Época
As novas evidências de corrupção e caixa dois num contrato da Petrobras com a Odebrecht
Há cerca de dois anos, a presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster, convocou os principais executivos da estatal para uma reunião. Graça Foster, como é conhecida, assumira o cargo havia poucos meses, mas já queria exigir resultados. Como ocorrera com alguns dos subordinados de Dilma Rousseff, ela assimilara rapidamente o estilo da presidente: gritar primeiro e cobrar depois. O clima naquela reunião, como em tantas outras, era tenso. Internamente, a Petrobras já vivia tempos difíceis. Gastava demais para produzir – e vender – petróleo de menos. O motor da Petrobras engasgava porque ela rodava, desde o começo do governo Lula, com gasolina de má qualidade, batizada com política excessiva. Política na escolha de quem comandaria a empresa (subiu quem fosse mais amigo do PT e do PMDB) e na escolha por gastar muito em múltiplos e simultâneos contratos caríssimos (subiram as empresas amigas dos amigos do PT e do PMDB).
Naquela reunião, Graça Foster cobrava resultados. Quem deveria ser cobrado já deixara a Petrobras. Não estavam na reunião sindicalistas do PT, como José Sérgio Gabrielli, a quem Graça Foster sucedera, e executivos suspeitos de corrupção, como Paulo Roberto Costa, sustentado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e por um consórcio entre PT, PMDB e PP. Dilma conseguira derrubar Paulo Roberto da Diretoria de Abastecimento logo após Graça Foster virar presidente da Petrobras, mas não conseguira evitar que o número dois de Paulo Roberto, José Carlos Cosenza, assumisse o posto do antigo chefe. Cosenza fora escolhido pelo PMDB do Senado. Abaixo de Cosenza, mantinham-se apaniguados do PMDB. Nenhum era mais poderoso que outro José, de sobrenome Pereira, à frente da gerência responsável por compras e vendas milionárias (sem licitação) de produtos derivados de petróleo. Pereira era mantido no cargo por indicação pessoal do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, do PMDB.
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Pereira estava na reunião. E ouviu muito. “Se você pensa que se manterá no cargo só porque foi indicado pelo Lobão, está enganado”, disse Graça Foster, segundo relatos de quem estava lá. Pereira ficou furioso. “Se a senhora pensa que é presidente da Petrobras porque é a melhor engenheira da empresa, está enganada”, disse, segundo os mesmos relatos. “A senhora está presidente porque sua indicação política é melhor do que a minha.” Graça Foster respondeu com “impropérios”, nas palavras de quem assistiu à cena. Pereira levantou-se e deixou a sala. Numa demonstração do peso que a política tem nas decisões tomadas – e nas que deixam de ser tomadas – na Petrobras, Graça Foster não conseguiu demitir Pereira. Ele permaneceu mais dois anos no cargo. Foi demitido apenas há três semanas, no dia em que a Polícia Federal entrou, com ordem judicial, na sede da Petrobras, em busca de provas do esquema de corrupção liderado por Paulo Roberto.
Segundo documentos obtidos pela PF na casa de Paulo Roberto, a que Época teve acesso, como a agenda dele, Cosenza continuava a se encontrar periodicamente com o ex-chefe. Despachavam sobre os assuntos discutidos na cúpula da estatal. Os documentos, como e-mails e planilhas, mostram que, mesmo fora da Petrobras, Paulo Roberto continuou seu esquema na Diretoria de Abastecimento. Ajudava a fechar e a prorrogar contratos de quem pagava a ele por isso. Quem o ajudava a mover a caneta dentro da Petrobras? A PF investiga.
