Istoé
Os novos processos de Pimentel
Principal coordenador da campanha da ministra Dilma Rousseff à Presidência da República, o ex-prefeito Fernando Pimentel está com a situação cada vez mais complicada.
Nos próximos dois meses, Pimentel terá de enfrentar três ações judiciais envolvendo fatos suspeitos ocorridos nos oito anos à frente da Prefeitura de Belo Horizonte.
Um desses trata-se do recurso impetrado no Superior Tribunal de Justiça pelo advogado José Rubens Costa e pelo deputado José Miguel Martini (PVMG), pedindo a reabertura de uma ação em que o ex-prefeito de Belo Horizonte é acusado de participar de negociação que beneficiou a Construtora Andrade Gutierrez.
Pela denúncia, a empresa realizou serviços com superfaturamento de R$ 67 milhões nas administrações an teriores e Pimentel ajudou a fechar um acordo de confissão de dívida do município para pagar R$ 143 milhões à empresa.
O acordo foi aprovado até pela Câmara de Vereadores, onde o grupo de Pimentel tinha maioria absoluta na época em que ele era o prefeito da capital mineira. A ação foi arquivada pela Justiça de Minas, mas as partes recorreram ao STJ. “As denúncias são graves, foi um absurdo o que aconteceu.
Nessa época, o Pimentel era o secretário da Fazenda e ajudou a fechar o acordo”, diz o deputado José Miguel, inconformado com a negociação que, para ele, lesou os cofres públicos. “O STJ pode a qualquer momento reabrir o caso.”
Segundo o Supremo Tribunal de Justiça, o caso está nas mãos do ministro Teori Albino Zavascki, que ainda não se posicionou sobre o recurso. ISTOÉ procurou Pimentel na quinta-feira 18, pela manhã, mas o ex-prefeito não quis falar sobre o assunto e nem sobre as outras ações contra ele.
Outro caso que deixa Pimentel em evidência no meio da campanha é a denúncia que será preparada pelo Ministério Público em Minas dentro de dois meses. Os recursos de contratos superfaturados na gestão Pimentel teriam sido enviados para a conta do publicitário Duda Mendonça nos Estados Unidos. O MP Estadual vai denunciar superfaturamento, uso de notas fiscais falsas, contrabando, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.
“A Promotoria vai concluir os trabalhos em 60 dias. Aí, segue a representação para a Justiça”, comentou com um amigo o promotor Leonardo Barbabela, que está à frente das investigações. Os negócios de Pimentel são descritos em documentos anexados ao processo do Mensalão, que tramita no Supremo Tribunal Federal.
O nome de Pimentel é citado nas “considerações finais” de uma denúncia contra o ex-diretor financeiro da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de BH Glauco Diniz e o contador Alexandre Vianna de Aguilar, que transferiram dinheiro das empresas GD e Gedex International para a conta da empresa Dusseldorf do publicitário Duda Mendonça no Exterior.
Duda fez a campanha de Pimentel para a prefeitura. No processo do Mensalão consta ainda depoimento de Aguilar, prestado na Polícia Federal. O contador diz não se lembrar das operações financeiras que fez nos EUA, mas a PF já tem documentos provando as transações.
Para o Ministério Público Federal, o convênio da prefeitura com a CDL foi um “ardiloso estratagema” para desvio de dinheiro público com a finalidade de saldar as dívidas de campanha do PT no Exterior.
Nesse caso, o deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR), ex-relator de movimentações financeiras da CPI dos Correios, já começou a fazer um rastreamento nos bancos de dados da CPI para levantar novas ligações de Pimentel com os personagens do Mensalão. Fruet recebeu esta semana do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), os nomes de todas as autoridades federais que pediram informações ao Senado após o término da CPI, para medidas judiciais.
A partir dessa lista, o deputado vai apurar novas ligações do ex-prefeito com o esquema, pois já descobriu telefonemas das empresas do publicitário Marcos Valério para o gabinete de Pimentel na prefeitura.
“Vamos pedir informações ao Ministério Público Federal e direto da base de dados da CPI, para levantar todas as conexões do Pimentel com o Mensalão” diz Fruet.
Outro fantasma que voltará a atormentar Pimentel nos próximos dias é a ação no TJ mineiro na qual ele é réu por improbidade administrativa. Tudo começou em 2004, quando Andréa Neves, irmã do governador Aécio Neves, pediu ao então vereador Délio Malheiros (PV-MG) que vigiasse os gastos do prefeito Fernando Pimentel com propaganda.
Malheiros viu na placa de uma obra de casas populares o nome “Asa” e achou que fosse empresa de publicidade, mas descobriu que se tratava da abreviatura da Ação Social Arquidiocesana, uma ONG ligada à Igreja Católica que agora é acusada com Pimentel de ajudar a desviar dinheiro público.
Lula agora vai dizer que sabia
Por muito tempo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva negou que tivesse tomado conhecimento do Mensalão do PT. Ele sustentava que o esquema não existiu.
No dia 3, no entanto, ISTOÉ revelou que os ex-ministros Márcio Thomaz Bastos, da Justiça, Aldo Rebelo, da Articulação Política, e Walfrido dos Mares Guia, do Turismo, confirmaram na Justiça Federal que Lula foi informado sobre a existência do Mensalão pelo ex-deputado Roberto Jefferson (PTB), no início de 2005.
