada e até irada, vítima de aberrações que ocorrem há mais de 50 anos, por causa da opção automobilística que data dos tempos de Getúlio, JK e militares – e que aumenta até os dias de hoje, dias nefastos em que o automóvel é rei.
Até a tal “classe C” que pôde viajar para o exterior volta da viagem para as 11 horas de espera para atendimento de urgência num hospital, meses para uma cirurgia, tristes horas todo dia dentro de um ônibus.
Esse divórcio entre governados e governantes não é novo. Estava presente no fim da ditadura militar, no fim da ditadura de Vargas em 1945. Só não tínhamos então esses elementos novos, a cultura digital, as redes sociais, que independem de lideranças tradicionais para ter voz. O mundo político não estava preparado para essa súbita chegada da globalização a seus pagos.
Folha de S. Paulo
Sem verba, Dilma reinventa faxina em resposta às ruas
Dilma Rousseff inicia nesta semana ofensiva para responder aos protestos que pipocam em todo o país sem dinheiro em caixa para anunciar novos investimentos que contemplem a extensa e difusa pauta de reivindicações.
Na semana passada, com a escalada de violência e adesão às passeatas, o Ministério da Fazenda fez à presidente avaliação pessimista. O sinal de que os estímulos federais se esgotaram foi dado por Guido Mantega, que vetou pleito do prefeito Fernando Haddad por mais desonerações fiscais.
Com o caixa baixo, a presidente vai tentar resgatar a imagem que ajudou a inflar sua popularidade: a de que é intransigente com a corrupção e com o “malfeito”.
A dificuldade será conciliar esse discurso, que teve destaque em sua fala em rede nacional de TV, com os esforços para montar a maior aliança possível para a reeleição, levando de volta ao primeiro escalão os “faxinados” PR e PDT. Ela também recorreu a Antonio Palocci, demitido após a Folha revelar seus negócios em consultoria, como conselheiro na crise.
No Congresso, já há aliados que defendem que ela abra mão de algumas siglas e faça uma coalizão à esquerda.
No campo da transparência, outro clamor das passeatas a que Dilma se referiu na TV, está em estudo no Planalto o recuo na medida recém-baixada de sigilo nos gastos das viagens presidenciais.
Para 66%, manifestações nas ruas devem continuar
Dois a cada três paulistanos acham que os protestos nas ruas devem continuar, apesar de as tarifas de transporte em São Paulo –a razão para o início das manifestações– terem sido reduzidas.
A conclusão é de pesquisa Datafolha feita anteontem na cidade de São Paulo. O instituto fez 606 entrevistas, com margem de erro de quatro pontos percentuais para cima ou para baixo.
São 66% a favor da continuidade dos protestos e 34% contra, revela a pesquisa.
O apoio está entre os mais escolarizados, aqueles com renda mensal de cinco a dez salários mínimos e entre os mais ricos. Contra estão principalmente os mais velhos e os que têm renda até dois salários mínimos.
As reivindicações futuras devem ser a melhoria da saúde, segundo 40%; outros 20% dizem que a educação deveria ser o alvo.
A tarifa de ônibus, trem e metrô caiu de R$ 3,20 para R$ 3 na quarta, por decisão do governador Geraldo Alckmin (PSDB) e do prefeito Fernando Haddad (PT), pressionados pelos protestos.
Aécio critica fala de Dilma, de audiência de Copa
O pronunciamento da presidente Dilma Rousseff anteontem sobre os protestos teve audiência prévia de 44 pontos no horário, próxima à dos jogos do Brasil na última Copa, de 48 pontos.
Cada ponto equivale a 62 mil domicílios na Grande São Paulo. O share (número de televisores ligados) foi de 61%. Os 44 pontos correspondem a uma média calculada a partir da audiência das emissoras abertas na Grande São Paulo. Essa faixa costuma registrar de 40 a 42 pontos.
A fala de Dilma foi criticada pelo senador tucano Aécio Neves (MG), potencial candidato a presidente. Para ele, a presidente “escolheu fazer um discurso que reproduz o tradicional jeitinho de fazer política no Brasil: empurrando os problemas para debaixo do tapete, fingindo que não tem nada a ver com o que está acontecendo”.
‘Querem faturar com protestos’, diz Marina
Enquanto conversava com a Folha por telefone, na quinta-feira passada, a ex-ministra Marina Silva acompanhou, pela TV, as imagens da manifestação que transcorria em Brasília naquela noite. “Meu Deus, a polícia está batendo nas pessoas. Deve estar cheio de gente que eu conheço”, afirmou.
Ela disse que se colocava no lugar das mães “desses meninos”. Jovens que, segundo ela, colocaram em prática um “ativismo autoral” sobre o qual vem falando “há mais de três anos”, e que é uma das bandeiras da Rede Sustentabilidade, partido que tenta criar para voltar a disputar a Presidência em 2014.
Aos 25 anos, PSDB mira refundação e encara tabus
O Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) completa 25 anos na terça prestes a lançar seu primeiro candidato com trajetória política fora de São Paulo à Presidência e como a principal força de oposição. Mas ainda sofre com divisões internas enquanto afina um discurso para enfrentar o favorito PT nas eleições de 2014.
Os dez anos longe do Planalto contrastam com o início meteórico dos tucanos. Criado como um “partido de quadros” por integrantes à esquerda do PMDB insatisfeitos com a falta de espaço, o PSDB chegou à Presidência após somente seis anos de existência, com Fernando Henrique Cardoso.
“Fomos para o poder precocemente”, diz o deputado federal Marcus Pestana (MG), 53, fundador do partido.
Para ele, a vitória foi fruto de “eventos acidentais da história”: a queda de Fernando Collor, a nomeação de FHC para ministro da Fazenda de Itamar Franco e finalmente o bem-sucedido Plano Real.
