Ricardo Ramos e Diego Moraes |
O PT pagou passagens aéreas, em 2003, para familiares do então tesoureiro da legenda, Delúbio Soares, com recursos da conta em que o partido recebe o Fundo Partidário, financiado majoritariamente com dinheiro dos cofres públicos. Entre os dias 21 e 26 de julho, o demonstrativo de vendas da companhia aérea TAM, empresa com a qual o partido tinha convênio para realizar viagens, registra uma fatura de dez bilhetes, sempre no trecho entre Goiânia e São Paulo, para o pai de Delúbio, Antonio Castro, a mãe, Jamira Castro, a irmã Delma Regina Soares, o irmão Carlos Antonio Soares, e uma cunhada do ex-tesoureiro, Janete Cardoso. As passagens custaram R$ 5.310 e, assim como os demais bilhetes dos meses de julho e agosto emitidos ao partido, foram compradas com 50% de desconto da TAM. De R$ 255,5 mil, a fatura de nº 2015230 saiu por R$ 127,7 mil e foi paga no dia 1º de setembro de 2003 com um cheque nominal do PT da agência 3344-8, da conta 140.808-9, do Banco do Brasil (veja). O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) confirmou que essa é a “conta-mãe” do fundo partidário, a partir da qual a direção nacional movimenta os recursos concedidos pela União, efetua pagamentos e alimenta as outras contas do PT. Leia também De acordo com o artigo 44 da Lei 9.096 (Lei Orgânica dos Partidos Políticos), os recursos do fundo devem ser aplicados “na manutenção das sedes e serviços do partido, permitindo o pagamento de pessoal, a qualquer título”, nas campanhas eleitorais e na criação de institutos ligados ao partido. As passagens para os familiares do ex-tesoureiro do PT foram retiradas em três dias. Primeiro, em 21 de julho, a companhia aérea emitiu quatro passagens para o trecho Goiânia e São Paulo, ida-e-volta, para o pai, a mãe e a irmã de Delúbio. Quatro dias depois, a TAM registrou dois bilhetes para que o irmão e a cunhada de Delúbio viajassem de Goiânia a São Paulo. O retorno do casal ocorreu um dia depois, no dia 26 de julho (veja). “Sou gente pobre” Localizada pela reportagem em Buriti Alegre (GO), cidade natal de Delúbio Soares, a mãe do ex-tesoureiro negou ter viajado às custas do partido. Primeiramente, jurou nunca ter pisado em São Paulo e desligou o telefone. Em outro momento, irritada com as perguntas, aceitou gravar entrevista e sustentou a mesma versão: “Já falei pra vocês que eu não conheço São Paulo. Eu moro na roça, sou gente pobre. Nunca viajei de avião”, declarou Jamira Castro, ao novamente interromper o telefonema. A reportagem não localizou os demais parentes do ex-tesoureiro do partido. O PT confirma que o ex-tesoureiro pagou passagens para seus familiares. De acordo com a assessoria de imprensa do partido, Delúbio Soares usou, de fato, dinheiro da conta que recebe o fundo partidário, mas somente para aproveitar o convênio que a legenda tem com o BBTur, uma agenciadora de viagens vinculada ao Banco do Brasil, para a emissão de bilhetes para a TAM. “Isso é notícia velha, requentada”, disse a assessoria de imprensa do partido. Segundo a assessoria de imprensa do PT, todas os pagamentos de faturas feitas mediante esse convênio com a BBTur foram devolvidos, sem ônus ao partido. Ainda de acordo com o PT, Delúbio já havia justificado as despesas com parentes há dois meses, quando a imprensa noticiou o pagamento de passagens aéreas para familiares dele com dinheiro do partido. No entanto, o cheque obtido pelo Congresso em Foco para pagar as passagens é nominal à TAM e assinado por Delúbio Soares. Em e-mail enviado ontem pela manhã, a assessoria de imprensa do PT havia sido questionada sobre o pagamento feito diretamente à companhia aérea. Quanto à afirmação de Jamira Soares de que jamais viajou a São Paulo, a assessoria de imprensa sugeriu entrar em contato com o próprio ex-tesoureiro. Os dois advogados que atendem Delúbio não retornaram aos recados deixados ao longo do dia: Arnaldo