Época
Os infiltrados da ditadura
As organizações de esquerda passavam por grandes dificuldades no segundo semestre de 1969. Com a edição do Ato Institucional nº 5 (AI-5) no final do ano anterior, o governo militar ampliou os instrumentos legais de perseguição às organizações que combatiam a ditadura. As prisões de militantes levavam os grupos armados a tentar recrutar mais gente. Em outubro de 1969, um homem ofereceu serviços de bombeiro hidráulico na Administradora Bolívar, uma imobiliária de Copacabana. Disse chamar-se Luciano e conseguiu trabalho com a responsável pela empresa, Maria Nazareth Cunha da Rocha. Bom de conversa, falava de política enquanto fazia os consertos nos encanamentos. Nazareth gostou do sujeito. Mais ainda quando ele disse que estivera preso por ter participado de atividades contra o golpe militar.
Poucos dias depois, em tom confidencial, Nazareth perguntou se Luciano gostaria de fazer parte de uma organização de luta armada. A imobiliária Bolívar era, na verdade, uma espécie de condomínio de várias organizações da luta armada. Reunia a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e a Frente de Libertação Nacional (FLN). No topo, de acordo com Nazareth, estava Carlos Marighella, líder máximo da Ação Libertadora Nacional (ALN), que seria morto em São Paulo poucos dias depois, em novembro de 1969. Ela convidou Luciano a integrar um grupo de homens “dispostos a tudo”, para realizar operações de assalto e sabotagem. Sem titubear, Luciano respondeu que sim. Militante experiente, na faixa de 40 anos de idade, Maria Nazareth não sabia, ao fazer o convite, que era enganada. Luciano, o homem que se apresentou como bombeiro hidráulico, era um agente do Centro de Informações da Marinha, o Cenimar.
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Na vida real, Luciano se chama Manoel Antonio Mendes Rodrigues. Uma ficha dos arquivos do Cenimar descreve Manoel Antonio, ou “Luciano”, como um agente remunerado que teve conexões com assaltos a banco e contatos em várias organizações da luta armada, como FLN, VPR e MR-8. No serviço secreto da Marinha, consta que ele mantinha contato com vários oficiais.
O Cenimar grampeou os telefones da Administradora Bolívar. Os informes da imobiliária eram transcritos à mão em “folhas de trabalho” do serviço secreto. A infiltração de Luciano nos grupos que operavam na Administradora Bolívar coincide com a prisão de vários militantes. Dos arquivos do Cenimar, é possível inferir que ela foi fundamental para a obtenção de informações que levaram a essas prisões.
Um exemplo: em 26 de novembro de 1969, os espiões descobriram que o militante Salathiel Teixeira Rolim viajara do Rio para São Paulo e Curitiba num carro modelo JK, verde, placas GB Z0 5575. Ex-integrante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), Salathiel entrou para o radical PCBR no fim da década de 1960. Depois de rastreado pelo Cenimar, foi preso em janeiro de 1970. Torturado, deu informações que, na avaliação de antigos aliados, contribuíram para a captura de dirigentes do PCBR. Em 1973, depois de sair da cadeia, Salathiel foi morto por militantes do PCBR, sob a acusação de que traíra o partido na prisão.
A infiltração de Luciano resultou também na espionagem contra um dos mais importantes dirigentes da VPR, Juarez Guimarães de Brito. Juarez entrara em 1968 para o Comando de Libertação Nacional (Colina), organização a que pertenceu a presidente Dilma Rousseff. Em julho de 1969, integrava a VAR-Palmares, organização oriunda da fusão entre Colina e VPR. Foi Juarez quem comandou no Rio de Janeiro o assalto ao cofre de Ana Capriglione, amante do ex-governador de São Paulo Adhemar de Barros. Trata-se do assalto mais bem-sucedido realizado por um grupo de esquerda durante a ditadura. Ele rendeu US$ 2,6 milhões aos assaltantes.