Na Petrobras, como em qualquer estatal, a caneta só se move por fortes razões – normalmente, por pressão ou ordem de quem indicou aquele que pode mover a caneta. Nos casos de corrupção descobertos nos últimos meses, pesam suspeitas graves contra seis empreiteiras e outras seis multinacionais, além de políticos do PT, do PMDB e do PP. A maioria das evidências está no inquérito aberto para investigar a “organização criminosa”, como define o Ministério Público, liderada por Paulo Roberto e pelo doleiro Alberto Youssef. Um contrato da Petrobras em especial, investigado pela PF e pelo MPF em outra frente, assusta os políticos, ainda mais na iminência da criação de uma CPI no Congresso para apurar os desvios na Petrobras. O negócio, de US$ 826 milhões, foi fechado em outubro de 2010, durante o segundo turno das eleições presidenciais, entre a Petrobras, maior empresa do Brasil, e a Odebrecht, maior empreiteira do Brasil. Para quê? Serviços de segurança, meio ambiente e saúde em unidades da Petrobras no Brasil e no exterior – um conjunto de providências que, no mundo empresarial, leva a sigla SMS.
Em agosto do ano passado, o lobista João Augusto Henriques, responsável, no PMDB, por fazer a caneta da Diretoria Internacional da Petrobras se mexer, afirmou a Época que montara essa operação. Disse que, para que a caneta do PT de Gabrielli se mexesse e aprovasse o contrato, foi preciso acertar uma doação equivalente a US$ 8 milhões à campanha de Dilma Rousseff. “Odebrecht? Eu montei tudo”, disse João Augusto. “A Odebrecht tinha de ganhar. Foi até ideia minha. Pelo tamanho dela. Pelo padrão.” Ele afirmou que acertou a doação com o tesoureiro informal do PT, João Vaccari. Segundo João Augusto, tudo começou no segundo semestre de 2009. Funcionava no Senado a CPI da Petrobras. Era uma CPI fajuta, que quase nada investigou. Pelo acordo revelado por João Augusto e confirmado a Época por mais dois envolvidos na operação, o PMDB ajudaria a enterrar a CPI, relatada pelo senador Romero Jucá. Em troca, a direção da Petrobras, então comandada por Gabrielli, assinaria embaixo do projeto Odebrecht. Houve dificuldades, mas assim foi feito.
Em janeiro de 2012, pouco antes da intervenção branca de Dilma na Petrobras e da posse de Graça Foster, auditores encontraram irregularidades graves no contrato de US$ 826 milhões. Época obteve acesso à auditoria. Era um trabalho preliminar, mas minucioso, que nunca veio a público. Nele, os auditores são contundentes nas ressalvas à operação. Alertam que o negócio com a Odebrecht fora ruim – e dizem que o contrato deveria ser rescindido. “A estratégia de contratação para implantação da carteira (SMS) da ANI (Área de Negócios Internacional) se mostrou prejudicial aos interesses da Petrobras”, afirmaram os auditores. “Sob tais circunstâncias, o processo licitatório deveria ter sido interrompido”, afirmou Marise Feitoza, gerente de Auditorias Especiais.
Os auditores entenderam que a contratação fora equivocada, por causa do perfil das empresas convidadas e pelo prazo reduzido para apresentação de propostas. A Petrobras convidou formalmente outras empreiteiras: quatro no Brasil e quatro no exterior. Algumas não tinham nada a ver com esse tipo de serviço. Todas declinaram. Sobrou para a Odebrecht. A auditoria preliminar apontava numerosas irregularidades no contrato. Entre elas: a diretoria executiva da Petrobras determinara que os serviços relativos às refinarias de Pasadena, nos Estados Unidos, Bahía Blanca, na Argentina, e Okinawa, no Japão, deveriam ser submetidos a autorização específica antes de ser feitos. No caso de Pasadena, isso significou um aditivo de US$ 20,3 milhões ao contrato. Os auditores não encontraram evidência de que isso tenha sido respeitado. A fiscalização concluiu que a Odebrecht usou uma artimanha comum: atribuir preços elevados a serviços que fatalmente serão feitos em maior quantidade na execução do contrato. É uma prática conhecida como “jogo de planilha”. Aumenta o lucro da empresa contratada. E dá prejuízo a quem contrata.
