IstoÉ
O risco Severino
Diante da insatisfação dos deputados da base do governo com o Ministério da presidente Dilma Rousseff, um fantasma ronda a eleição para a presidência da Câmara, marcada para o início de fevereiro. Trata-se do risco de surgir uma terceira força aproveitando o racha dos partidos governistas. Foi assim que o folclórico Severino Cavalcanti acabou eleito presidente da Casa em 2005 e dois anos depois, ao receber mensalinho de um empresário, jogou o Congresso em uma de suas piores crises da década. Com a crescente legião de parlamentares irritados com a hegemonia do PT de São Paulo, que já levou a melhor fatia do Ministério de Dilma, o episódio pode se repetir. Na disputa estão seis parlamentares, mas a lista pode subir, dependendo das negociações que ocorrerão.
A divisão do PT já fez uma vítima. O líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), depois de criticar o movimento sindical, foi alijado como candidato governista à presidência da Casa. Vaccarezza se sentiu traído pelos deputados Arlindo Chinaglia (PT-SP), Ricardo Berzoini (PT-SP) e Henrique Fontana (PT-RS), que decidiram apoiar o vice-presidente Marco Maia (PT-RS), presidente em exercício da Câmara. Maia recebeu sinal verde de Dilma. “Marco, eu estou plenamente atendida com sua eleição”, disse Dilma ao parlamentar, no dia de sua diplomação. Apesar do apoio da presidente eleita, ele não terá vida fácil. “Hoje existe insatisfação no PT e no PMDB com as decisões de cúpula e isso acaba criando raízes nos outros partidos da base”, diz o deputado Júlio Delgado (PSB-MG), outro candidato à presidência da Câmara.
O début de Dilma nos salões
Em meio à reservada recepção oferecida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e dona Marisa Letícia à presidente eleita, Dilma Rousseff, na sexta-feira 17, uma dupla de típicas baianas roubou a cena no salão nobre do Palácio Itamaraty. Com suas tradicionais saias rodadas e turbantes brancos, irromperam no jardim criado pelo paisagista Roberto Burle Marx, na hora dos cumprimentos. Sob os olhares atentos do seleto grupo de convidados, elas entregaram a Dilma uma caixinha de joias. Todos imaginavam que seria uma figa de prata para dar sorte, mas a própria homenageada não escondeu a surpresa. O colar de prata trazia outro amuleto, bem mais extravagante. As baianas explicaram que se tratava de um chocalho de cascavel, que, na crendice popular, espanta o mau-olhado. Supersticiosa “na medida certa”, Dilma sorriu, experimentou o colar junto ao peito e pediu aos assessores que guardassem o talismã. Depois, deixou-se fotografar com as duas baianas. Afinal, o presidente da República está sempre sujeito às mandingas de adversários e até mesmo de aliados políticos. A composição do futuro Ministério (leia quadro à pág. 40) já serviu de exemplo do grau de dificuldade que Dilma terá pela frente. Quem sabe a proteção do chocalho de cascavel se fará necessária ao longo de seu mandato.
A reconstrução da UNE
Em “Explicações Necessárias”, anexadas ao projeto doado à União Nacional dos Estudantes (UNE), o arquiteto Oscar Niemeyer registra em manuscrito caprichado sua preocupação “desde a entrada até o fim do terreno” de que os futuros usuários sentissem que tinham, afinal, o que tanto desejavam. “E isso explica a praça aberta e arborizada que desenhei”, escreveu Niemeyer. A praça idealizada pelo arquiteto ficará entre o prédio principal de 13 andares e um anexo com anfiteatro, no complexo projetado para a nova sede da UNE, na Praia do Flamengo, 132, no Rio de Janeiro. Aos 103 anos, Niemeyer fez questão de comparecer ao lançamento da obra, na segunda-feira 21. Aliado histórico dos estudantes, o arquiteto se debruçou pela primeira vez sobre a prancheta para esboçar o projeto em 2000, seis anos depois de a entidade estudantil receber do governo Itamar Franco a escritura definitiva do imóvel, que foi metralhado e incendiado por militares no dia 1o de abril de 1964.