Os arquivos secretos da Marinha
Uma caixinha de papelão do tamanho de um livro guardou por mais de três décadas uma valiosa coleção de segredos do regime militar implantado no Brasil em 1964. Escondidas por um militar anônimo, 2.326 páginas de documentos microfilmados daquele período foram preservadas intactas da destruição da memória ordenada pelos comandantes fardados. Os papéis copiados em minúsculos fotogramas fazem parte dos arquivos produzidos pelo Centro de Informações da Marinha (Cenimar), o serviço secreto da força naval. Ostentam as tarjas de “secretos” e “ultrassecretos”, níveis máximos para a classificação dos segredos de Estado e considerados de segurança nacional. Obtido com exclusividade por ÉPOCA, o material inédito possui grande importância histórica por manter intactos registros oficiais feitos pelos militares na época em que os fatos ocorreram. Para os brasileiros, trata-se de uma oportunidade rara de conhecer o que se passou no submundo do aparato repressivo estruturado pelas Forças Armadas depois da tomada do poder em 1964. Muitos dos mistérios desvendados pelos documentos se referem a alguns dos maiores tabus cultivados pelos envolvidos no enfrentamento entre o governo militar e as organizações de esquerda.
As revelações mais surpreendentes estão nas pastas rotuladas de “Secretinho”, uma espécie de cadastro dos espiões nas organizações de esquerda. Fichas e relatórios do Cenimar identificam colaboradores da ditadura, homens e mulheres, que atuavam infiltrados nas organizações que faziam oposição, armada ou não, ao regime militar. Agiam dentro dos partidos, dos grupos armados e dos movimentos estudantil e sindical. O trabalho dos informantes e agentes secretos era pago com dinheiro público e exigia prestação de contas. Muitos infiltrados eram militares treinados pelos serviços secretos das Forças Armadas que atuavam profissionalmente. Outros foram recrutados pelos serviços secretos entre os esquerdistas, por pressão ou tortura. Havia ainda dezenas de colaboradores eventuais, simpatizantes do regime, que trabalhavam em setores estratégicos, como faculdades, sindicatos e no setor público. A metódica organização da Marinha juntou relatórios, fotografias, cartas e anotações de agentes e militantes.
Reveladores, os papéis microfilmados divulgados por ÉPOCA antecipam alguns dos debates mais importantes previstos para a Comissão da Verdade, cuja lei de criação foi sancionada recentemente pela presidente Dilma Rousseff. Aprovada pelo Congresso, a comissão foi criada com o objetivo de esclarecer os abusos contra os direitos humanos cometidos, principalmente, durante a ditadura militar. Se investigar a fundo o que se passou nas entranhas do aparato repressivo, chegará à participação de militantes de esquerda nas ações que levaram à prisão, à morte e ao desaparecimento de antigos companheiros.
Durante a luta armada, as acusações de traição muitas vezes determinaram justiçamentos, com a execução dos suspeitos pelos próprios integrantes das organizações comunistas. Isso aconteceu com Salathiel Teixeira, militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) que integrou o revolucionário Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), dissidência do “Partidão” que migrou para a luta armada. Salathiel terminou morto por companheiros por suspeita de ter fornecido, sob tortura, informações aos órgãos de repressão. Os documentos da Marinha mostram como Maria Thereza, funcionária do antigo INPS do Rio de Janeiro e amiga de Salathiel, foi recrutada e paga para ajudar a prendê-lo em 1970. A prisão de Salathiel foi chave para a prisão de dirigentes do partido.
O Cenimar representava a Marinha na poderosa comunidade de informações do governo militar, que incluía também os serviços secretos do Exército, da Aeronáutica, da Polícia Federal e das polícias Civil e Militar. O marco inicial da estruturação dessa rede que investigava e caçava inimigos dos militares foi a criação do Serviço Nacional de Informações (SNI), em 1964, pelo então coronel Golbery do Couto e Silva, um dos homens fortes dos governos dos presidentes Humberto de Alencar Castelo Branco, Ernesto Geisel e João Figueiredo.