O relatório causou pânico na cúpula da Petrobras e fúria na Odebrecht. De acordo com técnicos da estatal, Graça Foster e sua equipe pretendiam seguir a orientação da auditoria e anular o contrato. Ao saber disso, João Augusto e o PMDB agiram. Segundo o relato de João Augusto, o presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, procurou Graça Foster para impedir a anulação do contrato. Ele mencionou, segundo João Augusto e outro lobista envolvido no negócio, as “contribuições políticas” decorrentes do contrato. Após a pressão da Odebrecht e dos lobistas envolvidos, fez-se uma nova versão da auditoria. Ela não falava em anular o contrato e usava linguagem mais leve. Era uma solução intermediária. Em janeiro de 2013, decorridos pouco mais de dois anos da contratação, a Petrobras anunciou a redução do contrato: de US$ 826 milhões, para US$ 480 milhões. Como justificativa, a direção disse que o contrato precisava “refletir o portfólio atualizado de ativos e necessidades de serviços de controladas no exterior”.
Em nota, a Odebrecht afirma: “A Odebrecht nega veementemente a existência de qualquer irregularidade nos contratos firmados com a Petrobras, conquistados legitimamente por meio de concorrências públicas. Esclareça-se que a redução no valor do mencionado contrato para a execução de serviços em instalações da Petrobras fora do Brasil foi única e exclusivamente consequência da diminuição do escopo deste contrato. Em decorrência do plano de desinvestimentos da Petrobras no exterior, a prestação dos serviços elencados no contrato, originalmente prevista para ocorrer em nove países, foi reduzida para quatro. A Odebrecht desconhece questionamentos feitos em auditoria interna da Petrobras e as conclusões dessa mesma auditoria. A empresa está à disposição de qualquer órgão de fiscalização para fornecer informações sobre o mencionado contrato, cujas obras previstas já foram concluídas e entregues.”
Investigações independentes da PF, do MPF e de uma cada vez mais inevitável CPI são fundamentais em casos como este e também em outros. É o caso de outro contrato fechado por Paulo Roberto, com a petroquímica Unipar, em 2008. A Petrobras se uniu à Unipar, para criar a maior empresa do setor, chamada Quattor.
Dilma vai à guerra
Parece que foi há muito tempo, numa galáxia muito, muito distante. Com a popularidade nas alturas, a presidente Dilma Rousseff caminhava para uma reeleição tranquila. O PT completaria 16 anos no poder – um verdadeiro “império da estrela”. Isso foi antes das manifestações de junho passado e de uma sucessão de erros do governo. Agora, Dilma enfrenta a pior crise de seu mandato: denúncias contra a Petrobras, rebelião na base aliada e guerra interna do PT em torno do movimento “Volta, Lula!”. Pior: seus adversários em outubro, os pré-candidatos Aécio Neves e Eduardo Campos, dão sinais de que podem escalar as pesquisas com a leveza de cavaleiros Jedis, enquanto a popularidade de Dilma despenca como um Jabba the Hutt encosta abaixo.
Nesta semana, o império da estrela resolveu contra-atacar. No Encontro Nacional do PT, nesta sexta-feira (2), os guerreiros do partido começaram a acender seus sabres de luz. O presidente da sigla, Rui Falcão, deu o tom – a partir de agora, será “nós contra eles”. Com um único golpe, Falcão atingiu os dois adversários. “Se é preciso repelir o retrocesso (PSDB), também é fundamental desmascarar os que prometem uma nova política. A proposta do ex-governador nordestino (Eduardo Campos-PSB) de uma inflação anual de 3% pode provocar uma elevação de até 60% na taxa de desemprego. Ele busca reembalar sua imagem com tinturas e sabores exóticos. Cuidado! Porque misturar tapioca com açaí pode causar indigestão”, disse.
O discurso do orador Rui Falcão foi escrito sob medida para dissipar o clamor “Volta, Lula!”: “A partir de agora, toda a nossa energia se concentrará no objetivo central do PT: a reeleição de Dilma. Com ela, nas lutas, na vida e na campanha, está o companheiro Lula, presidente de honra do PT e a maior liderança que o povo brasileiro já produziu”. O evento, na Zona Norte de São Paulo, reuniu 5 mil delegados que terão a missão de definir as diretrizes do programa de governo e a tática eleitoral do PT para as eleições. A intenção, nas palavras dos dirigentes, era “esfregar sangue no rosto da militância para que todos saiam em defesa de Dilma e do PT”. Como vem ocorrendo ao longo da história petista, quando se sente acuado, o PT parte para cima dos adversários e aposta no velho “nós contra eles”.