Malheiros foi procurado em casa e no celular, mas estava em viagem ao exterior; Flávia Rahal, avisada por sua secretária em seu escritório, também não ligou de volta. Por determinação do presidente interino do PT, Tarso Genro, o secretário de Finanças do partido, deputado José Pimentel (PT-PE), analisou ontem as contas do diretório nacional, mas não comentou sobre as viagens pagas por Delúbio Soares. Sem dinheiro na conta Quatro dias após as últimas viagens dos parentes de Delúbio, no dia 1º de agosto, o Diretório Nacional petista informou ter recebido uma “entrada no caixa” de R$ 2.405,60, referente à devolução de 50% do valor de algumas das passagens aéreas emitidas em nome de pessoas ligadas a Delúbio. O mesmo documento que revela o lançamento não identifica a forma como os recursos empregados no pagamento dessas passagens foram devolvidos. Nos extratos bancários da conta do PT de n° 140.808-9 ao qual o Congresso em Foco teve acesso, não há qualquer depósito no valor de R$ 2.405,50 em favor do partido. Os documentos foram anexados ao processo de prestação de contas do Diretório Nacional do PT de 2003 entregue ao TSE. O material havia sido requisitado pelo senador Álvaro Dias (PSDB-PR), integrante da CPI dos Correios. Um anexo do documento de “entrada no caixa” lista os nomes dos pais, dos irmãos e da cunhada do ex-tesoureiro do PT para os quais havia sido pedida a emissão dos tíquetes. Além deles, aparece uma pessoa de nome Mariana Lima, cuja fatura também foi emitida no dia 21 de julho. Os bilhetes foram solicitados a pedido da Secretaria Nacional de Finanças, dirigida por Delúbio. Contudo, no papel não aparece a assinatura do então tesoureiro ou de qualquer outro integrante da tesouraria do partido (veja). A Direção Nacional tampouco computou, a título de devolução, o valor dos bilhetes de volta, de São Paulo para Goiânia, de Carlos Antonio Soares e Janete Cardoso, irmão e cunhada de Delúbio. Em nenhum ponto da prestação de contas, aparece uma justificativa para a emissão de todas as passagens. Legal, mas imoral Especialista em direito eleitoral, o advogado José Eduardo Alckmin afirma que, do ponto de vista jurídico, os partidos políticos tem autonomia para gerir os recursos do fundo partidário. Embora seja composto por verbas públicas, cabe aos dirigentes da sigla definirem como gastar o dinheiro repassado. “Se for interessante para o partido custear viagens para não filiados, o partido tem o direito. Apesar de o fundo partidário ser composto de dinheiro público, o estado não pode interferir na discriminação dos gastos, sob pena de interferir na autonomia do partido”, explica. Para Alckmin, o PT poderia, por exemplo, custear a viagem de um chefe de estado que, embora não seja filiado ao partido, atenda a algum interesse dos correligionários. “E não haveria nada de irregular nisso”, afirma. Porém, reconhece que, do ponto de vista ético, pagar viagens para familiares está fora dos interesses partidários. “Do ponto de vista ético, não tenho dúvidas de que houve emprego de recursos fora da finalidade”, reforça o especialista. O presidente da Associação dos Juizes Federais do Brasil (Ajufe), Jorge Maurique, explica que, mesmo se constatado o uso de recursos do fundo partidário para uso pessoal de familiares de dirigentes, a legenda não corre o risco de perder o direito ao repasse das verbas. “Mas é claro que a União não repassa recursos para fortalecer dirigentes e, sim, o partido. Pode não haver implicação legal na Justiça Eleitoral, mas os filiados podem entrar com uma ação, podem protestar”, enfatiza Maurique. O fundo partidário é formado por 5% do imposto de renda que cada contribuinte paga ao governo federal. Em 2003, ano das viagens pagas pelo PT a parentes de Delúbio, o partido recebeu R$ 22,9 milhões dos cofres públicos para custear despesas. Neste ano, já foram repassados R$ 14,9 milhões às contas do partido. |