JANIO DE FREITAS
Entre baderna e política
O tipo é bem conhecido. É aquele que anda em bandos para criar brigas ferozes, não raro mortais, a caminho dos estádios e depois nas arquibancadas. E arma brigas, não raro mortais, nas casas noturnas da pesada. E agride gays, e sempre em bando destrói partes de ônibus e de metrô, arrebenta nas ruas o que puder. A indumentária de todos é igual, o aspecto de suor e sujeira é igual em todos, a linguagem comum a todos é um dialeto da pobreza mental. São os exemplares mais completos da falta de civilidade.
Esses são aos autores dos ataques, a prédios oficiais e outros alvos, que se diz decorrerem da “insatisfação generalizada” da população. E exprimirem o repúdio geral aos políticos, aos partidos e aos governos.
Uma semana antes da sociedade aproveitar a rejeição das novas passagens para mostrar sua “insatisfação generalizada”, o Datafolha mostrava Dilma Rousseff capaz de vencer no primeiro turno qualquer combinação de adversários, apesar da perda de oito pontos em sua aprovação. Na véspera daquela manifestação, o Ibope constatava o mesmo, com igual perda, mas com maior aprovação.
Que uma das pesquisas errasse, seria admissível. Não as duas, com indicações tão equivalentes e diferenças cabíveis nas margens de erro. Nelas não aparece a “insatisfação generalizada”, mas cabem ainda os efeitos do Bolsa Família, dos ganhos do salário mínimo, do desemprego em um dos níveis mais baixos do mundo (os Estados Unidos comemoram seus 7,6%, aqui é de 5,8% e estabilizado), ganho real na massa de salários, e outros fatores que fazem uma reviravolta de melhorias em dezenas de milhões de famílias.
A ideia de “insatisfação generalizada” facilitou aos que, perplexos com a grandiosidade das manifestações, ainda assim precisávamos dar pretensas explicações dos fatos. “Análises”, dizem. Mas quais são as indicações convincentes de tamanha e tão disseminada insatisfação, isso não foi sequer sugerido.
ELIO GASPARI
Um exercício de fantasia futurológica
Numa tarde de Brasília, o Supremo Tribunal Federal reúne-se para julgar os recursos dos mensaleiros, revoga as condenações por formação de quadrilha e livra-os do cárcere. Joaquim Barbosa, o presidente da corte que relatara o processo, joga a toga sobre a bancada, faz um breve discurso, renuncia ao cargo, sai do prédio e chama um táxi. Dias depois, seu nome é lançado como candidato à Presidência da República.
Há fantasia nesse cenário, mas o gesto da renúncia é uma possibilidade real. Se Joaquim Barbosa será candidato, trata-se de pura futurologia.
Quem duvida dessa possibilidade apresenta o que seria um obstáculo intransponível: a falta de base política. Alguém conhece pessoa que votará no candidato que for indicado pelo PMDB? Ter base partidária é mais uma carga do que um impulso, mesmo no caso do PT. Para a campanha da doutora Dilma será bom negócio esquecer a estrelinha vermelha, fechando o foco na personalização de seu governo. O PT decidiu confundir-se com os mensaleiros. Problema dele.
Dos cinco presidentes eleitos nos últimos 60 anos, três prevaleceram sem que devessem qualquer coisa às bases partidárias. Fernando Henrique Cardoso foi eleito pelo Plano Real. Se dependesse da força do PSDB, seria candidato a deputado federal. Ele foi eleito porque o real ficou de pé. Depois do fracasso do Plano Cruzado, houve sete ministros da Fazenda e só ele teve futuro político.
Ombudsman (Suzana Singer)
A multidão que tomou as ruas das capitais do país deixou desnorteados não apenas os políticos e intelectuais mas também a imprensa.
Com uma força inesperada, o movimento conseguiu dobrar prefeitos e governadores, levou a presidente a desfiar promessas e impôs, por um bom tempo, o tom da cobertura.
Se os primeiros protestos, menores mas ruidosos, foram descritos com as cores do vandalismo, o discurso mudou depois de uma enxurrada de críticas nas redes sociais. O que se via na semana passada, principalmente na televisão, era uma preocupação obsessiva em sublinhar que as passeatas são “pacíficas” e que apenas um “pequeno grupo” aparece no final de cada ato para depredar, pichar e saquear.
Mesmo assim, os repórteres sentiram nas ruas a animosidade fomentada no mundo virtual. Jornalistas da Rede Globo foram hostilizados, carros da Record e do SBT foram queimados, repórteres não conseguiam entrar ao vivo do meio das passeatas.
No “Jornal Nacional” de quinta-feira, William Bonner precisou dizer que o “trabalho da imprensa é exatamente para dar voz às reivindicações de todos os manifestantes” e lamentou que “minorias […] tentem intimidar o trabalho da imprensa, que está fazendo um serviço de utilidade pública”.
Não é mais verdade que os manifestantes precisem da mídia para lhes dar voz. Isso mudou com a internet, mas Bonner tem razão em falar de “utilidade pública”. Cabe ao jornalismo explicar aos 192 milhões de brasileiros que não foram às ruas o que está acontecendo no país, com a maior objetividade possível.
Não é tarefa simples. Como resumir manifestações com reivindicações caleidoscópicas? Como analisar esse mal-estar urbano que ninguém percebeu que existia? Quem entrevistar, se são milhares e não há líderes? Esse tsunami popular entrará para a história ou ficará restrito à vitória dos 20 centavos?
Enquanto não se decifra a insatisfação que tomou o asfalto, a cobertura se reveza em um “morde-assopra”, dependendo do grau de vandalismo dos protestos. Na quinta-feira, a Folha fez uma capa em tom triunfalista, que anunciava que “PROTESTOS DE RUA DERRUBAM TARIFAS”, escrito assim, tudo em letras maiúsculas. No dia seguinte, o destaque era a violência se espalhando pelo país.
A vida era bem mais fácil no século passado, quando os simpáticos caras-pintadas queriam derrubar Fernando Collor de Mello.
