Hoje, em tempos de pré-sal, um novo período de crise não só do petróleo, mas, principalmente da Petrobras, e a derrocada do Proálcool contrastam com os avanços do agronegócio, que tem sustentado ano a ano o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro – entre 22% e 23% do PIB em 2014 (cerca de R$ 1,1 trilhão), segundo dados do Ministério da Agricultura. Com a indústria e o setor de serviços fragilizados, é mesmo a agropecuária que continuará salvando o Brasil nos próximos anos. É o que diz ao Congresso em Foco, nesta entrevista exclusiva (leia íntegra abaixo), o ex-ministro da Agricultura Alysson Paulinelli, que chefiou a pasta entre 1974 e 1979, no período subsequente ao chamado “milagre econômico” (1968-1973) dos anos de chumbo.
Leia também
Mas, segundo Paulinelli, o crescimento e o aprimoramento do agronegócio começam a ser ameçados por indicativos preocupantes, detectados por entidades como o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), fundado na Costa Rica em 1942, e o Fórum do Futuro, voltado a propostas de desenvolvimento sustentável. Para Paulinelli, engenheiro agrônomo que preside do Conselho Consultivo do Fórum, “erros crassos” na economia foram cometidos em governos anteriores e mantidos pelo atual.
“Ela [presidenta Dilma Rousseff] cometeu erros crassos. E ela sabe disso. Agora, ela tem de ver como recomporá o governo. A estratégia, a gente vê, ela está tentando achar. Mas não será muito fácil, não. Acho que hoje ela tem uma fragilidade grande”, observou Paulinelli, que foi agraciado em 2010 com o The World Food Prize, prêmio norte-americano considerado o “Nobel” da agricultura. A condecoração foi resultado do projeto por ele capitaneado no cerrado brasileiro que, entre outros benefícios, transformou o bioma em celeiro de produção de alimentos.
Retrocesso
Durante evento que reuniu em Brasília a cúpula do IICA e do Fórum do Futuro, em 23 de abril, Paulinelli manifestou preocupação com o fato de que, na década de 1980, o consumo de alimentos comprometia cerca de metade da renda familiar da maioria dos trabalhadores, caiu a “13% ou 14%” e agora ameaça retornar aos 50%. Ele aponta como principais razões para o retrocesso a infraestrutura precária, sistemas de informação defasados e falta de políticas de estímulo à produção.
Mas, apesar dos problemas, o ex-ministro demonstra otimismo. E explica que ao menos o governo Dilma acertou quando escolheu para o Ministério da Agricultura a senadora tocantinense e presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Kátia Abreu. “A Kátia foi forjada no sistema produtor. Eu que sempre vim criticando os atuais governos de estar escolhendo ministros através de ajeitos, trocas de moeda com os partidos da base, fiz questão de dizer que, desta vez, eu sinto que houve uma escolha. Não foi uma troca”, resumiu.
Diretor geral do IICA, o agronômo mexicano Victor Villalobos também se disse entusiasmado com as oportunidades que o Brasil oferece, mesmo em tempos de crise econômica e ajuste fiscal, com juros altos e redução do crédito. Ele disse à reportagem que o país, por suas peculiaridades, é sempre promissor no que diz respeito à agropecuária.
“Nós sempre vemos o Brasil como um país que tem um grande potencial de avanço tecnológico. Ademais, tem uma vasta riqueza de climas e de condições para produzir uma grande quantidade de produtos que, hoje em dia, são demandados no mundo. Considero que estas crises são, de alguma forma, cíclicas, e que sem dúvida isso será superado em breve”, analisou Villalobos, para quem a turbulência é passageira. “Durante as crises, que podem ser de caráter político ou econômico, a verdade é que a demanda por alimentos se manterá. E o que estamos vendo é que a demanda por alimentos, particularmente daqueles que têm recebido tecnologia no Brasil, se manterá.”