Na reunião estavam Jefferson, Walfrido, Rebelo, o então líder do PTB na Câmara, José Múcio Monteiro (PE), e o do PT, Arlindo Chinaglia (SP). Diante desta revelação, Lula decidiu tomar uma decisão que vinha adiando havia seis meses.
Na condição de testemunha, portanto compromissado com a verdade, ele decidiu responder à juíza Pollyanna Kelly Martins Alves, da 12ª Vara da Justiça Federal de Brasília, e prestar depoimento, por escrito, no processo do Mensalão do PT.
Lula irá repetir a versão oficial sustentada por seus ex-ministros, ou seja, de que foi avisado por Jefferson da existência do Mensalão e pediu a apuração da denúncia. Depois de algum tempo, Lula dirá, foi informado por Rebelo de que nada havia sido confirmado.
“As respostas ainda serão encaminhadas à Justiça, mas o presidente Lula não vai entrar em contradição com os ex-ministros”, confirma um assessor da Presidência.
O problema é que, a julgar pela versão dos ex-ministros, Lula não acionou a Polícia Federal para investigar a denúncia. A partir dessa revelação, a oposição, agora, quer acusá-lo de ter se omitido.
“É evidente que o presidente tem que ser denunciado por crime de prevaricação, pois o Mensalão foi uma denúncia da maior gravidade e ele não informou à Polícia Federal”, diz o deputado Raul Jungmann (PPS-PE).
“Fui ministro e sei que a primeira coisa a fazer diante de uma denúncia no Executivo é pedir sindicância interna ou abertura de inquérito.” Para alguns ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), só o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, poderia apresentar uma denúncia contra Lula.
“A ação penal pública é divisível e seu titular é o procurador-geral da República”, diz o ministro Marco Aurélio Mello. “Nós só agimos mediante a provocação, que é monopólio do Ministério Público. É o caso de dizer: com a palavra, doutor Gurgel”. Em conversas reservadas, o procurador-geral disse que não vai antecipar a medida que poderá tomar. “Vamos ver o que o presidente vai dizer”, afirma Gurgel.
A expectativa na Presidência da República é de que Lula apresente suas respostas por escrito nos próximos dias. Os juízes federais em todo o País estão colhendo depoimentos e providenciando diligências a pedido do STF.
No primeiro ofício enviado diretamente a Lula, no dia 10 de agosto do ano passado, a juíza Pollyanna Kelly informou ao presidente que ele está arrolado como testemunha e pediu que indicasse dia e hora para comparecer à Justiça ou que manifestasse interesse em apresentar as respostas por escrito entre 14 de setembro e 30 de outubro.
No segundo ofício, enviado a Lula no dia 12 de novembro, a juíza voltou a solicitar as respostas do presidente até o fim daquele mês. “Solicito, se possível, que as respostas sejam enviadas a este Juízo Federal até o dia 30/11/2009”, escreveu a juíza.
Pollyanna Kelly encaminhou a Lula diversas perguntas feitas pelos procuradores da República Raquel Branquinho e José Alfredo. Na lista de perguntas, o MPF questiona quais providências legais Lula tomou ao saber do Mensalão. Até a quarta-feira 17, o ministro-relator do processo do Mensalão no STF, Joaquim Barbosa, não tinha recebido a informação da Justiça Federal com as respostas de Lula.
Marina divide o Acre
Identificada até o último fio de seus longos cabelos com o Acre, a senadora Marina Silva está sem palanque no Estado. Pré-candidata à Presidência da República pelo PV, para o qual migrou no ano passado depois de quase três décadas no PT, ela já anunciou que vai votar no candidato de seu antigo partido, o senador Tião Viana.
O senador, por sua vez, garante que lutará “com todas as suas forças” pela eleição da petista Dilma Rousseff a presidente, mas mantém a figura da senadora acima de disputas eleitorais. “Marina merece o mais absoluto respeito”, afirma Tião.
“Não haverá nenhum ataque a ela.” A inusitada situação do Acre fez com que o PV deixasse de lançar candidato próprio ao Palácio Rio Branco e continuasse a integrar a Frente Popular, a ampla coligação capitaneada pelo PT há 20 anos.
“Um rompimento entre os dois partidos seria um desastre político para as forças mais avançadas da região”, diz o presidente do PV, José Luiz de França Penna. Uma pesquisa interna encomendada pelo PT indica que Marina tem mais da metade das intenções de voto no Estado. A proximidade local entre os dois partidos reflete a trajetória de um grupo conhecido nos anos 1980 como os “meninos do PT”, do qual fazia parte a “menina” Marina.
À frente do governo estadual desde 1999, quando o engenheiro florestal Jorge Viana assumiu o primeiro de seus dois mandatos no Palácio Rio Branco, o PT entra na disputa estadual deste ano com o irmão do ex-governador.
Ainda em 2006, Tião era o preferido nas pesquisas eleitorais para a sucessão acreana, mas o grau de parentesco não permitiu que participasse da disputa. Agora, o quadro mudou. E Jorge, o ex-governador e atual presidente do Fórum Estadual de Desenvolvimento Sustentável, é um dos candidatos do PT a uma das vagas do Estado para o Senado.
No âmbito estadual, os outros dois pré-candidatos ao governo só pensam em levar a eleição para o segundo turno e então unirem forças. “Estamos juntos no mesmo projeto”, conta o professor Tião Bocalom, do PSDB.