Brasileiros protestam em Nova York, Madri e Paris
Brasileiros residentes no exterior se uniram em várias partes do mundo em solidariedade aos protestos que acontecem em todo o Brasil.
Cerca de 500 pessoas foram ontem à praça Espanha, em Madri, sob vigilância da polícia. Eles deram uma volta na praça, cantaram o hino nacional e depois se dividiram em grupos para discutir pautas de reivindicações e como os brasileiros fora do país podem ajudar.
Em Nova York, o terceiro ato de apoio aos protestos brasileiros aconteceu ontem, pela primeira vez, no Zuccotti Park, praça do centro financeiro da cidade, que abrigou o acampamento do Occupy Wall Street. O espaço também abriga manifestações de moradores gregos e turcos.
Em Paris, na tarde deste sábado, cerca de mil pessoas se encontraram na praça Nation, no leste da cidade.
Em clima de calçadão, Paulista reúne 30 mil contra PEC 37
Num sábado de sol e temperatura agradável, manifestantes voltaram a ocupar a avenida Paulista na tarde de ontem, mas o protesto contra a PEC 37 em nada lembrou as manifestações que ocuparam a via na semana passada.
Segundo a Polícia Militar, nenhum incidente foi registrado até a conclusão desta edição. O cenário da Paulista mais lembrava o de um imenso calçadão. Apesar do clima tranquilo, as portas do Conjunto Nacional e as do shopping Center 3, voltadas para a Paulista, ficaram fechadas.
Cartazes e faixas contra a corrupção e a ausência de grupos organizados marcaram a manifestação, que começou em frente ao Masp.
Os dois sentidos da avenida Paulista, em frente ao Museu de Arte de São Paulo, foram bloqueados.
Ainda de acordo com a PM, 30 mil pessoas ocupavam a avenida, por volta das 19h.
Grupo acampa em frente à casa de Sérgio Cabral
Com barracas e colchonetes, um grupo de manifestantes estava acampado na praia do Leblon desde a noite de anteontem, na esquina da casa do governador Sérgio Cabral (PMDB), na zona sul do Rio.
Nas redes sociais, eles lançaram o movimento “Ocupe Delfim Moreira”, em uma referência ao nome da avenida da orla do bairro. O objetivo é permanecer no local até amanhã, no mínimo.
“Chegamos ontem [anteontem] no fim da tarde para a manifestação perto da casa do governador e alguns decidiram ficar por aqui”, disse o ator Zeca Richa, 27, morador da Tijuca. “Não foi nada planejado”, afirmou ele.
De acordo com participantes, durante a noite de sexta para ontem, alguns moradores serviram água, sanduíche e refrigerante para o grupo.
O Globo
Jovens mais longe do voto
Proporção de eleitores de 16 a 18 anos caiu pela metade em duas décadas; semana de protestos deixa claro o desencanto com políticos e a cobrança por melhoria nos serviços públicos, mas vandalismo desafia futuro das manifestações.
Os últimos 14 dias que abalaram o Brasil deixaram uma mensagem clara: o sentimento contra a política tradicional. A cada eleição, aumenta o número de brasileiros que não vão às umas ou, quando vão, votam em branco ou nulo. Há 21 anos, quando os caras-pintadas provocaram o impeachment do então presidente Fernando Collor, eleitores de 16 a 18 anos eram 3,6% do total. Hoje são 1,5%, informa José Casado. De cada 100 jovens que poderiam ser eleitores, só 35 se inscreveram para tirar o título. No Rio, só 19 em cada 100. Outro recado das ruas foi aos governantes, de quem os manifestantes cobraram melhorias nos serviços públicos. Representantes de diversos segmentos sociais ouvidos pelo GLOBO reforçam a necessidade de mudanças no país. E apontam desafios para os manifestantes: organizar suas reivindicações e não sucumbir à violência.
Nos partidos, mea culpa, medo e propostas para um futuro incerto
Chamuscados pela onda de protestos da última semana, os partidos políticos ainda digerem os efeitos da revolta que eclodiu também contra o sistema representativo do país. Entre o mea culpa, a perplexidade, a indignação e o medo, políticos de vários partidos concordam em ao menos dois pontos: a hora é de cautela, para evitar o crescimento de grupos extremistas; e, sim, são inevitáveis os efeitos das manifestações na atividade política – no mínimo, os parlamentares precisarão mudar sua relação com os eleitores.
Políticos do PT iniciam a reflexão: ex-ministro do governo Lula e secretário estadual do Ambiente do Rio, Carlos Minc sustenta que os partidos erraram ao longo desses anos, quando “se acomodaram”.
– Muitos partidos, não só os de esquerda, descuidaram de sua renovação. Foram coniventes e entraram em esquemas corporativistas. Os governos precisam mudar – afirma Minc. – Temos que trabalhar no aperfeiçoamento das instituições, dos partidos, mudar o discurso e nos conectarmos com essas críticas que vieram para ficar.
Líder do “Fora, Collor”, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) avalia:
– Às vezes tem que vir um recado do povo para dar uma sacudida. Antigamente os partidos tradicionais de esquerda chamavam as passeatas. É como se eles dissessem: eu não preciso de vocês.
Atuação das legendas no âmago da crise
Expressos nos gritos e cartazes de manifestantes de que nenhum partido os representa, o diretor do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da USP, José Álvaro Moisés, viu, ao participar de duas passeatas nos últimos dias, a tradução para as ruas de números apurados numa pesquisa que fez em 2006, sobre a desconfiança dos cidadãos das instituições democráticas. Depois de ter entrevistado 2 mil pessoas de todo o país, ele apurou que 81% desconfiavam dos partidos e 79%, do Congresso. Um terço do total achava que a democracia brasileira funcionaria sem partidos. Ele e outros cientistas políticos alertam que a atuação dessas legendas está no centro da questão.
