Ricardo Ramos
A CPI dos Correios apresentou ontem 11 notas fiscais frias emitidas pela agência DNA Propaganda, do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, que podem confirmar a existência de financiadores privados no esquema de repasses de recursos para partidos da base aliada. Dez notas foram faturadas em nome da empresa de telefonia Amazônia Celular, em valores próximos de R$ 100 mil, mas a maior delas, de R$ 6,4 milhões, foi para a Visanet, operadora dos cartões de crédito e de débito Visa no Brasil.
A papelada integra uma amostra de documentos parcialmente queimados em Belo Horizonte, apreendida pela Polícia Federal em julho passado. Os papéis sigilosos foram analisados pela Receita Federal antes chegar à comissão. “Há dois meses, já existe esse indício (da existência de financiadores privados)”, afirmou o deputado Eduardo Paes (PSDB-RJ), relator-adjunto da CPI dos Correios. “Agora, damos alguns passos nessa linha de investigação”, acredita Paes.
A Amazônia Celular, empresa que repassou R$ 32,49 milhões para as contas de Valério nos anos de 2003 e 2004, tinha como controlador o Banco Opportunity, do empresário Daniel Dantas. A Visanet, um dos maiores depositantes das contas do empresário mineiro, com R$ 80,3 milhões no mesmo período, tem como acionista, além dos financiadores privados, o Banco do Brasil. O BB tem 31,9% das ações da empresa.
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Hoje, a CPI divulga um relatório parcial no qual será desmontada a versão de que os empréstimos feitos por Valério nos bancos Rural e BMG foram as reais fontes do mensalão. Na edição de ontem, o Congresso em Foco listou 26 possíveis financiadores do valerioduto, entre empresas públicas e privadas (leia mais). A partir de agora, a comissão vai canalizar seus esforços para investigá-las até abril de 2006, provável prazo para o término dos trabalhos.
Notas frias
O Fisco escolheu as notas por amostragem. Das 27 examinadas, 11 não faziam parte dos registros contábeis da DNA Propaganda e tampouco das duas empresas favorecidas. Todas elas haviam sido emitidas pela filial da agência de publicidade em Rio Acima (MG).
Para terem certeza de que dinheiro da Visanet e da Amazônia Celular abasteceu o valerioduto, a CPI terá de esperar o resultado das auditorias nessas empresas. Elas terão de confirmar se o dinheiro repassado teve, como contrapartida, a realização de serviços de publicidade. “É mais crível acreditar que o Valério tenha emitido essas notas sem as empresas saberem”, pondera o relator da comissão, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR).
Em nota oficial, a DNA negou que tenha utilizado documentos não contabilizados. Disse que as notas apresentadas pela CPI foram canceladas, na época, por falha no faturamento do sistema contábil da empresa.
No início da noite, foi a vez da Visanet confirmar a versão de Valério. Segundo a operadora de cartões, a nota fiscal divulgada (de n° 33.601) foi cancelada em 7 de novembro de 2003 e substituída pela de nº 33.997, quatro dias depois. Os pagamentos dessa nota referiam-se, segundo a operadora de cartões, a repasses ao Fundo de Incentivo a Atividades de Marketing.
A Amazônia Celular também informou que não fez os pagamentos à DNA referentes às notas analisadas pela Receita. "A Amazônia Celular reitera que não reconhece, não pagou e não contabilizou as notas fiscais supracitadas", diz a empresa. "A Amazônia Celular é uma empresa de capital aberto e passa por constantes auditorias internas e externas. Portanto, não é possível nenhum pagamento sem registro da contabilidade", complementa a nota divulgada.
“Contabilidade frágil”
Em entrevista coletiva no final da tarde, a CPI revelou dados contábeis das empresas de Marcos Valério que confirmariam a “fragilidade contábil” delas e a versão de que os empréstimos nos bancos BMG e Rural eram operações financeiras de fachada.
Segundo a comissão, não há registros contábeis de nenhuma empresa de Valério entre os anos de 1998 e 2002. Até hoje, a SMP&B, a Grafitti e 2S, empresas das quais Valério é sócio, também não possui esses registros. A DNA Propaganda, também de Valério, só registrou esses livros em 16 de setembro deste ano, três meses depois do início das investigações da CPI.
“É muito frágil (a argumentação de Valério) para pretender desacreditar a versão desta relatoria”, afirma Osmar Serraglio (PMDB-PR). “A SMP&B não tem diário registrado. A DNA tem diário registrado agora em setembro, um livro improvisado, com folhas soltas, com vácuo nos períodos, datas e interregnos em que lançamentos podem ter sido excluídos. Os documentos dos últimos cinco anos praticamente não existem.”
As irregularidades em contábeis da empresas de Valério já renderam multa de cerca de R$ 60 milhões para a DNA.
Advogado contesta CPI
Na manhã de ontem, o advogado do empresário, Paulo Sérgio de Abreu e Silva, procurou integrantes da CPI para entregar documentos referentes ao contrato da DNA com a Visanet. Na semana passada, Serraglio divulgou que parte dos recursos desse contrato teria sido repassada pela DNA a partidos políticos.
O advogado de Marcos Valério afirmou que a assessoria do relator errou na análise dos dados. “Não tem credibilidade a afirmação de que houve transferência de dinheiro público para o PT ou o uso de notas fiscais frias pela DNA, com base em apurações em andamento na Receita Federal e no Banco do Brasil”, concluiu.
Ele disse também que a agência de publicidade é quem tem dinheiro a receber do Banco do Brasil, o responsável por custear o contrato da Visanet. A dívida chegaria, segundo o advogado, a quase R$ 13 milhões. O BB, por sua vez, alega que pagou R$ 9 milhões adiantados a Valério por serviços não prestados e cobra a devolução desse montante.
Abreu e Silva disse ainda que recomendará ao seu cliente que entre com uma ação contra o Banco do Brasil para receber esses recursos. O deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA) ironizou a suposta dívida de Valério com o banco. “Se ele tinha R$ 13 milhões a receber, por que ainda não cobrou?”, questiona.
O relator da CPI também desqualificou os papéis apresentados pela defesa de Valério. “Qual o grau de confiabilidade que pode ser dado a essa documentação diante de tudo que a Receita detectou até agora? Tanto que foi aplicada uma multa de R$ 63 milhões à DNA. De qualquer forma, vou propor nova fiscalização na empresa”, disse Serraglio.