Como os políticos usam a internet
Um levantamento feito pela Medialogue, agência digital de pesquisa em mídia, mediu o nível de interatividade dos 513 deputados federais e 81 senadores. A conclusão: apesar de vivermos em plena era digital, os políticos ainda estão desconectados. Apenas um terço deles oferece contato por e-mail. Menos de 20% fazem consultas aos eleitores usando enquetes on-line. E só 23% dos senadores atualizam um blog regularmente. “Eles exploram pouco as possibilidades da rede”, afirma Alexandre Secco, diretor da Medialogue e coordenador da pesquisa. “A maioria trouxe os vícios da comunicação analógica para o mundo digital. Só oferecem informações que interessam a eles mesmos.” Há iniciativas que fogem à regra. O deputado federal Anthony Garotinho (PR-RJ) tem um blog com denúncias e usa o Twitter para responder a dúvidas de seus eleitores. A deputada federal do Rio Grande do Sul Manuela D’Ávila (PCdoB) tem dois blogs (um pessoal e outro político) e usa várias formas de interação. Manuela usa até o Formspring (serviço on-line de perguntas e respostas) para se comunicar com o eleitor.
Um processo de R$ 50 bilhões
Poucos assuntos assustam tanto o governo quanto 299 processos movidos pelo setor sucroalcooleiro. As usinas dizem que a União lhes deve R$ 50 bilhões, o equivalente à arrecadação anual do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Esse crédito teria sido acumulado entre 1985 e 1989, período no qual a União tabelou os preços do açúcar e do álcool. As empresas alegam que os valores fixados então eram menores que seus custos de produção. Em sua defesa, a União afirma que os preços eram definidos levando em conta outros fatores, como os subsídios concedidos ao setor. Em Brasília, o Tribunal Regional Federal decidiu em favor dos usineiros numa causa de R$ 7 bilhões. A sentença entrou em fase de execução. A Procuradoria-Geral da União tenta sustar o processo, obrigando os empresários a mostrar as notas fiscais que comprovariam seu crédito. Os usineiros não aceitam apresentar os documentos. O caso foi parar nas mãos do ministro Castro Meira, do Superior Tribunal de Justiça.
Aécio Neves: “Dilma é refém de um governo de cooptação”
Em 2010, Aécio Neves tinha altos índices de popularidade depois de dois mandatos como governador de Minas Gerais e poderia postular a candidatura à Presidência da República pelo PSDB. Mas não quis entrar numa disputa interna e cedeu a vez ao então governador de São Paulo, José Serra. Serra ainda parece alimentar a pretensão de voltar a concorrer ao Planalto. Mas agora quem tem maioria no partido é Aécio. Entronizou aliados nos principais postos da direção partidária e comanda a reorganização do PSDB. Depois de um início de mandato relativamente discreto no Congresso, onde o governo conta com maioria avassaladora, Aécio, aos poucos, tem aumentado o tom das críticas ao governo Dilma. Na semana passada, ele deu esta entrevista a ÉPOCA.
ÉPOCA – O senhor disse que está pronto para ser candidato à Presidência da República em 2014 em disputa com a presidente Dilma Rousseff ou o ex-presidente Lula. Como tornar viável uma candidatura de oposição a um governo bem avaliado?
Aécio Neves – O PSDB passou por uma reorganização em sua direção e agora inicia um processo de debates com a sociedade. Realizou um grande seminário, com a participação de figuras que não são do partido, e deu a largada na discussão de temas que permitirão um antagonismo com o governo. Não me surpreende a popularidade da presidente Dilma. É natural, no primeiro ano de governo, que o protagonismo da cena política seja da presidente. Ela tem boas intenções. Mas é refém do que lá atrás se chamou de coalizão, mas não passa de um governo de cooptação. O governo do PT abdicou de um projeto de país para se dedicar a ficar no poder. O tempo está passando e não há nenhuma inovação em nenhuma área. A oposição chegará altamente competitiva em 2014, porque esse modelo de go-vernar pela cooptação, estabelecido pelo PT, vai se exaurir.
ÉPOCA – Um problema da oposição é que a base do governo reúne 17 partidos. Se for candidato, que partidos o senhor pretende atrair?