– Se os partidos canalizassem as demandas e aspirações das pessoas, não haveria tanta gente indo às ruas. É como se elas dissessem: “estamos aqui gritando, porque não há outro canal para fazermos isso”. Até os sindicatos foram cooptados pelo governo e perderam sua força. Os partidos aparecem para a população como instituições distantes e desconectadas. Não é que a maioria das pessoas recuse o conceito de sistema partidário, mas há um repúdio ao modo como os partidos estão atuando, sobretudo os maiores, que participam do governo. Não vi um líder de um grande partido dar entrevista em meio aos protestos e apresentar propostas. Nem a oposição se manifestou sobre o clamor popular. Uma sociedade em que governo e oposição ficam calados só pode ter manifestações como as que vimos – conclui ele.
O momento agora é de reação
Para especialistas ouvidos pelo GLOBO, é necessário que governos apresentem respostas rápidas aos protestos para evitar o caos nas cidades, nem que seja cortando gastos para cobrir passagens
“O que se pode fazer? Só sei que eu não gostaria de ser do governo agora”, diz o cientista político Marco Aurélio Nogueira, diretor do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp. “E também sei que é necessário agir, nem que seja cortando gastos com assessores parlamentares no Brasil para cobrir os R$ 0,20 das passagens de ônibus”, acrescenta.
A proposta de Nogueira é uma das muitas feitas por sociólogos, cientistas políticos, advogados e antropólogos ouvidos pelo GLOBO sobre que postura se espera dos governos federal, estaduais e municipais frente aos protestos e atos de vandalismo ocorridos na última semana em todo o Brasil. Entre as ideias discutidas, estão também a instituição de audiências públicas sistemáticas, a criação de novos canais de comunicação com a sociedade, a remoção da PEC 37 da pauta do Congresso e a redefinição do papel das polícias no país. Todos concordam que é preciso atuar rapidamente para evitar a instauração do caos nas cidades. E nenhum deles quer ver forças militares nas ruas.
‘Vejo esses movimentos como Maios de 68 pós-modernos’
Com mais de 20 obras publicadas no Brasil – como “A transfiguração do político” e “A dinâmica da violência” -, o sociólogo Michel Maffesoli vê o país como um “laboratório” no fim dos tempos modernos e diz não ter sido surpreendido com a eclosão das manifestações em diversas cidades brasileiras. Conhecedor do Brasil, para onde viaja há mais de 30 anos para conferências e intercâmbios intelectuais, Maffesoli disse que vai “dar uma passada” na manifestação de brasileiros que ocorrerá no fim da tarde de hoje, em Paris, em solidariedade ao movimento. Na sua opinião, manifestações como as do Brasil e da Turquia podem ser vistas como “Maios de 68 pós-modernos”, de curta duração, mas com marcas indeléveis.
Manifestantes acamparam em frente à casa de Cabral
Após negociações com a Polícia Militar, manifestantes que desde a noite da sexta-feira ocupavam a Avenida Delfim Moreira, na altura da Rua Aristídes Espíndola, próximo à casa do governador Sérgio Cabral, liberaram meia pista da via para a passagem dos veículos. O grupo, no entanto, continuou no local e a polícia se comprometeu a fechar novamente o tráfego caso o movimento cresça.
Pelo menos 40 pessoas se reuniram na altura da casa do governador. Moradores da região que passavam pelo local paravam e se juntavam ao grupo. Um deles foi o humorista Hélio de la Peña.
– Acho importante manter as manifestações no campo político e não policial. O povo está de saco cheio, quer ações concretas e não promessas em época de campanha – afirmou.
O ato é pacífico. A Tropa de Choque chegou a patrulhar o local no início da manhã de ontem, mas por volta das 9h30m saíram para evitar tensão. Os manifestantes que chegavam eram orientados pelos outros a manter o clima de paz.
– Estamos juntos com os PMs há mais de 12 horas num clima totalmente pacífico – disse o publicitário Zeca Richa.
O ator Pedro Casarin afirmou que ocupar um dos metros quadrados mais caros do mundo é um ato simbólico.
– Estamos protestando pacificamente para que o Cabral explique coisas como os gastos com as obras do Maracanã e as relações com a construtora Delta. Esperamos que ele venha aqui e converse conosco.
Passe Livre se inspira em zapatistas do México
“Abajo y a la izquierda está el corazón”. A frase do subcomandante Marcos, do Exército Zapatista de Libertação Nacional, do México, embala o discurso do Movimento do Passe Livre (MPL), que deu início às manifestações pelo país, forçando a queda no preço das tarifas de transporte público. “Abaixo” estão os grupos marginalizados e as minorias, que o MPL chama de “os de baixo”. E “à esquerda”, o discurso anticapitalista. Formado por universitários da USP e trabalhadores da periferia, o movimento se intitula anticapitalista, apartidário, pacífico, autônomo e horizontal.
Alguns dos militantes do MPL, como Luiza Calagian, paulista de 19 anos, já atravessaram o continente para conhecer as comunidades zapatistas de Chiapas, que ganharam atenção mundial em 1994, quando os zapatistas baixaram as armas e passaram a negociar direitos indígenas com o governo mexicano pacificamente. Viraram exemplo para os novos movimentos sociais que se organizavam contra os efeitos da globalização.
Para advogado, não é preciso provar culpa do estado
Para o advogado Paulo Sérgio Fernandes, não será preciso provar quem foi o policial que fez os disparos contra o fotógrafo, nem se teve a intenção de acertá-lo.
– Precisamos mostrar apenas que alguém disparou e feriu um fotógrafo no exercício legítimo da profissão – explica o defensor de Silva, que prevê uma longa briga judicial em busca da indenização.
Antes disso, ele ingressará com uma ação cautelar cobrando do Estado um tratamento de qualidade para o profissional, que, na melhor das hipóteses, perderá 70% da visão, de acordo com os médicos.
O fotógrafo foi ajudado por um professor, que o socorreu e caminhou ao seu lado por 40 minutos até o hospital mais próximo, ajudando a conter o sangramento no nariz.
