Renata Camargo
A Associação Brasileira de Radiodifusores (Abra) é uma das entidades que oferece forte resistência à criação do Conselho Nacional de Comunicações, que serviria para analisar, fiscalizar e deliberar sobre as mídias e suas concessões. Na avaliação do advogado da Abra, Walter Ceneviva, que participa da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), o conselho poderá cercear a liberdade de expressão ao interferir no conteúdo das programações da mídia.
A Abra e a Associação Brasileira de Telecomunicações (Telebrasil) são as duas únicas entidades representantes do setor empresarial que participam da Confecom. O número de participantes ligados a essas duas entidades, no entanto, é a mesma quantidade de representantes de movimentos sociais. Isso explica o porquê de os empresários conseguirem derrubar várias propostas desinteressantes para o setor, como a criação de um código de ética do jornalismo como forma de controle do que é veiculado na imprensa.
Leia a entrevista com Walter Ceneviva da Abra
Como avalia a criação do Conselho Nacional de Comunicação?
Temos uma preocupação muito grande de todas essas propostas de criação de conselhos. Essas propostas traduzem um momento que tem se observado na legislação argentina, venezuelana, equatoriana e boliviana, um movimento de cercear a liberdade de expressão, de calar, de garrotear os veículos que exercem a liberdade de expressão, que são os veículos privados. Nos assusta e nos incomoda essa proposta de um conselho nacional. Salvo se for um conselho para verificar o cumprimento das obrigações dos concessionários. Nós temos obrigações como concessionários. Devemos satisfação à sociedade com base na lei e no contrato de concessão. Se o conselho for para verificar essas obrigações, tem sentido.
Qual o caráter cerceador que um conselho de comunicação poderia ter?
Seria um conselho que vai aprovar ou reprovar a qualidade da programação. Eu não sei qual é o canal que você assiste. Eu gosto da Band. Assisto o CQC, Jornal da Band… adoro o futebol da Band. Quem comenta o futebol da Band é o Neco e o Milton Neves, que têm um sotaque caipira do interior de São Paulo. Eu gosto desse sotaque. E se o conselho entender que tem que ter um comentarista baiano ou pernambucano? Isso não faz sentido nenhum. Quem escolhe isso é o público. A gente monitora e capta a percepção do público, o gosto do público, e monta equipes para atender a demanda do público. E não a demanda de cinco a dez burocratas em Brasilia, que se organizariam em um conselho para dizer o que a gente pode ver e não pode ver. Nunca ninguém pode escolher o que nós vamos ver. Isso quem escolhe somos nós.
Como você avalia a interferência do conselho na outorga de concessões de radiodifusão?
Avalio como uma coisa gravíssima. O Ministério das Comunicações, junto com o Congresso Nacional, fiscaliza o cumprimento das obrigações. A gente até admite que pode melhorar esse processo de fiscalização, mas ele já existe. Agora, ficar um conselho centralizado dizendo o que pode e o que não pode, se renova a concessão ou não renova a concessão, isso implica em duas coisas: ou o veículo se ajoelha aos pés do conselho, ou não renova a concessão. Isso é gravíssimo. A imprensa não pode estar aos joelhos de nenhum burocrata nem do presidente da República nem do Congresso Nacional. A imprensa tem que ser livre e independente em benefício da cidadania.
A Confecom aprovou uma proposta que proíbe que políticos e parentes tenham concessão de radiodifusão. Como a Abra recebe essa proposta?
Muitas propostas nessa conferência são inócuas, são propostas que não têm efeito prático relevante. Esse é o caso dessa proposta. A Constituição Federal e a legislação específica da radiodifusao já têm essa previsão. O que é preciso é que se fiscalize e se controle melhor essa proibição. Mas ela já existe, só tem que ser cumprida.
Por que o setor empresarial rejeitou a criação de um código de ética do jornalismo como mecanismo de controle público.
A provaçao de um código de ética da maneira que a Fenaj propõe é um erro. É um erro por quê? Porque a gente defende a falta de ética e um jornalismo criminoso? É evidente que não. É porque o Brasil tem um Poder Judiciário independente, e o jornalista que abusar da liberdade de expressão vai ser punido. Há milhares de jornalistas punidos por abuso de liberdade de expressão. Criar um código de ética como controle público, com cinco burocratas dizendo o que vai e o que não vai ao ar, vai gerar uma mordaça na boca do jornalista. Um jornalista mais ácido, mais crítico e mais duro nas palavras, pode ser considerado antiético. A ética é um conceito muito subjetivo. Não é possível a gente tolher a liberdade de trabalhar, com base em julgamento subjetivos.
Os empresários também barraram propostas que estabelecem cotas para espectro e percentuais de programação. Por que vocês votaram contra?
O espectro são os canais por onde vão as radiofrequências. A demanda por espectro, nós nos preocupamos. Deixamos de apoiar a votação de percentuais não para auferir vantagem, nem para impedir o outro de auferir vantagem. As demandas do setor educacional, privado e público têm que ser atendidas conforme se apresentem. Aqui em Brasília, por exemplo, quantos produtores audivisuais existem para canal educativo? Uns dois. Quanto canais comerciais? Uns seis. Quantos do poder público? Três ou quatro. As demandas são diferentes e a questão do espectro tem que ser feita com inteligência. Achar que se deve dividir igual é uma solução infantil.
Mas é possível estabelecer alguma cota nesse sentido?
Possível sempre é. Mas não é necessário. Quando você almoça, você acomoda a comida no prato do jeito que você gosta. Você não fica medindo. Você acomoda conforme a necessidade. Mal comparando, mas vale o exemplo com o espectro. Se tiver demanda para 20 canais públicos, você poderia reservar 20 canais. Mas não existe essa demanda. A gente tem que adequar a locação do espectro a demandas concretas e efetivas. Esse é um falso conflito. Tem espectro para todo mundo.
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