Aécio – Não sou candidato, não ajo como candidato. Sou lembrado por alguns companheiros do partido, mas falar em nomes agora seria um equívoco estratégico enorme. O PSDB precisa antes voltar a dizer ao país o que pensamos. No momento adequado, vamos ter novos aliados, porque o modelo do PT vai chegar ao final de 12 anos sem enfrentar nenhum grande contencioso do país. Eles tocaram a coisa conforme a maré permitia, e isso vai gerar cansaço. O mandato da presidente Dilma não vai ser nenhuma grande tragédia, mas ela é responsável pela formação de seu governo, pela incapacidade de tomar iniciativas, pela falência da infraestrutura no Brasil, pela má qualidade da saúde. Esse é um governo reativo, sem a dimensão necessária para produzir um futuro diferente para o Brasil – e que passou o ano reagindo às crises que surgiram. O malfeito só é malfeito quando vira escândalo.
ÉPOCA – Em que o PSDB pode tentar se distinguir do PT?
Aécio – Estamos buscando identificar temas que criarão contraponto ao imobilismo do PT. Vamos ao principal. Fala-se muito do combate à pobreza como a grande marca do governo. Mas não se combate a pobreza só com um programa de distribuição de renda. O governo se contenta em administrar a pobreza em vez de fazer a transição real dos pobres para uma situação de melhor bem-estar. Isso ocorre porque o governo não enfrenta a questão de qualificação da educação como deveria.
Mais um ministro caiu. No vento
O ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência, general José Elito Siqueira, exerce funções estratégicas no governo. Elito comanda a equipe responsável pela segurança pessoal da presidente Dilma Rousseff, do vice-presidente, Michel Temer, e dos familiares de ambos. Ele também é comandante da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), órgão encarregado de buscar informações estratégicas, fazer contraespionagem, municiar o governo com dados capazes de antecipar crises e descobrir segredos de inimigos.
Recentemente, o general Elito se tornou vítima de uma indiscrição daquelas que seus agentes descobrem diariamente. Duas fotos mostram que ele levou a família para brincar num equipamento em instalações do Exército. Elito, a filha Ana Helena Cintra e o neto visitaram um simulador de queda livre, uma espécie de túnel de vento, usado para treinar paraquedistas no quartel da Brigada de Operações Especiais, em Goiânia, Goiás. Como visitantes, os três vestiram os obrigatórios macacão, óculos e capacete para sentir os efeitos do simulador de salto. Nas imagens divulgadas entre amigos, Ana Helena aparece flutuando sobre a rajada de vento. Ao que parece, todos se divertiram bastante.
Paraquedista da reserva do Exército, formado pela Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) em 1969, o ministro Elito está familiarizado com simuladores. Equipado com três motores, o túnel do Exército em Goiânia consegue produzir ventos de até 280 quilômetros por hora, suficientes para sustentar até quatro pessoas no ar ao mesmo tempo. Trata-se de um equipamento público, voltado para os militares. Paraquedistas civis também podem usá-lo para treinamento. Mas não sai barato: o aluguel é de R$ 1.800 por hora. A família do ministro, com vínculos militares, não pagou nada. Além de Elito ser militar da reserva, a filha Ana Helena é dentista e oficial temporária do Exército desde 2007. Os contratos temporários de oficiais do Exército duram 12 meses, prorrogáveis por igual período, até que se completem oito anos. Em dezembro de 2010, quando o pai se tornou ministro, Ana Helena foi promovida a primeiro-tenente por tempo de carreira.
O vírus já vem no contrato
Uma das maiores ocupações de políticos em Brasília é procurar maneiras de levar recursos do governo federal a suas regiões. Cada um dos 594 parlamentares tem o direito de sugerir onde o governo deveria investir R$ 15 milhões anuais do Orçamento da União. Entre os ritos obrigatórios para quem busca recursos está a presença em reuniões promovidas pela Secretaria de Relações Institucionais (SRI), da Presidência da República, com técnicos dos ministérios. Eles explicam o que cada pasta tem para investir. Em uma dessas reuniões, no 3º andar do Palácio do Planalto, o chefe de gabinete da Secretaria Executiva do Ministério da Educação, José Luís Balalaica, foi um dos convidados. Ele explicou a deputados e assessores os programas federais na área de Educação. Em tempos em que o governo federal aperta os cintos, Balalaica cantou uma melodia agradável aos ouvidos dos participantes: disse que a Educação não sofre os problemas de contingenciamentos de gastos.