“Precisamos quebrar essa dinastia que se instalou no Estado.” Três vezes prefeito de Acrelândia, cidade de 14 mil habitantes emancipada em 1992, Bocalom tem como parceiro na estratégia contra a Frente Popular o vereador de Rio Branco Rodrigo Pinto (PMDB), filho do governador Edmundo Pinto, assassinado no antigo Hotel Della Volpe, em São Paulo, em 1992.
“Entrei na vida pública para seguir os passos do meu pai e chegar aonde ele chegou”, diz Rodrigo, lembrando que Edmundo Pinto emancipou 11 vilas. O problema é que, dos 22 municípios acreanos, 15 são administrados pela Frente Popular, incluindo a capital, onde se concentram 45,7% dos 452 mil eleitores do Estado.
As mansões do PT
Pelos movimentos recentes do staff da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, tudo indica que não vai faltar dinheiro à candidata do governo.
Uma estrutura milionária está sendo preparada para abrigar os núcleos da campanha petista à Presidência. Há três semanas, o PT e emissários do partido negociam o aluguel de quatro mansões, todas localizadas no Lago Sul, bairro mais nobre de Brasília. Uma delas será a nova casa de Dilma, que terá de deixar em abril a residência oficial da Casa Civil, mas não pretende sair da luxuosa e caríssima Península dos Ministros, dona do metro quadrado mais caro da capital federal.
Para atender a ministra, o partido, que ainda tem dívidas na praça das eleições anteriores, vai ter de desembolsar mais recursos. Nas outras casas, funcionarão a área de inteligência ou o que os petistas chamam de escritório da campanha, o telemarketing e o estúdio de televisão.
Batido o martelo sobre os valores e imóveis que estão em avaliação, a campanha de Dilma contará com uma estrutura jamais vista numa candidatura ao Palácio do Planalto. Mais portentosa e robusta, inclusive, do que a da campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas duas últimas eleições. “Confirmo duas. Estamos alugando uma casa para a Dilma e outra para servir de escritório.
A casa da Dilma é no Lago Sul. A do escritório será alugada até julho e a do comitê será perto da sede do PT. A do escritório ainda não fechamos o negócio. Não vamos dar os endereços agora, vocês vão descobrir quando começar a campanha”, disse à ISTOÉ o presidente do PT, José Eduardo Dutra.
Para não fazer muito alarde, o PT escalou uma pessoa fora da direção da legenda para negociar preços. Trata-se de Benedito Oliveira, da Gráfica Brasil. Durante a semana, ISTOÉ conversou com corretores de Brasília, que confirmaram que o mercado de aluguéis da capital ficou em ebulição a partir da saída do emissário do PT a campo.
No total, o comando da campanha de Dilma está disposto a desembolsar até R$ 120 mil mensais com o aluguel dos imóveis. Conhecido no partido como Bené, ele negociou o aluguel de uma das mansões mais sofisticadas da cidade. Localizada na QL 12, a mansão de cor salmão acomodava até o ano passado o exembaixador dos Estados Unidos no Brasil, Clifford Sobel.
Situada na beira do Lago Paranoá, com cinco suítes e 800 metros quadrados de área construída, hoje está alugada pelo dono do Hotel Naoum, Aroldo Azevedo. Apesar do valor do aluguel – cerca de R$ 50 mil mensais –, o PT estava disposto a custeá-lo para abrigar Dilma. Parte desse valor, cerca de 30% do total, seria liquidada à vista. O negócio estava avançado. Mas, durante a semana, o PT preferiu recuar com receio da repercussão negativa depois que a notícia saiu do mercado de imóveis de Brasília e foi parar no site do jornalista Cláudio Humberto.
De olho nos altos valores em discussão, um dos representantes da Kalu Imports, empresa de Home Theaters e projetores de tevê, que hoje é a proprietária de outro imóvel em que o PT está interessado, chegou a reclamar com amigos do recuo petista. “Não queremos perder esse grande negócio”, desabafou.
Questionado por ISTOÉ sobre as tratativas com o PT, Leandro Ferreira, que se apresentou como responsável pela empresa em Brasília, foi evasivo. “Ainda não recebi proposta alguma. Mas pode ser que eu venha a receber”, disse.
Neste imóvel, também localizado no Lago Sul, o PT pretende abrigar o estúdio de tevê da campanha, onde trabalharia a equipe do marqueteiro João Santana. Temendo mais uma notícia negativa para a campanha, Dilma entrou pessoalmente em campo e passou a negociar o aluguel de outra casa para ela morar até o fim do ano.
Em vez da mansão de Sobel, uma casa localizada no conjunto ao lado, também na caríssima Península dos Ministros. Ali morou Márcia Kubitscheck, filha de Juscelino. Hoje, a residência com três suítes e 1,2 mil metros quadrados, pertence ao ministro do Superior Tribunal de Justiça, Aldir Passarinho, mas está vazia.
Abordado por ISTOÉ, um dos caseiros que cuidam do local confirmou a negociação: “De fato, o pessoal do PT veio aqui para alugar a casa para a Dilma.” O preço não é tão alto quanto o da mansão de Sobel: R$ 15 mil mensais. É quanto o partido também pretende pagar no imóvel onde irá funcionar o setor de inteligência da campanha, na casaestúdio, para as gravações do programas de tevê, e na de serviço de telemarketing.
