Toda a população está agora com a pressa necessária que a crise que atinge o nosso país está tendo, mas, nesta Casa, no momento em que estamos escrevendo uma página na história política brasileira, tão grave e tão especial, precisamos, sim, de paciência, de serenidade e de responsabilidade.
E é exatamente por isso que começo a falar, usando palavras de um líder espiritual que o mundo se encantou exatamente por ter um comportamento de humildade, de credibilidade, sintonizado com o seu tempo. Papa Francisco, falando, na Praça de São Pedro, no Vaticano, aos milhares de fiéis do mundo inteiro, olhando para o Brasil, declarou que deseja que o Brasil “siga pelo caminho da harmonia e da paz”, para superar os momentos de dificuldade por que atravessa.
E é exatamente da harmonia e da compreensão que nós precisamos. Aliás, essa mesma atitude pautou também uma declaração feita pelo líder Barack Obama, numa visita feita à Argentina, quando disse: “Cabe aos brasileiros soberanamente deliberar neste momento difícil da vida desse país.”
A responsabilidade do que estamos fazendo hoje cabe tão somente e exclusivamente a nós senadores, porque esta Casa, a partir de agora, é um tribunal político. Como tribunal político, senador Renan Calheiros – a sua experiência sabe –, nós aqui não temos hoje, como não tivemos ontem, nenhuma alegria, nenhuma satisfação de estar decidindo e julgando um político. Não foi alegre a sessão de ontem, quando cassamos o mandato de um colega senador, e não é feliz também o momento de hoje, mesmo sabendo da responsabilidade que paira sobre os nossos ombros e da cobrança da sociedade, que tem pressa, mas aqui nós temos que continuar combatendo o bom combate, debatendo democraticamente, respeitando o contraditório, o que foi feito, inclusive, na sessão desta manhã.
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Não me incomoda, absolutamente, em nome da democracia, o direito de todas as questões de ordem levantadas aqui, de todos os posicionamentos, porque isso é a prova mais clara de que todo contraditório, toda ampla defesa foi respeitada pela Casa, não havendo e não abrindo possibilidade alguma para que a denunciada, a senhora presidente da República, ou seus advogados, defensores aqui com tanta lealdade… Eu, estando do outro lado, respeito aqui aqueles advogados que, com uma fidelidade exemplar, defenderam a senhora presidente, bem como a senadora Gleisi Hoffmann, a senadora Fátima Bezerra, a senadora Vanessa Grazziotin, o senador Lindbergh Farias, o senador Telmário Mota, que estiveram na frente de batalha para defendê-la.
Esta é uma Casa democrática, contraditória. Posso não concordar com nada do que foi defendido aqui, mas respeito e respeitarei sempre o direito dessa manifestação. É assim que nós praticamos a democracia.
Eu queria dizer que reconheço que nós combatemos o bom combate, fizemos o bom debate. O rito desse processo, o rito do processo que estamos seguindo foi definido ali pelo Supremo Tribunal Federal, garantindo à Presidente da República o amplo direito de defesa e também do contraditório. O rito seguido lá, na Câmara dos Deputados, está sendo respeitado aqui, no Senado.
Se não fosse assim, caberia ao próprio Supremo Tribunal Federal suspender este processo, se provocado. E não o fez, pois as leis e a Constituição, esta Carta, que é a nossa Bíblia, estão sendo cumpridas com muito rigor, e eu diria até religiosamente, porque esta é a nossa Bíblia. O Supremo Tribunal Federal é o guardião dela, o guardião da Constituição, escrita em 1988. E, de lá para cá, por duas vezes, esta é a segunda vez em que a Casa é transformada num tribunal político.
A acusação contra a presidente da República lhe imputa crimes de responsabilidade: as chamadas pedaladas fiscais, ou fraudes fiscais – isto ofendeu o art. 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal –, financiando gastos de bilhões de reais, por intermédio de artifícios junto aos bancos públicos, o que é vedado expressamente por lei. Assinou também seis decretos, autorizando despesas não previstas no Orçamento, quantias que atingiram bilhões de reais, sem cobertura legal, ofendendo, nesse caso, a Lei Orçamentária nº 13.115, de 2015. Fez isso também sem a prévia autorização do Congresso Nacional, que é necessária quando o governo gasta mais do que o previsto, colocando em risco o cumprimento das chamadas metas fiscais.
São graves, portanto, os fatos imputados contra a senhora presidente da República. Entendo, dentro e diante de todo esse material probatório produzido até aqui, que há, sim, enquadramento típico e lastro de provas suficientes para a admissibilidade do processo de impeachment para que a Presidente da República se defenda com todas as garantias previstas na Constituição e asseguradas pelo Supremo Tribunal Federal.
Mas o que são, no entendimento da população brasileira, que está nesta hora nos acompanhando, de norte a sul, de leste a oeste, em todos os rincões do nosso país, cobrando, fiscalizando e acompanhando? O que, na prática, significa para a população brasileira, que está acompanhando este processo com avidez, com interesse, e sabe que isto e esta decisão têm impacto no seu cotidiano? E o que são pedaladas fiscais, porque pode não haver a compreensão técnica, já que isso é uma questão usual e compreensiva para os especialistas? O que são pedaladas fiscais? O que é não respeitar a Lei Orçamentária do país? O que é fazer decretos sem autorização? O que isso provoca no dia a dia dos brasileiros?