Segundo a sedutora fala de Balalaica, há recursos a destinar a prefeituras e Estados interessados em adquirir uniformes escolares, bicicletas escolares e laptops. No caso dos computadores, Balalaica apontou o caminho. Mencionou a existência de uma Ata de Registro de Preços no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). A ata é um atalho burocrático que facilita a compra dos equipamentos com o patrocínio das emendas. Ao “aderir a uma ata”, como diz o jargão, prefeituras, governos estaduais ou qualquer órgão federal não precisam fazer uma concorrência pública para comprar algo. Abre-se, então, a oportunidade para o aparecimento do vírus que ataca os cofres públicos.
IstoÉ
Ditaduras entrelaçadas
Não são apenas os brasileiros que vivem a expectativa sobre quais segredos a Comissão Nacional da Verdade, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff na sexta-feira 18, trará à tona. Ativistas de Direitos Humanos de Argentina, Paraguai e Uruguai esperam que, ao remexer os arquivos da ditadura brasileira, a Comissão esclareça fatos obscuros ocorridos naqueles países durante o regime militar nos anos 1970 e 1980. Especialmente no que se refere à Operação Condor, a aliança político-militar entre os governos ditatoriais sul-americanos nesse período. A surpresa pode ficar por conta de nomes de autoridades civis brasileiras que colaboraram com o regime ditatorial na América Latina. O correspondente em Brasília do jornal argentino “Pagina/12”, Dario Pignotti, que investiga a Operação Condor desde 1994, encontrou no Brasil documentos que comprovam a importante participação de diplomatas brasileiros na repressão, monitorando e revelando os passos de exilados, bem como agindo no interesse de conhecidos repressores vizinhos, como o capitão de fragata argentino Alfredo Astiz, conhecido como o “Anjo da Morte”. Essa atuação contradiz com a tese estabelecida de que o Brasil desempenhava um papel secundário e discreto na Operação Condor.
Astiz foi responsável pelas mortes das fundadoras da organização Mães da Praça de Maio, de duas freiras francesas e de uma estudante sueca, durante a repressão argentina, e tinha dois pedidos de extradição (França e Suécia). Se ele fosse mandado para a França ou Suécia, ele seria julgado por esses crimes, o que seria a pior solução para Astiz. Por interferência, porém, do então embaixador brasileiro em Londres em 1982, Roberto Campos, o “Anjo da Morte” acabou sendo devolvido pelos ingleses às autoridades argentinas. Na Argentina, ele ficou livre até 2006, quando foi detido. Mês passado, Altiz foi condenado em Buenos Aires à prisão perpétua.
O homem da mala
Nas duas últimas semanas, a Polícia Federal realizou uma devassa em computadores e arquivos de funcionários do Ministério do Trabalho. Estão sendo investigadas as vendas de cartas sindicais, denunciadas por ISTOÉ desde o início de agosto. Ao olhar com lupa as negociatas dentro do gabinete da Secretaria de Relações do Trabalho, importante órgão do ministério comandado por Carlos Lupi, a PF identificou, dentre os principais suspeitos, um delegado aposentado da própria PF. Trata-se de Eudes da Silva Carneiro, lotado como assessor da secretária de Relações do Trabalho, Zilmara Costa. Ele chegou ao cargo pelas mãos do ex-secretário Luiz Antonio de Medeiros e continua operando sob suas ordens. Um importante depoimento que a PF pretende colher nos próximos dias é o do sindicalista Irmar Batista, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Reparação de Veículos e Acessórios do Estado de São Paulo (Sirvesp). Ele acusa o ex-policial Eudes Carneiro de cobrar para conceder o registro sindical de sua entidade. “O Eudes me disse: ‘Você sabe como as coisas funcionam aqui, né?’ Falou que precisava do dinheiro para a equipe e me pediu R$ 1 milhão”, afirma. O encontro teria ocorrido em outubro de 2008 na sala de reuniões da Secretaria de Relações do Trabalho e em circunstâncias bem semelhantes às denunciadas pelo sindicalista João Carlos Cortez, na edição de 23 de novembro de ISTOÉ. “O Eudes pegava o dinheiro e distribuía. É o homem da mala”, diz Irmar Batista.