– Estava sufocado. Ele falava para eu ficar tranquilo, porque tinha que sair dali. Foi meu anjo da guarda – conta o fotógrafo.
Do dia em que a polícia decidiu encerrar à bala a manifestação pela redução da tarifa de ônibus nas ruas de São Paulo, restou um trauma permanente e uma conta hospitalar de R$ 3,1 mil a ser paga.
‘Cada geração teve seu ciclo de protestos’
Vinte e um anos depois da última grande manifestação da História do Brasil – o Fora, Collor, que fez surgir os caras-pintadas e resultou no impeachment do ex-presidente -, o país vê uma nova geração tomar as ruas de várias cidades. Segundo cientistas políticos, historiadores e líderes de manifestações do passado, como a Passeata dos Cem Mil, em 1968, e as Diretas Já, em 1984, ainda que as gerações sejam diferentes, elas ocupam as ruas quando “há um processo de acúmulo que as leva”, quando “há um esgotamento com algo que acontece no país”.
– Existe uma demanda por inclusão, por ser ouvido. O que leva às ruas é a insatisfação, o esgotamento com algo que acontece no país. Muitos vivem um período de descontentamento com a política e não se sentem representados pelos políticos, ainda que o Brasil tenha passado por avanços nos últimos anos. – diz Samantha Quadrat, professora de História da UFF. – Havia uma ideia sobre essa juventude de hoje, achando que era manifestante de Facebook e de sofá. Claro que não podem ser comparados com os que estavam em 68, nos caras-pintadas ou nas Diretas. A campanha das Diretas, por exemplo, inseriu muita gente na política. Existem diferenças, mas é uma grande lição para os políticos que estavam atuando muito tranquilamente sem pressão popular.
Revolta começa em casa
No dia em que manifestantes ocuparam a laje do Congresso Nacional, um dos atos mais simbólicos até agora dos protestos em Brasília, pai e filho estavam em posições antagônicas. O senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), que pretende se candidatar a governador do Distrito Federal, era um dos poucos parlamentares dentro do Congresso na noite daquela segunda-feira, 17. Acima, na parte externa onde ficam as cúpulas representativas de Câmara e Senado, estava o filho do meio do senador, Ícaro Rollemberg, de 28 anos. Os ativistas ocuparam a laje para contestar o modelo político vigente e denunciar o distanciamento entre os donos do poder, os partidos e seus representados. Ícaro defendia um novo modelo de participação política, apesar da proximidade física e familiar com um dos integrantes do Congresso.
– É importante os movimentos serem apartidários nesse momento. É o povo falando para quem está lá dentro. E não tem como separar o povo por partidos – diz Ícaro, que continuará participando dos protestos.
Politizado dentro e fora da Universidade de Brasília (UnB), o estudante de Artes Cênicas Caio Sigmaringa Seixas de Carvalho, 18, também estava na noite de segunda sobre a laje do Congresso. Caio é sobrinho do ex-deputado federal Sigmaringa Seixas (PT-DF), amigo do ex-presidente Lula. Ele sabe da proximidade entre o tio e Lula, que vem aconselhando a presidente Dilma Rousseff sobre o rumo a ser tomado diante das manifestações generalizadas. Caio pretende repassar ao tio as principais reivindicações.
– A primeira pauta é a luta contra os gastos na Copa do Mundo. Desde o anúncio pelo Lula, achei absurdo. O país evoluiu na questão social no governo Lula, com a saída das pessoas da miséria, mas não tem nível para gastar bilhões num evento elitista – diz Caio.
‘O movimento precisa de uma linha’
Ele foi o maior líder e símbolo dos movimentos estudantis que desaguariam na passeata dos Cem Mil, que, em junho de 1968, reuniu, no Centro do Rio, estudantes, artistas, intelectuais e vários setores da sociedade brasileira em protesto contra as crescentes arbitrariedades da ditadura militar após violentos enfrentamentos contra as forças da repressão.
Aos 69 anos, Vladimir Palmeira voltou, na última quinta-feira, às ruas do mesmo Centro onde liderou as massas, se não para protestar, ao menos para observar, in loco, o que se está aprontando por aí. Acompanhado do filho, Rodrigo, de 14 anos (que nasceu quando a candidatura do pai foi impugnada pelo PT, que se aliaria a Anthony Garotinho, por exigência de Leonel Brizola), Vladimir marchou junto com a multidão, da Candelária até a Central, quando, cansado, deu-se por satisfeito e decidiu voltar para casa.
– Quem está aqui será marcado para sempre pelo que viveu, e isso já é uma indicação de que há um caminho. Muitos, provavelmente, ainda não sabem, contudo, o quão tortuoso será… – resumiu, a menos de um quilômetro da prefeitura, antes de saber do desfecho violento da noite.
Atento ao aspecto cibernético da convocação, Vladimir já saíra de casa bem informado:
– Quando olhei o computador, já havia 170 mil confirmações de presença. Ou seja, mais da metade de quem está aqui se mobilizou através das redes. Isso é interessante. Mas é preciso que se tenha uma linha. Se não tiver uma linha, a massa pode acabar se fracionando em diversos movimentos, ou até morrer. Não há ciência em movimento de massa. Ele acontece de repente, cresce de forma assustadora, e pode acabar de repente também.
No percurso, o ex-ativista e parlamentar, que nos anos de chumbo ficou preso por quase um ano e acabou exilado com tantos outros militantes, foi seguido de perto pelo cineasta Emílio Domingos – cujo filme “A batalha do passinho” estreia em agosto nos cinemas – e pela documentarista Júlia Mariano. As imagens, editadas em menos de 24 horas na forma de um curta-documentário para a seção Logo+, podem ser assistidas no site do GLOBO, através do link http://glo.bo/11EcyvD .
Depredação do Itamaraty deixa Brasília de baixo astral
Moradores de um espaço urbano privilegiado, com alta concentração de prédios assinados por Oscar Niemeyer, os brasilienses ficaram indignados com a depredação do patrimônio da capital federal – em especial, do Itamaraty e a da Catedral – durante as manifestações de quinta-feira.