“Eu desisto”
Promiscuidade, descrédito, desestímulo e decepção. Citando essas palavras para definir a atividade política no País, o secretário-geral do PT, deputado José Eduardo Cardozo (SP), anunciou que está fora da próxima campanha eleitoral.
“Eu desisto da Câmara”, disse. Segundo ele, o escândalo do Mensalão fez seu eleitorado encolher de 300 mil para 129 mil votos. Em muitos lugares, Cardozo ouvia a pergunta: “O sr. também recebe Mensalão?”
Em outras ocasiões, incomodou- se em ser tratado “socialmente” como ladrão ou bandido. “Perdi a paciência”, afirmou em entrevista à ISTOÉ. A desistência de Cardozo ocorre depois de ele ser preterido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o Ministério da Justiça e também de perder uma disputa interna para assumir a presidência da legenda. No entanto, o deputado aponta como maior motivo de sua decisão, depois de duas legislaturas, o modelo de financiamento de campanha no País.
“Esta é a porta de entrada para a corrupção”, disse Cardoso. Aos 51 anos, o dirigente petista – mesmo sem mandato – vai continuar na vida política e até admite ter alguma recaída no futuro e voltar a concorrer a um cargo majoritário. Mas pretende, agora, dedicar-se à função de procurador do município de São Paulo, à conclusão de um doutorado e ao magistério.
ISTOÉ – Por que o sr. decidiu não se candidatar à reeleição?
Cardozo – Com as regras em vigor, a possibilidade de ser exposto a uma execração judicial e pública é muito grande, mesmo se comportando com correção. Percebi o encarecimento gradativo das campanhas. Isso torna muito difícil uma pessoa de princípios éticos obter recursos.
ISTOÉ – Não é possível atuar dentro da lei?
Cardozo – Independentemente de sua postura ética, você é tratado como ladrão, como um bandido, socialmente, mesmo sem acontecer nada. Tem gente doando para gente que faz coisas erradas. E você é misturado na bacia das almas. E, se for acusado de alguma coisa, não adianta se explicar. Ninguém vai acreditar. Amanhã ou depois um doador seu é metido numa falcatrua e surgirá logo o nome de quem recebeu o dinheiro. Mesmo sem ter nada com aquilo, as pessoas vão dizer: “Até você, hein?” Por isso, alguns filhos de parlamentares nem sequer dizem que o são. Se revelarem, ouvem logo o seguinte comentário: “Seu pai é ladrão”.
Todos contra o casuísmo
O Rio de Janeiro é um Estado famoso por ter belezas naturais estonteantes, o melhor Carnaval do mundo e um povo alegre. Mas ele é, também, o maior produtor de petróleo do País – 83% do total de barris extraídos no Brasil saíram da plataforma continental do Rio.
Em números, no ano passado, dos 711,8 milhões de barris extraídos, 605,2 milhões foram do Rio. Em segundo lugar, numa distância abissal, veio o Espírito Santo, com 36 milhões de barris.
Nos últimos dias, porém, o Rio ficou sabendo que tirar petróleo do fundo do mar, por mais complexo que seja, pode ser mais fácil do que enfrentar o casuísmo eleitoral. Uma emenda considerada estapafúrdia acabou sendo aprovada na Câmara dos Deputados na quarta-feira 10, por 368 votos a favor, 73 contra e duas abstenções.
A chamada Emenda Ibsen jorra aberrações: ao tungar os royalties do Rio, quebra a economia do Estado (pois retira, de uma só tacada, R$ 7 bilhões de sua economia anual), não melhora a vida dos Estados e municípios brasileiros que estariam na divisão igualitária dos royalties (porque daria muito pouco para cada um) e rasga a Constituição brasileira, cujo parágrafo 1º. do artigo 20 assegura aos Estados e municípios “participação nos resultados da exploração de petróleo no respectivo território, plataforma continental ou mar territorial”.
Veja
A revolta dos royalties
Agitando cartazes com dizeres do tipo “Não mete a mão no meu petróleo”, 150 000 pessoas – algumas até com a cara pintada de azul e branco, cores da bandeira do estado do Rio de Janeiro – marcharam nas ruas do centro da capital, na última quarta-feira, em protesto contra uma emenda que, se aprovada no Senado, passará a destinar os royalties do petróleo a todos os estados e municípios brasileiros – e não apenas àqueles que têm reservas ou refinarias, como é hoje.
O Rio, que detém 83% da produção, perderia algo como 7,3 bilhões de reais por ano, dinheiro suficiente para pôr em xeque obras de infraestrutura que o governo do estado já garantiu ao Comitê Olímpico Internacional que colocaria de pé até 2016, ano dos Jogos.
O exaltado ato contra a emenda, de autoria do deputado federal Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), o mesmo que foi cassado em 1994 em consequência da CPI do Orçamento, reuniu num único palanque artistas e políticos de diferentes matizes, como a ex-governadora Rosinha Garotinho, o deputado federal Fernando Gabeira e o governador Sérgio Cabral, de quem partiu a iniciativa do movimento e que passou a semana esbravejando, em público, palavras como “leviandade” e “linchamento”, além de chorar.
Também foram pregadas no Cristo Redentor e em outros cartões-postais faixas bradando “contra a covardia”, que davam o tom da revolta. Na semana passada ainda, Cabral ouviu do próprio presidente Lula: “Se o Senado aprovar a emenda, eu veto depois”.