Villalobos disse ainda que o país tem de priorizar seu potencial exportador e aproveitar o recuperação econômica de parceiros comerciais, que voltarão a recorrer aos grandes produtores. “Agora estamos, digamos, em uma redução de demanda, mas acreditamos que essa queda não se dará por muito tempo. Ainda assim, os países que mais demandam estão crescendo [economicamente] por volta de 5% a 7%. Então, há uma estabilidade relativa e reconhecemos que é [um problema] cíclico”, declarou o dirigente mundial do IICA, membro da Royal Swedish Academy of Agriculture and Forestry.
Leia a íntegra da entrevista com o ex-ministro Alysson Paulinelli:
Congress em Foco: A agricultura e a pecuária têm sustentado o Produto Interno Bruto nos últimos anos. O país não tem dado mais atenção ao setor agropecuário do que à ciência e tecnologia, por exemplo? A indicação de Kátia Abreu para o Ministério da Agricultura foi acertada?
Paulinelli: Eu quero dizer que tenho muita esperança. A Kátia foi forjada no sistema produtor. Demonstrou ter uma liderança muito forte, é competente, muito trabalhadora, e obstinada no que faz. Acho que é uma boa oportunidade. Eu que sempre vim criticando os atuais governos de estar escolhendo ministros através de ajeitos, trocas de moeda com os partidos da base, fiz questão de dizer que, desta vez, eu sinto que houve uma escolha. Não foi uma troca. Acho que ela pode exercer um papel muito importante. A Kátia tem condições para isso. Agora, tenho minhas preocupações com o que está se passando com relação à economia e à crise que estamos vivendo. Trata-se de uma crise que não é só econômica, mas moral, também. E isso está atrapalhando o Brasil. Acho que, se ela conseguir impor esta férrea vontade que ela tem… Elas tem o discurso mais afinado deste governo. A agricultura é o que sustenta o Brasil, hoje. Ela tem condições de obter um espaço para poder compensar… Estou com muito medo de que estejamos vivendo às vésperas de um anunciado – ou não – plano econômico, e acho que será horrível para o Brasil. É ela quem tem de procurar uma forma de amenizar isso para o produtor.
Um plano econômico seria mais uma demonstração de fraqueza do governo Dilma Rousseff ou apenas um rearranjo normal em tempo de crise?
Não vou levar para esse lado, se é fraqueza ou não. Erros muito fortes foram cometidos. Vocês da imprensa estão chamando a atenção para isso, nós [setor produtivo] gritamos, agimos. As coisas agora apareceram. É natural que você, quando tenta esconder alguma coisa, tem limites para esconder. Quando as coisas aparecem, complicam…
Quais foram os erros?
Por exemplo, esta contabilidade [das contas públicas] genial que desenvolveram aí… (risos) Ela furou. Esse problema de previsão de gastos, custos de obras etc, também está furado. Isso é complicado. Mas, sob o ponto de vista agrícola, o país precisa ser inteligente. Precisa acreditar no setor. O setor ainda pode ampliar a produção e trazer mais recursos para o Brasil se for bem estimulado.
O senhor disse que há até bem pouco tempo o trabalhador tinha metade da renda comprometida com a alimentação, tamanho eram os custos da produção agrícola, e esse percentual caiu para 13%, 14%. E que, mais recentemente, esse índice voltou a subir em razão dos erros dos governos mais recentes. O que pode ser feito para reverter a tendência?
É complicado… Na realidade, a gente tenta analisar o que está acontecendo e aparecem algumas coisas. A infraestrutura está sendo a grande causadora desses custos; alguma coisa que estava organizada aí no Sinac (Sistema Nacional de Centrais de Abastecimento) foi perdida – aquele sistema nacional de informação praticamente está destroçado. E, no mercado, informação é fundamental. E a terceira coisa que eu vejo, infelizmente, é exatamente a falta de instrumentos de política pública para podermos estimular a produção. Isso não pode continuar como está hoje.
Como o senhor vê a figura da presidenta Dilma Rousseff hoje, diante dos índices de rejeição ao seu governo? Ela está excessivamente fragilizada?
Não vou dizer fragilizada. Ela cometeu erros crassos. E ela sabe disso. Agora, ela tem de ver como recomporá o governo. A estratégia, a gente vê, ela está tentando achar. Mas não será muito fácil, não. Acho que hoje o governo tem uma fragilidade grande.