Época
Uma década essencial
Em novembro de 2010, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) divulgaram um importante estudo sobre a demanda global por produtos agrícolas nos próximos dez anos. Segundo a pesquisa, a oferta de alimentos terá de crescer 20%, principalmente para atender ao crescimento da população e da renda per capita nos países emergentes. A ampliação da oferta deverá vir de várias regiões. A União Europeia contribuirá com crescimento de 4%; a Austrália, com 7%; Estados Unidos e Canadá, com um máximo de 15%; e Rússia, China, Índia e Ucrânia com algo em torno de 27%. A maior contribuição deverá vir do Brasil, com 40% de aumento na produção. Não se trata de uma estimativa feita por brasileiros. É uma previsão de organismos multilaterais respeitados em todo o planeta.
Rumo a uma nova realidade demográfica
O tema do envelhecimento da população tem sido vastamente discutido há anos literalmente no mundo inteiro. No Brasil, haverá três fenômenos que ocorrerão concomitantemente. Primeiro, haverá um número proporcionalmente muito maior de idosos, em função da progressiva passagem para a terceira idade da geração que gerou o boom populacional há algumas décadas. Segundo, os idosos vão viver mais, pelas transformações ocorridas na área da medicina e pelo maior acesso à informação. E, terceiro – fato em geral pouco destacado –, haverá menos crianças e adolescentes. Na tabela, mostram-se a mudança do perfil e a aceleração de uma tendência já observada nos últimos anos.
Alguns números ajudam a reforçar a importância disso. Em 2010, a população brasileira de indivíduos entre 0 e 14 anos é de 49 milhões de pessoas, enquanto a de 60 anos ou mais é de 19 milhões. Em 2050, as projeções demográficas do IBGE mostram que esses contingentes deverão ser de 28 milhões e 64 milhões de pessoas, respectivamente. Ou seja, haverá 21 milhões de crianças e adolescentes a menos e mais 45 milhões de idosos.
O grande desafio é valorizar os professores
Ilona Becskeházy é diretora-executiva da Fundação Lemann, organização sem fins lucrativos que atua para a melhoria da qualidade da educação no BrasilO Brasil termina otimista a primeira década do século XXI. Temos a sensação de que estamos nos preparando para finalmente alcançar o futuro brilhante com que sonhamos há tanto tempo. Um futuro parecido com o presente das nações mais desenvolvidas. Nações que colocaram o bem comum à frente dos interesses individuais e a construção do futuro à frente do desfrute do presente. Sociedades que fizeram escolhas que se refletiram no seu desenvolvimento, podendo oferecer a seu povo um padrão de vida confortável, baseado não em consumismo, mas em serviços públicos de qualidade que permitem aos cidadãos viver em paz com seus negócios, empregos e famílias.
Parece que as sementes plantadas nos últimos anos começaram a brotar. Seremos capazes de nutri-las para podermos aproveitar seus frutos? A resposta a essa pergunta depende, sem dúvida, da capacidade de acelerarmos o desenvolvimento da educação formal de nosso povo. Começamos com um atraso gigantesco em relação aos países desenvolvidos, que, de uma maneira geral, começaram a colocar suas crianças em massa na escola desde o século XIX, enquanto nós ainda escravizávamos muitas das nossas.
A próxima década no campo da (in)segurança
O que nos reservam os próximos dez anos? As principais tendências apontam para a nacionalização dos problemas, que deixam de ser exclusividade dos centros metropolitanos e se espalham pelo país. A epidemia das armas e, portanto, dos homicídios tem se deslocado para áreas de crescimento tardio, mas acelerado, cujo desenvolvimento oferece oportunidades, ainda que o emprego para os jovens continue exíguo. É o caso de cidades nordestinas e do Centro-Oeste ou do litoral fluminense. Se o petróleo deixou rastro de mudanças rápidas e desordenadas, aquecendo a violência (como em Macaé), o pré-sal pode intensificar esse fenômeno. As fronteiras tendem a ferver, sob a tensão dos tráficos, contrabandos e piratarias. Foz do Iguaçu é o caso emblemático. A questão do terrorismo se imporá por conta dos eventos internacionais e também porque a precariedade de nossos controles atrairá grupos que, pressionados em suas regiões de origem, busquem um recuo tático.