Rediscutir a divisão dos royalties do petróleo faz todo o sentido num cenário em que, às jazidas exploradas em campos já maduros, se soma agora uma gigantesca reserva sob a área do pré-sal, ainda por desbravar.
Estima-se que, dessas jazidas, será possível extrair mais 80 bilhões de barris (seis vezes a capacidade brasileira) – ordem de grandeza que, ninguém discorda, torna razoável uma nova reflexão sobre os critérios de distribuição do dinheiro proveniente dos royalties.
O problema é a maneira como isso se dará. A emenda Ibsen nada acrescenta ao debate. Seu primeiro absurdo diz respeito à abrangência pretendida: além de englobar as áreas do pré-sal cujas regras para a exploração não foram definidas, a ideia é também incluir aquelas que já foram licitadas e ainda as jazidas em que o petróleo jorra há mais de uma década, como na Bacia de Campos.
Especialista em direito constitucional, o advogado Luís Roberto Barroso traz à luz as consequências: “Além de ser uma conduta pouco transparente, mudar as regras do jogo em relação a contratos em vigor só traz insegurança jurídica”.
Outro problema com a emenda em questão é a distorção que ela cria ao se balizar pela lógica do Fundo de Participação dos Estados e Municípios, criado em 1965, para ratear os royalties.
Orientado pela filosofia da compensação, segundo a qual as unidades federativas mais pobres devem sempre receber mais dinheiro da União, tal fundo, se aplicado agora, faria o Rio, o líder na produção de petróleo, despencar do atual posto de maior beneficiário dos royalties à 22ª posição do ranking, atrás de Piauí e Tocantins, estados sem uma gota de óleo sequer.
Uma distorção. Em meio à insurreição da semana passada, Ibsen acrescentou um remendo ao próprio texto – novo absurdo. A proposta é fazer a União pagar a estados e municípios, por ora, o equivalente ao que eles deixariam de receber por causa da emenda. “É o regresso à velha visão paternalista do estado, que deve prover tudo à revelia da própria saúde financeira”, avalia o economista Maílson da Nóbrega.
O PT continua dando de ombros…
Na noite da última terça-feira, o lobista e deputado cassado José Dirceu, acusado pela Procuradoria-Geral da República de comandar a “organização criminosa” do mensalão, réu no Supremo Tribunal Federal por corrupção ativa e formação de quadrilha, celebrou seus 64 anos numa alegre festa em Brasília.
Dirceu, o perseguido, aproveitou a tertúlia para anunciar sua enigmática convicção de que será absolvido no STF – e propôs um brinde especial ao novo tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, apontado como um dos operadores do mensalão petista e, também, como responsável por desfalques milionários na Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo, a Bancoop.
“Vamos defender nossos amigos dessas denúncias infundadas”, arengou o petista, observado de perto pelo presidente do Senado, José Sarney, e pelo senador Renan Calheiros, ambos do PMDB, políticos retos que, como Dirceu, conhecem bem esse tipo de “denúncia infundada”. Até o outrora discreto chefe de gabinete da Presidência, Gilberto Carvalho, foi às falas:
“Não vamos aceitar linchamento sem provas”. O partido, portanto, está disposto a manter no cargo João Vaccari, o coletor de propina do mensalão junto aos fundos de pensão.
NEM AÍ
O tesoureiro do PT, João Vaccari, não se deu ao trabalho de responder às denúncias
As declarações no convescote de Dirceu demonstram que o PT resolveu aplicar no caso de Vaccari a mesma tática belicosa que adota desde o começo do governo Lula sempre que surgem evidências de malfeitorias cometidas pelos companheiros.
É uma estratégia rudimentar, na qual o partido se defende tão somente atacando os autores das denúncias – ou, ainda, o mensageiro delas: “a mídia golpista”. Essa atitude prepotente, de deprezo aos demais protagonistas do jogo democrático, serve ao propósito político de interditar o debate e a validade de quaisquer investigações, ignorando, assim, a substância objetiva das provas apresentadas ao público.
A nota divulgada pelo tesoureiro na semana passada – em resposta às revelações de VEJA sobre os depoimentos sigilosos do corretor Lúcio Funaro aos procuradores que investigam o mensalão – ratifica isso. Nela, lê-se apenas que as denúncias visam a “influenciar o processo eleitoral”.
Nada diz sobre os fatos. Ou seja, nega sem negar. Não nega que Vaccari recebeu o corretor e o deputado mensaleiro Valdemar Costa Neto na sede da Bancoop, no fim de 2004. Não nega que nesse encontro Vaccari explicou que, para fazer negócios nos fundos de pensão, era necessário pagar um pedágio ao PT.
Não nega que, na conversa, Vaccari explicou que Funaro e Valdemar também deveriam pagar propina para participar dessas negociatas.
Ao desprezo pelos fatos seguiu-se a terceira linha de defesa do PT, na qual o partido procurou distanciar Vaccari do comitê da campanha presidencial de Dilma Rousseff. Ele é tesoureiro do PT, mas não cuidará das finanças da campanha, asseguram os articuladores do partido. Bobagem.
Nem distância física existe. O provável comitê de campanha de Dilma funcionará no mesmo prédio da sede do PT, em Brasília. A partir de abril, quando deixará a Casa Civil para dedicar-se exclusivamente à campanha, Dilma será funcionária do PT. Seu salário sairá dos cofres administrados por Vaccari.