No lamento geral nas ruas e nas redes sociais, as vozes de Brasília se dividem. Uns avaliam que os atos de vandalismo enfraquecem os protestos. Para outros, os exageros já eram esperados em um movimento tão heterogêneo e numeroso – e, de forma alguma, comprometem a legitimidade das reivindicações.
O músico e professor de História Claudio Bull sintetizou o sentimento que circulou no Facebook quinta-feira à noite, enquanto os ataques ao Itamaraty eram exibidos na TV:
– As pessoas estavam extremamente indignadas. O Itamaraty talvez seja a melhor obra de Niemeyer. Quando feriram o Itamaraty e a Catedral, feriram o brasiliense. Quem fez isso nem sabe o que é o Itamaraty, não faz sentido, politicamente, atacar o prédio. Como tinha muita polícia em frente ao Congresso, foram para cima do Itamaraty, que estava fragilizado.
Ministros e especialistas creem em mensaleiros presos este ano
Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e especialistas em Direito Penal têm esperança de ver concluído ainda neste ano o julgamento dos recursos apresentados pelos 25 réus condenados no processo do mensalão – e, com isso, que as penas comecem a ser cumpridas logo. Até lá, os advogados devem apresentar todos os recursos judiciais possíveis. Mas a aposta é que a Corte lance mão de instrumentos que impedem o atraso no cumprimento das sentenças. Mesmo com o clima de otimismo, os parâmetros da Corte não são animadores: condenado em outubro de 2010 a pena de prisão em regime inicialmente fechado, o deputado Natan Donadon (PMDB-RO) continua em liberdade, exercendo o mandato.
– O sistema processual permite a propositura de embargos reiterados. É claro que, num julgamento dessa magnitude, vão propor todos os recursos, mas o tribunal pode se recusar a julgar. O STF, quando há recursos protelatórios, pode aplicar penalidades (contra quem os propõe) – analisa o ex-procurador-geral da República Antonio Fernando de Souza, o autor da denúncia que deu origem ao processo do mensalão.
Apelo de ‘Volta, Lula’ já se ouve de petistas e aliados
A queda de popularidade do governo Dilma Rousseff, registrada em pesquisas recentes – Datafolha e CNI/Ibope -, somada ao desgaste inevitável provocado pelas manifestações que tomaram conta das ruas do país, reforçou sentimento latente na militância do PT: o desejo de que o ex-presidente Lula dispute as eleições de 2014. Esse anseio, porém, não é canalizado porque o próprio Lula não tem dado espaço. Líderes petistas negam a insatisfação da base partidária com Dilma e se apressam em sepultar essa discussão, afirmando que abrir esse debate seria um tiro no pé. Reservadamente, no entanto, parte deles admite o clima que cresce não só entre a militância, mas também entre parlamentares petistas e da base aliada.
– Essa discussão é de quem acha que o governo vai mal – afirmou o deputado Ricardo Berzoini (PT-SP), egresso do Sindicato dos Bancários.
A conversa na militância, no entanto, é outra. A única convergência é que a base do partido, disciplinada, concorda que não dá para fazer esse debate publicamente porque enfraquece a gestão Dilma.
– Se tivesse uma prévia hoje no PT, Lula teria 100% dos votos – afirmou um petista que trabalha no governo federal.
O único que falou abertamente sobre o assunto foi o senador Paulo Paim (PT-RS), dois dias depois de pesquisa Datafolha mostrar queda de oito pontos na popularidade do governo Dilma, no início do mês.
– A luz amarela acendeu, e temos que ter cuidado para não entrar no vermelho. Tem gente no PT que acredita que ele (Lula) pode voltar. Se for preciso, ele volta – disse Paim na ocasião.
As reclamações em relação a Dilma entre parlamentares da base aliada, inclusive do PT, sindicalistas, empresários e movimentos sociais são anteriores às pesquisas e às manifestações de rua. Agora, muitos confiam (e torcem para) que a presidente se abra mais ao diálogo.
Políticos veem erros e acertos no discurso de Dilma
O teor do discurso da presidente Dilma Rousseff em cadeia de rádio e TV, na sextafeira, foi elogiado pelos aliados, por ter mostrado que o país tem comando e vai combater os arruaceiros, mas não teve consenso nem entre os líderes da base governista. A oposição criticou o tom de campanha e a repetição de promessas antigas não cumpridas. Líder do PT na Câmara, José Guimarães (CE) elogiou a fala da presidente e disse que agora o Congresso terá de construir uma agenda de votações para atender às demandas da sociedade: — Foi um pronunciamento cirúrgico.
A presidente dialogou com o país, chamou o feito à ordem e mostrou que é produto da democracia brasileira. A pauta está dada e agora cabe ao Congresso construir uma agenda com o ideário colocado pela presidente e pelos movimentos. Presidente nacional do PSDB e pré-candidato à Presidência, o senador Aécio Neves (MG), em nota, disse que o pronunciamento de Dilma teve acertos e erros: acertou ao convocar, mesmo que com atraso, a rede nacional de rádio e TV para apresentar à população e ao mundo a palavra do governo brasileiro sobre os últimos acontecimentos; e errou no conteúdo, ao se dissociar da verdade e reproduzir exatamente o tipo de ação política que está sendo rechaçada nas ruas de todo o país.
Depois de falar com Lula, Campos liga para presidente
Enquanto aliados repercutiam o pronunciamento até nas redes sociais, a oposição criticava e dizia que Dilma ocupou o horário nobre “numa jogada de marketing”. — Repetiu promessas velhas, como investir em mobilidade urbana. Se não tinha respostas, não precisava usar o horário nobre — disse o líder do MD (ex-PPS) na Câmara, Rubens Bueno (PR).
