Os sucessivos recordes em economia de gastos obtidos pelo governo federal, o chamado superávit primário, nos últimos anos, ocultam despesas não pagas que alcançaram R$ 39,6 bilhões no início do último ano de mandato do presidente Lula, revela reportagem da Folha de S. Paulo. Para o Tribunal de Contas da União (TCU), o número é “preocupante”.
O volume de contas pendentes de pagamento no início de 2006 era mais de três vezes o limite de gastos determinado para investimentos no ano. Fixado por decreto presidencial em R$ 13 bilhões, o limite de gastos não é suficiente nem para pagar os investimentos já contratados até dezembro de 2005, no valor de R$ 13,2 bilhões, segundo o Siafi (sistema informatizado de acompanhamento dos gastos federais).
De acordo com a reportagem de Marta Salomon, restam a Lula três opções: cancelar parte dos gastos já comprometidos, a maior parte objeto de contratos e alguns referentes a serviços e produtos já entregues – o que pode resultar em calote; radicalizar os cortes de gastos em ano eleitoral ou aumentar ainda mais o volume de despesas pendentes, conhecidas no jargão das contas públicas como “restos a pagar”.
Leia também
Nesse último caso, Lula ou seu sucessor começará o mandato em 2007 com parte importante dos tributos a serem arrecadados comprometida com gastos passados. O maior constrangimento vai ocorrer nos ministérios da Saúde, da Defesa e dos Transportes, que registram o maior saldo de contas pendentes. Questionada sobre as alternativas acima, a Secretaria do Tesouro Nacional disse que o volume de restos a pagar em 2006 “não deve ser superior ao montante registrado ao final de 2005”.
Ao calcular o superávit primário (economia destinada ao pagamento de juros da dívida pública), o governo não leva em conta despesas não pagas. Dados do Tesouro Nacional mostram que os superávits obtidos a partir dos acordos com o FMI, em 1998, deixaram de lado grande volume de despesas.
Em 2003, quando oficialmente o governo economizou R$ 39,6 bilhões para juros e encargos da dívida, os restos a pagar somaram R$ 33,5 bilhões (equivalente a quase 85% do superávit do governo central). No segundo ano de Lula, a conta dos restos a pagar encolheu mais de R$ 10 bilhões. Entre 2004 e 2005, voltou a crescer: 78%.