Ao menos cinco assessores dela deixarão a Casa Civil e passarão a receber pelo partido. A sigla também bancará, naturalmente, toda a estrutura da caminhada eleitoral de Dilma até julho, quando a campanha começará oficialmente e o comitê poderá arrecadar doações. O partido estima que gastará entre 5 e 8 milhões de reais nesse período de pré-campanha. Tudo com a assinatura de João Vaccari – o homem que pedia comissão a empresários, segundo depoimentos em poder da Procuradoria-Geral da República.
Vai sobrar alguém?
Distrito Federal é hoje um território politicamente arrasado para onde quer que se olhe, inclusive o futuro. Nas duas últimas décadas, Joaquim Roriz foi governador por quinze anos. O cacique é apontado como o criador de uma estrutura de corrupção suspeita de desviar mais de 1 bilhão de reais dos cofres públicos.
Em 2006, José Roberto Arruda apresentou-se como uma alternativa. Viu-se, porém, que Arruda não só se apossou do esquema de Roriz como também o aprimorou.
Afastado do cargo e preso há pouco mais de um mês, o governador teve o lugar ocupado interinamente pelo deputado Wilson Lima, réu em processo por improbidade administrativa. Na semana passada, o Tribunal Regional Eleitoral cassou o mandato de Arruda por infidelidade partidária. Seus advogados ainda podem recorrer ao Tribunal Superior Eleitoral.
Se a cassação for ratificada, a Câmara Legislativa vai escolher o sucessor por meio de uma eleição indireta. Solução? Não. Mais problema. Há dúvida quanto à lisura dos integrantes da Casa, já que nada menos que dez dos 24 parlamentares estão sob investigação da Polícia Federal e do Ministério Público como destinatários de propinas.
Se o passado envergonha e o presente é desalentador, as perspectivas de futuro são ainda piores. Joaquim Roriz, o criador do mensalão local, é pré-candidato, e já desponta como o principal postulante ao governo. Pesquisas recentes o colocam em condições até de vencer no primeiro turno.
A virtude da democracia é que, em situações assim, há sempre a possibilidade de expulsar do poder os transgressores pelo voto. Em Brasília, o PT apresenta-se como o único partido capaz de limpar a sujeira deixada pelo governo Arruda e afastar o fantasma da volta de Joaquim Roriz. O problema é que os dois candidatos da sigla que disputam a indicação também estão às voltas com denúncias pesadas.
Agnelo Queiroz, ex-ministro do Esporte do governo Lula, é investigado pelo Ministério Público por desviar recursos do projeto Segundo Tempo para beneficiar ONGs ligadas a aliados políticos de seu partido.
Recentemente, ele foi pilhado invadindo área pública. O outro petista, o deputado federal Geraldo Magela, também tem fantasmas para exorcizar.
Em 2004, Waldomiro Diniz, ex-assessor do ministro José Dirceu, foi filmado pedindo propina a um empresário de jogos. Na época, Waldomiro afirmou que parte do dinheiro recolhido foi repassada à campanha de Geraldo Magela ao governo, em 2002, eleição que ele perdeu exatamente para Joaquim Roriz. O lado positivo é que o redemoinho vai acabar tragando muita coisa ruim.
Onde está Wally?
A cena acima é um registro para a posteridade de um momento ímpar na vida de 22 formandos da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas de Goiatuba, no interior de Goiás.
Sorriso no rosto, diploma nas mãos orgulhosamente levantadas e…, no alto, alguém que, aparentemente, não combina muito com o ambiente. O homem de terno e gravata é um professor, o patrono da turma, o escolhido para render homenagens aos alunos.
Parece o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares – aquele acusado de corrupção e formação de quadrilha? Parece. Mas, ouvindo suas palavras na solenidade de formatura, não é possível que seja.
“É muito importante a ética na política, na educação e na cultura do povo”, afirmou o professor, diante dos olhares atentos de mais de quatro centenas de convidados. E concluiu sua pregação: “É importante ter ética em tudo o que se faz na vida”.
O homem que está no epicentro do maior escândalo de corrupção da história do Brasil, que manuseou milhões de reais em dinheiro roubado dos cofres públicos, agora empenha seus fins de semana pregando ética a jovens. Bonito, se estivesse cumprindo uma expiação. Mas nem isso é o que parece.
O ex-tesoureiro petista foi homenageado pela turma de futuros administradores por seu principal talento – a capacidade de arrumar dinheiro.
Conta o presidente da comissão de formatura: “A gente ficou sabendo que o Delúbio gostava de participar desse tipo de festa, inclusive ajudando financeiramente. Fomos até sua fazenda e fizemos o convite para ele ser o nosso padrinho.
Ele topou na hora e, aí, a gente perguntou se ele poderia dar uma ajudazinha nas despesas. Ele perguntou de quanto. Deixamos por conta dele”.
Dias depois do convite, em novembro, o ex-tesoureiro depositou 6 000 reais, o equivalente a 13% das despesas da festa, na conta da comissão. “A gente sabe que a fama dele é horrível, mas fazer o quê, se ele pode bancar a festa?”, justifica Cezar Barros.
Candidato confesso
Na última sexta-feira, o governador de São Paulo, José Serra, admitiu em público pela primeira vez que será candidato à Presidência da República pelo PSDB.
O anúncio não ocorreu com a pompa e a solenidade que seus aliados e adversários esperavam, mas em uma simples entrevista concedida ao apresentador José Luiz Datena, da Band. Serra pretendia falar sobre um projeto na área de saúde.