Agenda positiva: a vitória de Pernambuco na segurança pública
Baú da ditadura: a morte de Paulo Malhães, comandante do Exército durante o regime militar
IstoÉ
O desencanto com o Brasil
Se o Brasil fosse uma pessoa, como ela seria? Alegre? Confiável? Distinta? Para uma parcela considerável da população, nenhum desses atributos traduz a verdadeira alma brasileira. Se o Brasil fosse alguém de carne e osso, a principal característica, aquela que se vê logo de cara, seria a desonestidade.
Um estudo inédito realizado pela consultoria BrandAnalytics, empresa ligada à Millward Brown Optimor, um dos maiores grupos de pesquisa do mundo, revela o que os brasileiros pensam do País. Obtidos com exclusividade por IstoÉ, os resultados são espantosos.
Os entrevistados receberam uma lista com 24 palavras e tiveram que apontar quatro delas que definissem com exatidão a nação onde vivem. Metade das pessoas declarou que a palavra “desonesto” descreve a personalidade nacional. E mais: apenas 18% das pessoas afirmaram que o Brasil é o lugar ideal para viver, praticamente o mesmo percentual (17%) que apontou o Japão como o país preferido. Trata-se do índice mais baixo entre quatro nações pesquisadas. Segundo o estudo, 52% dos americanos, 30% dos ingleses – pessimistas por natureza, lembre-se – e 26% dos chineses escolheram seu próprio país como o lugar perfeito para viver. Não é preciso muito esforço para entender o que a pesquisa evidencia. Os brasileiros estão, afinal, desencantados.
O que explica tanta desilusão? Basta dar uma espiada no noticiário para conhecer a incivilidade que permeia a vida de cada um de nós.
O pacote de bondades no Dia do Trabalho
As sucessivas quedas da presidenta Dilma Rousseff nas pesquisas encerraram os tempos de conforto e otimismo no Planalto e levaram o QG da campanha do PT a definir, em reuniões reservadas, um conjunto de medidas para tentar estancar a hemorragia de votos. A prioridade, hoje, é recuperar a unidade do partido.
Com uma agenda de momentos difíceis até o 5 de outubro – inflação nos alimentos, protestos na Copa do Mundo, denúncias sobre a Petrobras –, o governo tentará cortar pela raiz o movimento Volta, Lula – articulação de empresários, militantes de base, prefeitos e parlamentares que sonham substituir a candidatura de Dilma Rousseff nas eleições presidenciais pela de Luiz Inácio Lula da Silva.
A voz do comparsa
O coronel reformado Wilson Machado viveu os últimos 33 anos como um típico carioca na Barra da Tijuca, onde mora, e na Praia Vermelha, seu local de trabalho até 2012. As cicatrizes de seu abdome – marca que carrega pela participação no atentado do Riocentro – o impedem de circular sem camisa no calor do Rio de Janeiro, mas nunca limitou seus compromissos sociais na cidade. O silêncio do militar lhe garantiu uma vida tranquila e, graças à proteção de seus pares, o passado não o incomodava. Nos últimos dois meses, porém, Machado alterou sua rotina pacata e desapareceu. Ele tomou essa iniciativa depois de saber que agentes da Polícia Federal o procuram para que ele preste depoimento à Comissão da Verdade em Brasília. A Comissão quer saber dele detalhes sobre o transporte clandestino de bombas em seu carro, no dia 30 de abril de 1981, para promover o atentado em evento organizado pelo Partido Comunista Brasileiro nos pavilhões do Riocentro. Quando Machado for encontrado, ele terá de comparecer à audiência. Isso porque a comissão tem amparo legal para solicitar à PF a condução coercitiva do coronel reformado, que passou a vida se esquivando de dizer a verdade sobre o crime que colocou a vida de 20 mil pessoas em risco.
A caminho do segundo turno
Pesquisa IstoÉ/ Sensus mostra pela primeira vez que eleição presidencial não deve ser revolvida em uma só votação, como apontavam enquetes até agora divulgadas. A oposição ganha votos e, se fosse hoje, a disputa seria entre Dilma Rousseff e Aécio Neves
CartaCapital
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