Para o senador Álvaro Dias (PSDB-PR), Dilma “perdeu uma grande oportunidade de responder ao clamor das ruas”. — Ela não prometeu arrebentar a cabeça do monstro, que é esse sistema promíscuo, que faz o governo girar em torno de um balcão de negócios, gerando corrupção — afirmou, dizendo ainda que “foram palavras ao vento”: — Para ter efeito, ele deveria ter dito: “na semana que vem, mando ao Congresso a proposta de reforma política. Eu aceito as críticas de que 39 ministérios é muito e vou fazer uma reforma”.
Correio Braziliense
Que país é este tomado por manifestações?
Um movimento sem líderes, sem partidos, sem foco. Por mais que se tente comparar as cenas que o Brasil tem visto nas últimas semanas com outros momentos da história em que as cidades foram tomadas por protestos, todos têm dificuldade de achar uma explicação teórica ou lógica para o que ocorre agora. Especialistas ouvidos pelo Correio reforçam: não é o momento de ter certezas sobre o futuro, porque a voz das ruas, desta vez, tem muitos tons. Ainda que apostem em um arrefecimento das manifestações em breve, eles concordam que o fato é inédito e deve servir de reflexão, principalmente, para a classe política.
O diretor da ONG Transparência Brasil, Claudio Abramo, e o professor de Ética e Filosofia da Universidade de Campinas (Unicamp) Roberto Romano destacam que, apesar de existirem demandas difusas vindas dos manifestantes, a inconformidade com as instituições públicas e a corrupção são o ponto comum de todos os grupos. “O Estado brasileiro, que sempre foi muito repressivo e parasitário, está decepcionando cada vez mais a população. A máquina pública é lenta, enquanto a população tem informação em tempo real e está percebendo o quanto tudo isso incomoda”, comenta Romano.
Claudio Abramo ressalta que a rejeição dos manifestantes aos partidos é o maior reflexo de que há uma crise institucional no país. “Não defendo a inexistência de legendas, porque isso não funciona, mas as manifestações estão apontando a falência do sistema eleitoral brasileiro e a absoluta falta de representatividade dos partidos políticos, que parecem divorciados da comunidade que os elege”, argumenta.
Soluções dormem nas gavetas do Congresso
Começou com R$ 0,20, mas pode desaguar em milhões de reais a mais para saúde, educação e transporte de qualidade e milhões de reais a menos desviados dos cofres públicos pelo ralo da corrupção. Isso, se o grito dos brasileiros que ecoou pelas ruas das cidades de todo o país nos últimos dias também reverberar no Congresso Nacional. Lá, centenas de propostas de lei que poderiam dar resposta a quase todas as reivindicações da massa de inconformismo que tomou conta do país acumulam poeira. São projetos que tratam desde a melhoria da formação profissional até a reformulação de estruturas institucionais e a destinação de verbas para os serviços públicos.
A pauta é variada. O povo pede que seus impostos sejam traduzidos em escolas de qualidade, hospitais que não deixem pacientes morrerem nas filas e — o que inicialmente motivou a onda de reclamações — passagens grátis no transporte urbano para chegar ao trabalho. Também levantam cartazes a favor da garantia de direitos dos casais homoafetivos e para cobrar punição aos políticos corruptos.
Nas duas Casas do parlamento há, pelo menos, 2,5 mil projetos que tratam dessas demandas em tramitação. No discurso dos presidentes da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), os pedidos vão determinar a pauta a partir de agora.
Para reformar a política
Embalado pela série de manifestações que ocuparam o país na última semana, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) resolveu antecipar o lançamento da minuta de projeto de lei da reforma política. O objetivo é recolher 1,4 milhão de assinaturas a partir de hoje. Com uma série de medidas que pretendem coibir o desvio de dinheiro público e outras mazelas da política, o texto será apresentado nesta segunda-feira, mas o eleitor já pode assinar o apoio a partir de hoje, no site do movimento. O processo será nos mesmos moldes da campanha que originou a Lei da Ficha Limpa, mas o MCCE espera conseguir a meta em tempo bem menor devido à grande mobilização da população.
O projeto de lei propõe o financiamento exclusivamente público das campanha eleitorais. Na avaliação do MCCE, os recursos privados escondem o valor real do custo das campanhas, facilitando o caixa dois, “causa principal da corrupção eleitoral”, de acordo com o manifesto publicado na internet. Outra novidade é a eleição em dois turnos para deputados estaduais e federais, que mistura o voto em lista partidária com a escolha por nomes. Neste sistema, o eleitor votaria primeiro em um partido, que apresentaria uma lista de candidatos e o programa de governo. Na segunda etapa de votação, a lista de candidatos do partido seria reordenada de acordo com a vontade do eleitor.
Pressão para votar projetos
Pressionados pela multidão que ocupou o gramado em frente ao Congresso Nacional na semana e cobrados pela presidente Dilma Rousseff no pronunciamento à nação feito na noite de sexta-feira, os parlamentares prometem lotar o plenário da Câmara nesta semana. Nem os tradicionais festejos juninos, que provocam a revoada da bancada nordestina, parece ameaçar as votações. “Temos votações importantes na terça e na quarta-feira”, disse ao Correio o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN).
Um dos projetos, inclusive, foi citado nominalmente pela presidente na cadeia de rádio e televisão: a destinação de 100% dos royalties do petróleo para a educação, que está trancando a pauta graças a um pedido de urgência constitucional feito pelo governo. Além disso, a Câmara precisa apreciar com agilidade o novo sistema de distribuição dos recursos do Fundo de Participação dos Estados (FPE) aprovado pelo Senado. “Temos prazo para aprovar para que a União possa repassar os recursos o mais rapidamente possível para os estados”, completou o presidente da Câmara. “Os deputados estarão em Brasília para votar”, assegurou o deputado Sérgio Guerra (PSDB-PE). Ele não acredita na repetição de anos anteriores, com o parlamento parado. “Isso poderia ocorrer em momentos de distensão. Não é prudente neste momento de tensão que estamos vivendo”, completou o deputado tucano.