É preciso trocar as boas intenções pelas realizações
No ranking de infraestrutura do Fórum Econômico Mundial, o Brasil ocupa a 62a posição, entre 139 países. Para melhorar as condições atuais e entrar no seleto rol das nações de Primeiro Mundo, o país precisa dar grandes saltos de investimentos na área. Desde o Plano Marshall, adotado no final dos anos 1940 para reconstruir a Europa devastada pela guerra, o mundo constatou que desenvolvimento econômico e social tem alta correlação com o nível de infraestrutura dos países. Depois, isso foi observado também durante a construção do sistema interestadual de rodovias nos EUA e mais recentemente no caso da China.
No Brasil, a década atual se caracterizou mais pelas boas intenções do que pelas realizações. O único plano brasileiro composto de projetos estruturantes, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), está completando quatro anos com a realização de menos de 50% das obras previstas para o período.
A Amazônia em 2020
Em 2020, a Amazônia poderá continuar abrigando a mais extensa e conservada floresta tropical do mundo e manter o maior e mais diverso estuário do mundo. A biodiversidade poderá deixar de ser assunto apenas acadêmico e se tornará oportunidade de renda e emprego. A grande diversidade de espécies de árvores de valor madeireiro e não madeireiro poderá ser manejada com rigor ambiental e controle social. A rede hidrográfica de vasto potencial hidrelétrico (cerca de 60% do potencial nacional) e de transporte alavancará o desenvolvimento regional. E a região poderá começar ser recompensada pelos serviços ambientais prestados na regulação do clima.
Embora esse cenário pareça otimista, há chances de que possa ocorrer. Motivo: nunca a Amazônia foi tão estratégica como agora. De região problema nas três últimas décadas, a Amazônia poderá emergir até 2020 como uma região próspera, capaz de conciliar desenvolvimento, conservação e diversidade sociocultural. Isso decorre do papel central que a Floresta Amazônica terá para o Brasil em duas áreas essenciais para o país na próxima década: clima e energia.
Por que o brasileiro compra livros, mas não lê
Em História do cerco de Lisboa, de Saramago, um modesto revisor trabalha num livro de história que narra a retomada de Lisboa pelos cristãos (1139). Passava na região, em direção à Terra Santa, um cruzado inglês. O cristão manda lhe perguntar: “Não quer nos ajudar a expulsar daqui o infiel que está tão perto?” A resposta, depois de alguma hesitação, foi: “Sim, queremos”. Por uma razão que ele próprio ignora, o revisor insere um “não” na resposta do inglês: “Não, não queremos”. Com isso, muda radicalmente a sorte da batalha: os cristãos perdem e Lisboa continua árabe. Com vergonha de confessar a interpolação, o revisor terá de reinventar toda a história de Portugal – e podemos concluir que, se a reinventou, nem mesmo o Brasil existirá mais tarde. Não conheço melhor alegoria do valor da cultura: um pobre revisor altera o futuro a uma simples palavra, que lhe nasceu sem razão.
Dos grandes autores, Saramago foi o mais comprado no ano que termina. Mas não terá sido o mais lido – Faulkner, Guimarães Rosa, Euclides da Cunha também tiveram mais compradores que leitores. Por quê? São autores difíceis. Difíceis em quê? Eles propõem problemas aos leitores, a começar pelo problema da forma. O leitor médio brasileiro só alcança o nível dos autores de entretenimento puro, de autoajuda ou curiosidades. Não o constato para me vangloriar, pois a cultura intelectual não confere em si qualquer superioridade.
A difícil hora da partida
Os fãs do presidente Lula em São Bernardo do Campo estão orgulhosos. Eles dizem que na agenda de Lula só há um compromisso público confirmado para 2011. No dia 30 de janeiro, um domingo, ele irá ao estádio 1º de Maio, no centro da cidade, para prestigiar um jogo entre o São Bernardo Futebol Clube e o Corinthians. A partida será a primeira da equipe local contra um time tradicional de grande porte. O corintiano Lula aceitou o convite do prefeito Luiz Marinho (PT) e deverá dar o pontapé inicial. O ano de 2011 ficará marcado como o primeiro do São Bernardo na divisão de elite do Paulistão. Será também o primeiro de Lula como ex-presidente da República.