O sindicalista conta que participaram do encontro o deputado federal Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP) e o chefe de gabinete do vereador Adilson Amadeu (PTB-SP), Luiz Carlos Gutierrez, conhecido como Licá. Foi o gabinete do Amadeu que pagou a viagem. Segundo Irmar Batista, Licá teria sugerido que o dinheiro – R$ 1 milhão – fosse pago por meio de seu escritório de advocacia.
Câmara vai investigar a rádio Disney
As suspeitas de que o grupo americano The Walt Disney exerce ilegalmente o controle da Itapema FM de São Paulo, conhecida como Rádio Disney, vão ser investigadas pelo Congresso. Na quinta-feira 24, o deputado federal Eduardo Gomes (PSDB-TO) recolheu as assinaturas necessárias para instaurar uma Comissão Especial para escutar ministros, empresários e agências reguladoras sobre o controle nacional em segmentos estratégicos do País, principalmente a radiodifusão. Segundo o parlamentar, o apoio da maior parte dos colegas veio depois de ISTOÉ publicar, em sua última edição, a reportagem “O esquema suspeito de PHC & Disney”. A ideia é também apurar os fatos por meio das comissões de Ciência e Tecnologia e de Fiscalização e Controle. “Se provado que há irregularidades nessa rádio, o esperado é o cancelamento da outorga”, opina o parlamentar Vanderlei Siraque (PT-SP). ISTOÉ trouxe à tona quatro documentos do Brasil e dos Estados Unidos. Eles mostravam que Paulo Henrique Cardoso, filho do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, era acionista minoritário da Rádio Holding e, portanto, de sua controlada, a Rádio Itapema FM de São Paulo. No controle da emissora estaria a Disney, por meio de suas subsidiárias ABC Venture Corp e Disney Brasil, com mais de 99% da sociedade. Com esse quadro societário, a rádio funcionaria ilegalmente. Pelas leis nacionais, emissoras de rádio não podem ter participação estrangeira no seu capital acima de 30%.
Na segunda-feira 21, a revista recebeu da assessoria da Rádio Disney uma cópia da pedido de correção de um erro crasso no quadro acionário de sua controladora, a empresa Rádio Holding, solicitada na tarde da sexta-feira 18 junto à Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp). Rapidamente, a documentação foi alterada e PHC passou a figurar como o principal cotista da Rádio Disney, como nos contratos registrados anteriormente na Jucesp, o que coloca a emissora em situação legal, assim como seus sócios. Em nota, a Junta Comercial de São Paulo informa que “na solicitação de registro, o sócio ou representante da empresa preencheu incorretamente os dados enviados ao banco de dados, invertendo o quadro societário”. O órgão, do governo do Estado de São Paulo, abriu um procedimento interno e afastou um funcionário por não detectar a “inconsistência dos dados preenchidos com os demais documentos apresentados”.
A suspeita: Chevron tentava atingir o pré-sal sem autorização
No início, parecia uma gota de óleo no oceano. Com curtíssimas notas oficiais, a petroleira americana Chevron anunciou um vazamento de proporção ínfima em sua plataforma no Campo de Frade, na Bacia de Campos. Mas não foi o suficiente para convencer uma pessoa que vive em Brasília e conhece todos os meandros da indústria do petróleo. Ex-ministra de Minas e Energia e ex-presidente do Conselho de Administração da Petrobras, a presidenta Dilma Rousseff concluiu rapidamente que a história estava mal contada. Na tarde da sexta-feira 11, com o País mais preocupado com o feriadão da República, ela chamou ao Palácio do Planalto o diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Haroldo Lima, e ordenou que cobrasse explicações mais detalhadas da empresa. Mas, depois que imagens mostraram a área atingida e os filetes de óleo vazando pelas fissuras no solo submarino, Dilma não teve mais dúvida: a Chevron escondia algo grave ao atribuir o vazamento “ao aumento inesperado da pressão do óleo”. Tecnicamente, a pressão do óleo era incompatível com uma perfuração tradicional a 1.200 metros de profundidade. Para quem é do ramo, ficou claro que a Chevron, sem permissão da ANP, tentava atingir a camada mais profunda do pré-sal. Essa foi exatamente a conclusão de Dilma Rousseff. A Chevron estava mentindo para as autoridades brasileiras.