A conversa tomou outro rumo. Ele recebeu parabéns por seu aniversário e, ao ser questionado sobre a data em que deveria lançar seu nome, respondeu: “No início de abril”. O jornalista ainda conferiu: “Está definido, então?”.
O tucano confirmou: “Está”. A candidatura de Serra era um segredo de polichinelo. Ainda assim, a revelação surpreendeu até seus colaboradores mais próximos. Eles esperavam que Serra emitisse declarações cada vez mais claras sobre sua intenção de concorrer ao Palácio do Planalto.
A senha nesse sentido foi dada no início do mês, durante as comemorações do aniversário de 100 anos do presidente Tancredo Neves.
Na oportunidade, Serra garantiu à cúpula do partido que disputará a sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. A partir daí, deveria fazer afirmações semelhantes para círculos cada vez menos restritos. Deveria, no entanto, evitar manifestações públicas, que poderiam esvaziar o lançamento formal de sua campanha, em 10 de abril.
Tão convencido estava da decisão de disputar a Presidência e da correção de sua estratégia que Serra acabou se traindo. “Não disse nada de novo”, ponderou o governador, declarando-se surpreso com a repercussão da entrevista.
“Ele guardou isso por tanto tempo que acabou saindo”, avaliou um de seus amigos. O deslize verbal não deverá, porém, alterar o calendário tucano. Na semana passada, Serra tomou novas decisões sobre a cerimônia.
Aprovou, por exemplo, o horário (de manhã) e o local (Brasil 21 Centro de Eventos e Convenções, em Brasília) em que ela ocorrerá. Também incumbiu o presidente do PSDB, Sérgio Guerra, e seu secretário executivo, Sérgio Silva, de contratar as empresas que vão organizá-la. Empenhou-se em eliminar possíveis focos de conflito em sua equipe de campanha.
Uma das preocupações atuais de Serra é convencer a agremiação de que o mais indicado para chefiar sua área de comunicação é o marqueteiro Luiz González, que o ajudou a conquistar a prefeitura de São Paulo, em 2004, e o governo do estado, em 2006.
Alguns dos líderes do PSDB têm restrições a González porque, também em 2006, ele coordenou a campanha fracassada a presidente da República do tucano Geraldo Alckmin. Mas Serra não só gosta do marqueteiro como confia nele e está certo de que não há ninguém melhor para a tarefa.
Época
Pau na máquina eleitoral
Conhecido no ambiente político pelo hábito de trabalhar à noite e de madrugada, o governador de São Paulo e “pré-candidato” do PSDB à Presidência, José Serra, se viu forçado na semana passada a imprimir essa marca também à administração do Estado.
Nos canteiros do trecho sul do Rodoanel e da Nova Marginal Tietê, grandes obras viárias executadas por sua gestão na capital paulista, operários trabalharam praticamente as 24 horas do dia. A azáfama nos canteiros tem um motivo.
O Rodoanel e a Nova Marginal Tietê são duas vitrines que Serra quer usar em sua segunda campanha pelo Palácio do Planalto. Se quiser concluir as obras no cargo de governador, Serra terá de fazer as inaugurações até o dia 2 de abril. A partir dessa data, pela Lei Eleitoral, ele é obrigado a deixar o governo de São Paulo para poder concorrer à Presidência.
O frenesi de máquinas e trabalhadores, acompanhado por ÉPOCA na noite da quarta-feira, ajuda a trazer ao mundo das coisas concretas as confusões criadas pela legislação eleitoral brasileira. Na teoria, ela tenta proteger o eleitor de eventuais abusos da máquina pública e do poder econômico.
Na prática, acaba produzindo um teatro farsesco no qual os candidatos dizem que são apenas “pré-candidatos” – essa invenção tão nacional quanto a jabuticaba – e os eleitores servem de plateia para que os políticos finjam que estão respeitando as regras.
As falhas estão sendo expostas pela própria Justiça, encarregada de aplicá-la. A lei proíbe a realização de “campanha antecipada”. Os candidatos só podem pedir votos depois de 5 de julho. Os juízes não se entendem, porém, se a maratona de inaugurações promovidas pelo presidente Lula para alavancar a candidatura presidencial da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, a adversária de Serra, configura um desrespeito às regras.
Na quinta-feira passada, o presidente foi multado pelo ministro Joelson Dias, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em R$ 5 mil. Ao julgar uma representação dos partidos de oposição, Dias entendeu que Lula ajudou a “aclamar” o nome de Dilma como candidata ao visitar, na companhia dela, uma obra em Manguinhos, Rio de Janeiro, no dia 29 de maio do ano passado.
Em outra decisão, por 4 votos a 3, Lula foi absolvido no plenário do mesmo TSE de acusação semelhante, propaganda antecipada, por ter participado de uma inauguração em Minas Gerais. Na segunda-feira, a Justiça Eleitoral mandou também o PT paulista retirar do ar propagandas de TV com a participação do presidente e de Dilma, prática que o partido vinha adotando havia quase um ano.
CANTEIRO
Operários trabalham na obra da Marginal Tietê, em São Paulo. Para Serra entregá-la neste mês, foi criado um turno à noiteNo caso da multa a Lula, a Advocacia- Geral da União (AGU), órgão que tem por finalidade defender os interesses do governo federal, deverá recorrer da sentença.