Os elogios da Fifa
A Federação Internacional de Futebol (Fifa) elogiou ontem o pronunciamento feito pela presidente Dilma Rousseff na sexta-feira. Em cadeia nacional de rádio e televisão, Dilma pediu que os brasileiros deem às delegações estrangeiras “a mesma acolhida generosa que recebemos deles. Respeito, carinho e alegria, é assim que devemos tratar os nossos hóspedes”. Nos últimos dias, com o aumento da tensão provocada pelos protestos em todo o país, começaram a circular notícias de que a Fifa já estudava locais alternativos para transferir os últimos jogos da Copa das Confederações ou até mesmo cancelar o torneio.
Sábado de confrontos e protestos pacíficos
Enquanto a Seleção estava em campo, na tarde de ontem, cerca de 100 cidades brasileiras eram tomadas mais uma vez por manifestações. Assim como ocorreu nos últimos dias, a maioria dos protestos começou de forma pacífica e acabou em tumulto, confronto com policiais e vandalismo. Em Salvador, onde o Brasil disputava a partida contra a Itália, a entrada de torcedores ocorreu tranquilamente graças a um cordão de isolamento feito em torno do estádio, mas a cidade protagonizou cenas de batalha na área externa e no Centro. Em outras capitais, como Belo Horizonte, manifestantes atearam fogo a veículos e bloquearam avenidas.
Palco da próxima disputa do Brasil na Copa das Confederações, Belo Horizonte registrou os mais graves confrontos com a Polícia Militar. Ao todo, segundo a PM, cerca de 120 mil pessoas ocuparam as ruas protestando contra os gastos dos jogos para o país, partindo em direção ao Mineirão, onde era disputada a partida entre Japão e México. No fim do dia, vândalos picharam prédios públicos, incendiaram carros e objetos e saquearam lojas e concessionárias de automóvel. A polícia reagiu com balas de borracha, gás lacrimogêneo e de pimenta. Pelo menos 15 pessoas ficaram feridas, sendo quatro policiais.
Rio conta o prejuízo após manifestações
O Rio de Janeiro amanheceu ontem contabilizando os estragos causados por vândalos na noite de sexta-feira. Um grupo aproveitou as manifestações para saquear e depredar estabelecimentos por onde passava. Só em uma concessionária na Barra da Tijuca, os prejuízos chegaram a R$ 2 milhões. Durante o dia, ativistas voltaram a se reunir e houve um protesto na praia de Copacabana, onde foram colocadas 500 bolas com cruzes vermelhas. Um grupo passou o dia acampado em frente à casa do governador Sérgio Cabral (PMDB).
A Polícia Civil informou que foram presos nove envolvidos na depredação. Eles foram autuados em flagrante por furto, dano ao patrimônio e formação de quadrilha e responderão também por corrupção de menores, pois entre os participantes havia cinco com menos de 18 anos. Os nove foram presos enquanto caminhavam pela Avenida Abelardo Bueno, na Barra. Um deles, Aleksandro da Conceição, já tinha mandado de prisão pendente por tráfico de drogas. Ainda na madrugada de sexta, 22 já haviam sido presos, dos quais 12 são menores de idade.
Jogos de guerra
Atingidos por rojões, os policiais militares posicionados em frente ao Congresso Nacional, na última quinta-feira, observavam os agressores, sem reagir. A aparente passividade é uma das estratégias para o que, agora, tornou-se uma prioridade para os órgãos de segurança pública: concentrarem-se na identificação dos vândalos e mostrar que eles não ficarão impunes pelos atos durante os protestos por todo o país. A meta é que os casos solucionados se tornem exemplo e, assim, espantem os “arruaceiros” dos movimentos, como a presidente Dilma Rousseff os definiu, no discurso em cadeia nacional de rádio, na sexta-feira.
A Polícia Militar do Distrito Federal usou câmeras durante a manifestação na Esplanada dos Ministérios para tentar gravar os atos de violência. Assim, ainda que pudessem deter os agressores, os policiais em ação preferiram não agir. Com receio de que as prisões fizessem com que os manifestantes pacíficos se voltassem contra a polícia e também partissem para a agressão, ou que falhassem no momento de captura dos agressores, os agentes, estrategicamente, ficaram de braços cruzados diante dos rojões atirados, enquanto os rostos dos arruaceiros eram filmados.
Um chamado para a política
O ato da última quinta-feira na maioria das capitais brasileiras é um marco pela forma como se apresentou nas ruas. Não tinha carro de som, bandeira de partidos ou sindicatos tremulando, nem gritos de ordem únicos. Faltaram apitos, bandas na linha de frente, panfletos e botons. Sobraram pessoas com cartazes improvisados, pintados à mão em cartolina, e rostos pintados nas cores do Brasil. Foi tão inédito quanto a ausência de pauta de reivindicação e a convocatória virtual, que fez com que mais de 1 milhão de pessoas saíssem da frente da tela do computador para ocupar as ruas.
Como o protesto se mostrou, o que ele representa e onde deve desembocar foram os principais temas tratados nas redes sociais nos últimos dias, após a onda de manifestações que tomou conta de 438 cidades. Passada a euforia maior, as teorias e os desabafos de participantes e observadores se multiplicam, seguindo o fluxo dinâmico próprio da web. “Estou muito confuso, tenho que dizer. E querendo esfriar a cabeça ainda mais. O fato é que, ontem, tive a impressão de uma caminhada pela paz e não esperava por aquilo (cenas de saques e vandalismo). Mas também sei que o mundo está mudando e que as revoluções estão se dando de outra forma”, postou Fernando Lima, publicitário do Recife, em sua página no Facebook. Da Praça do Derby, na capital pernambucana, de onde saiu a marcha de quinta-feira, até o fim da Avenida Conde da Boa Vista, notava-se uma predominância de pessoas vestidas de branco e com sorrisos estampados.
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