A década do Brasil
A década que se inicia será, para o Brasil, um período de oportunidades e desafios – como explicam os analistas Ian Bremmer e Christopher Garman no artigo que abre a série das próximas páginas. ÉPOCA convidou especialistas de várias áreas, como economia, educação, saúde e infraestrutura, para um exercício de extrapolação que permita divisar o país dos próximos dez anos. Como se verá pelas conclusões dos articulistas, o Brasil tem condições de chegar a 2020 muito mais próspero e desenvolvido do que poderia se imaginar alguns anos atrás. Mas, para isso, terá de superar deficiências graves de formação e infraestrutura que nos colocam atrás de outras nações aspirantes ao mesmo status internacional. A visão dos autores dos textos, alguns deles protagonistas do processo de transformação por que o Brasil deverá passar nos próximos anos, é em geral otimista, mas com a cautela necessária em um país de tantas oportunidades desperdiçadas no passado.
Melhorar a qualidade dos gastos é vital
O Brasil está fazendo a lição de casa, e nosso modelo de saúde pública tem sido um componente fundamental dessa lição. O SUS é um sucesso. Mesmo “desfinanciado”, usado como pasto dos políticos e com uma burocracia atrasada, consegue oferecer o melhor programa mundial de imunizações. Oferece também o segundo maior programa de transplantes do planeta e um sistema invejável de atenção aos portadores do HIV. O SUS faz tudo isso gastando um décimo do que gastam per capita os americanos. Ou menos da metade do que gasta per capita a medicina privada brasileira. A medicina privada sofre de falta de eficiência e não consegue entregar o que vende. Não quer regulamentação em um tipo de mercado muito imperfeito, no qual existe a real necessidade da presença reguladora do Estado.
O bom momento econômico nos permite imaginar que o Brasil poderá dar passos importantes na área de saúde na próxima década. Para isso, terá de aumentar a eficiência do sistema e a qualidade da assistência. O SUS deverá ser realmente universal. Além disso, teremos de encontrar o caminho para incluir a medicina privada, comprada por aqueles que querem sofisticação na equação da saúde pública. Há muitos desafios pela frente.
Há oportunidades na turbulência global
Quais são as perspectivas do ambiente de negócios para empreendedores brasileiros na próxima década? Só astrólogos, cartomantes e dirigentes socialistas arriscariam tão temerários prognósticos. Mas o que poderia um economista de boa estirpe ousar quanto à prospecção de tão longínquo futuro? Apenas considerações que se limitem aos fundamentos e, mesmo assim, sempre no condicional.
A dimensão externa é o pano de fundo do macroambiente. A economia global prossegue em sua crise de adaptação depois da colisão de dois mundos: o socialismo arruinado lançou aos mercados de trabalho 3,5 bilhões de eurasianos em rota de fuga da miséria. Um verdadeiro exército industrial de reserva de mão de obra, na melhor tradição marxista.
Os desafios e as oportunidades do Brasil em um mundo sem líderes
As promissoras perspectivas econômicas do Brasil deixam poucas dúvidas de que a influência internacional do país está a ponto de ter, nos próximos anos, um grande impulso. À medida que mais empresas brasileiras se tornarem multinacionais, o poder regional do país vai aumentar. A expansão da economia e a crescente importância do Brasil como produtor de energia em petróleo, gás e biocombustíveis darão ao país, além disso, um papel de destaque no comércio internacional, nas negociações sobre as mudanças climáticas e em fóruns multilaterais. A extensão e a forma dessa proeminência internacional do Brasil, no entanto, vão depender basicamente de dois fatores. O primeiro está ligado à evolução da ordem global – ou à ausência dela. O segundo, às escolhas que as autoridades responsáveis pelas políticas do Brasil farão ao tentar usar esse novo poder geopolítico. Se Brasília escolher bem e evitar as ciladas de uma certa atitude presunçosa que marcou nos últimos anos algumas das iniciativas na política externa, a influência brasileira continuará a crescer.
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