O que isso provoca? A sociedade já poderia responder: 11 milhões de desempregados – 11 milhões de desempregados! –; a taxa de juros, a taxa básica de juros, está em quase 15%, 14,5%; a inflação está em 9,28%. E o que faz a inflação se elevada? Corrói o poder aquisitivo de toda a classe trabalhadora. Isso é sentido a cada dia em que uma dona de casa vai a um mercado, a uma feira, a uma quitanda, fazer uma compra de uma fruta, comprar os alimentos do seu dia a dia. É nessa hora – é nessa hora! – que a população sabe o preço e o custo das tais pedaladas fiscais, do tal não respeito à Lei Orçamentária; é nessa hora que o povo sente na pele.
Talvez não saiba traduzir que aquilo que ele está sentindo e pagando do seu próprio bolso, o seu desemprego, é causa e consequência das pedaladas fiscais, do não respeito à Lei Orçamentária, dos decretos sem autorização do Congresso, empresas fechando, endividamento elevado das famílias, dos estados, dos municípios, da própria União.
Só na saúde, o déficit deste ano é de R$20 bilhões no Orçamento, R$20 bilhões já contratados. E o que isso significa para o cidadão que bate à porta de um hospital e não encontra vaga para sua internação? E é exatamente por isso e por não estarem sendo sequer reajustadas as tabelas do SUS, por falta desse dinheiro. Vinte bilhões é o déficit na saúde; R$150 bilhões é o déficit geral, em 2016. Provocado por quê? Pelas pedaladas, pelo não cumprimento do Orçamento, pela não gestão adequada do dinheiro disponível, queda da receita. Vinte bilhões que faltam à saúde estão comprometendo o atendimento dos hospitais comunitários, dos hospitais filantrópicos, das santas casas espalhadas por todo o país, já não conseguem mais atender às demandas da população.
Essas dificuldades são cobradas no ativismo político, no ativismo da cidadania, no ativismo democrático de um fato novo que está permeando a sociedade brasileira: o ativismo das redes sociais. Diferente dos anos 90, no afastamento do ex-presidente Fernando Collor, agora, em 2016, as redes sociais se transformaram no mais democrático palanque da sociedade. Cada cidadão, cada cidadã, em qualquer recanto, com qualquer poder aquisitivo, pega seu celular, usa o Facebook, usa o Twitter, usa os grupos do WhatsApp para manifestar ora o seu aplauso, ora a sua indignação com tudo que está acontecendo em nosso país. E é exatamente isso que reforça que o que estamos vivendo hoje é a consolidação democrática de nosso país, com as instituições funcionando no pleno vigor: o Supremo Tribunal Federal, o Executivo e o Poder Legislativo. E é exatamente essa consagração dos valores e dos princípios democráticos que nos anima a ter serenidade, responsabilidade e a certeza de estarmos hoje, cumprindo com a nossa responsabilidade, com a expectativa que a sociedade brasileira inteira, voltada hoje para esta Casa, neste momento, aguarda de nós: serenidade, responsabilidade.
A sociedade tem pressa, presidente, mas nós não podemos atropelar o processo que está em curso nesta Casa, no nosso Senado Federal, que está, como eu disse, transformado agora num tribunal político. É exatamente por conta disso que nós temos que zelar, continuar zelando, continuar trabalhando, como V. Exª ontem, na decisão que fez: com muita responsabilidade e altivez, negou aquela manifestação da Câmara, inadequada, inoportuna e, eu diria, até equivocada e esdrúxula para o momento que nós estamos vivendo.
Então, V. Exª está aqui, sim, não apenas se pautando pelo que determina esta Constituição, que V. Exª ajudou a escrever em 1988, mas também seguindo o que determina o Regimento Interno da nossa Casa.
É por isso que a sociedade está aguardando de nós esta palavra. E o meu julgamento aqui será um julgamento no convencimento do que está contido no relatório do senador Antonio Anastasia, feito com precisão, com conteúdo, com fundamentação inquestionáveis e qualidade para qualquer especialista, ao lê-lo, respeitá-lo, exatamente pela responsabilidade como fez esse relatório aprovado por 15 votos a 5 na Comissão Especial, presidida pelo senador Raimundo Lira.
Este é um momento histórico, e nós não vamos dar as costas à sociedade brasileira. Ao contrário, de braços dados com a população, que nos acompanha neste momento, estamos dando uma resposta que, eu tenho certeza, é a que ela espera. E este fato e esta página da história estão mostrando mais uma vez que ninguém, nem a presidente da República, nem o vice-presidente, nem o presidente do Senado, nem o presidente da Câmara, nenhum governador, nenhum prefeito, nenhum senador, nenhum deputado está acima da lei. A lei é para todos. E temos a obrigação e o dever de respeitar a lei.
É exatamente por isso que encaminho o meu voto favorável ao impedimento e à admissibilidade deste processo.
Discurso proferido na sessão do impeachment no Senado, no último dia 11, que resultou no afastamento da presidente Dilma Rousseff .