A mesma AGU emitiu um parecer que promete aumentar a confusão em torno das proibições eleitorais. O texto dá aval à participação de qualquer pré-candidato em inaugurações e eventos oficiais até 5 de julho, o tal prazo legal para o início das campanhas, quando, em tese, o jogo começaria. “A decisão da AGU praticamente torna inócua a necessidade de a Dilma deixar o governo. Não faz sen-tido”, diz Ricardo Penteado, advogado do PSDB.
Enquanto as assessorias jurídicas do governo e da oposição duelam nos tribunais, os pré-candidatos aumentam o ritmo dos eventos com tons eleitorais.
Na quarta-feira passada, Dilma vistoriou, em Minas Gerais, uma estrada que já estava pronta havia oito meses. Mesmo assim, tanto ela como Serra fingem que não estão fazendo campanha. Na sexta-feira, ao ser entrevistado pelo apresentador José Luiz Datena, na TV Bandeirantes, Serra se embaraçou completamente ao tentar dissimular que seja candidato e assim não arrumar problemas nos tribunais.
“Eu não estou negando minha candidatura. Estou dizendo que neste momento não vou fazer campanha”, disse Serra. A declaração acabou sendo interpretada como o anúncio oficial da candidatura, apesar dos recuos de Serra.
A guerra dos royalties
No alto, vista aérea da passeata no centro do Rio. Acima, Cabral (à dir.) com a adversária Rosinha Garotinho (no centro) e o prefeito Eduardo PaesA exploração das imensas jazidas de petróleo descobertas na chamada camada pré-sal ainda está na fase experimental.
Calcula-se que as novas fronteiras petrolíferas, a cerca de 300 quilômetros da costa e a 7.000 metros de profundidade no oceano, só começarão a gerar renda dentro de dez anos. Mesmo assim, a divisão do butim do pré-sal já produz cizânia política, disputa federativa entre Estados e comoção popular.
Na semana passada, o centro do Rio de Janeiro foi palco da maior manifestação vista na cidade desde os protestos que levaram ao impeachment do ex-presidente Fernando Collor. Convocadas por uma campanha publicitária relâmpago, articulada pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), 150 mil pessoas foram às ruas para protestar “contra a covardia”.
Covardia, no caso, é como o governador Cabral e os fluminenses encararam a aprovação pela Câmara dos Deputados de uma emenda a um projeto de lei que regulamenta a exploração do petróleo da camada pré-sal, de autoria dos deputados Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), Humberto Souto (PPS-RS) e Marcelo Castro (PMDB-PI).
A emenda Ibsen, como ficou conhecida, muda as regras da divisão dos royalties pagos pelas empresas petrolíferas como compensação pelos impactos demográficos, ambientais e de infraestrutura causados pela exploração do petróleo.
Pelas regras atuais, a maior parte dos royalties vai, além da União, para os Estados e municípios onde há produção de petróleo (leia o quadro na próxima página). Os demais Estados recebem apenas uma pequena parcela do dinheiro.
Com a descoberta das jazidas do pré-sal, o governo Lula patrocinou um acordo que aumenta o quinhão dos Estados não produtores no bolo dos royalties, mas preserva a maior fatia da renda do petróleo para os Estados produtores.
Com o argumento de que é preciso dar tratamento igualitário aos Estados, a emenda Ibsen ignorou esse acordo. Estipulou novos critérios de partilha de royalties dos campos pré-sal e dos já existentes, pelos quais o Estado do Rio de Janeiro, hoje o campeão de receita, perderá mais de R$ 4,6 bilhões de arrecadação.
O impacto dessa perda seria a ruína financeira do Estado. Segundo um estudo da Secretaria de Fazenda do Rio de Janeiro, para reequilibrar as contas estaduais, a Secretaria de Saúde, por exemplo, teria de perder 39% de seu orçamento.
Depois da aprovação da emenda Ibsen, o governador Cabral foi às lágrimas e disse que a realização da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016 estava sob ameaça.
Sua reação emocional foi o estopim para a mobilização da semana passada, turbinada com ponto facultativo para funcionários públicos e ônibus fretados por prefeituras, mas que terminou sendo um sucesso. Além de praticamente todo o espectro político fluminense, a passeata mobilizou desde a funcionária pública Neide Macedo, de 46 anos, portadora de deficiência física, que encarou três horas de trânsito, na companhia de duas filhas e neto, para ir de sua casa na Baixada Fluminense até o centro do Rio de Janeiro, até celebridades como a apresentadora Xuxa e sua mais famosa ex-paquita, a atriz Letícia Spiller.
Letícia foi ovacionada pelo público ao clamar: “O petróleo é nosso”. Na internet, a manifestação foi o segundo assunto mais comentado no Twitter no mundo, perdendo apenas para o dia de São Patrício, festa popular em muitos países.
A mobilização do Rio deve forçar o Senado, para onde foi enviado o projeto aprovado pela Câmara, a rever a aprovação da emenda Ibsen. Depois do estrilo de Cabral, o presidente Lula prometeu ao governador um veto à emenda, caso os senadores não a alterem.
Em público, o presidente, na semana passada, não quis, porém, se comprometer com um veto. “Eu já cumpri a minha parte. A bola está nas mãos do Congresso Nacional, e o Congresso que resolva o problema”, disse Lula, em Amã, na Jordânia, momentos antes de embarcar de volta para o Brasil após uma viagem de cinco dias ao Oriente Médio.