A farra da FAB
O Ministério Público Federal está debruçado no que pode ser um dos maiores escândalos de desvio de verbas já descobertos envolvendo a Força Aérea Brasileira. Cerca de oito mil militares que foram demitidos nos últimos dez anos continuam ativos no cadastro interno da FAB e de órgãos federais, como o Ministério do Trabalho e da Previdência. Na enorme lista de soldados fantasmas – que corresponde a 12% do efetivo da Aeronáutica – constam até mortos, segundo documentos obtidos com exclusividade por ISTOÉ e que estão sendo analisados pelo procurador da República Valtan Timbó Furtado, do 7º Ofício Criminal, de Brasília. Depois de analisar os papéis, que incluem laudos internos da Aeronáutica e do Ministério da Defesa, o procurador encontrou elementos suficientes para investigar a FAB por crime contra o patrimônio e estelionato. “Vou pedir à Polícia Federal que instaure o inquérito”, disse Furtado à ISTOÉ. O rombo pode alcançar R$ 3 bilhões, valor equivalente a 70% de todo o investimento da Força Aérea previsto para 2012 e 20% do orçamento da Defesa. Na mira do procurador estão chefes de bases aéreas, comandantes do Estado-Maior da Aeronáutica e dos departamentos e diretorias de pessoal a eles subordinados.
Carta Capital
No pântano da farsa
A Chevron escolheu a pior estratégia: tentar enganar os ósgãos de fiscalização e a sociedade brasileira
O presidente da Chevron no Brasil, George Buck, chegou ao Congresso Nacional na quarta-feira 23 ciente de que a credibilidade da empresa sob seu comando tinha ido parar no fundo do poço. Responsável por uma equivocada estratégia baseada em mentiras, manipulações e arrogância empresarial, o executivo da quarta maior petroleira privada do mundo perdeu-se entre desculpas e desenganos até ser avisado, ainda durante a audiência pública da qual participava, do tamanho da encrenca em que se metera. Daquele dia em diante, e por tempo indeterminado, a Chevron estava proibida de explorar petróleo no Brasil.
A decisão da Agência Nacional do Petróleo (ANP) foi anunciada no início da noite da quarta 23, exatos 15 dias depois de um vazamento de óleo ter começado a manchar as águas do Oceano Atlântico, a 120 quilômetros da costa de Macaé (RJ), um desastre ambiental ainda em andamento e cuja dimensão não foi calculada com exatidão. Fala-se em 3 mil barris, ou 476,9 mil litros de óleo, mas o vazamento continuava (na noite de quinta-feira a companhia informou que ele havia parado, mas o comunicado ainda carecia de comprovação). A reação tardia da ANP, assim como a hesitação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em enfrentar o caso, escancarou as deficiências da fiscalização das concessões de exploração e a inexistência de um plano de contingência estatal capaz de garantir efetividade em um acidente como o ocorrido na Bacia de Campos, na área chamada Campo de Frade.
“A investigação precisa de foco”
Presidente do Instituto Miguel Arraes, Antônio Campos quer centrar os trabalhos da Comissão da Verdade na Operação Condor
As mãos no vespeiro
O governo quer alterar as regras da aposentadoria do funcionalismo
Surdos e mudos
Vera Paiva não esconde a decepção de ter sido silenciada por pressão dos militares na criação da Comissão da Verdade
A máquina de degolar ministros
Na edição da semana passada, CartaCapital antecipou o enredo da novela: “Carlos Lupi, ministro do Trabalho, ainda não foi decapitado, mas a engrenagem das denúncias já mira Mário Negromonte, o titular da pasta de Cidades”. Os recentes acontecimentos não apenas confirmam a previsão, como revelam que a máquina de degolar ministros continua a ser manejada com ímpeto. Impaciente com a demora de levar Lupi ao patíbulo, a oposição passou a concentrar os seus esforços na degola de Negromonte, ora enredado numa denúncia de “fraude” que encareceu um projeto de transporte para a Copa de 2014.
Conforme uma denúncia veiculada, na quinta-feira 24, pelo jornal O Estado de S. Paulo, a troca de uma linha rápida de ônibus (BRT) pela construção de um Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT) em Cuiabá, amparada por um parecer falso, fez o custo saltar de 700 milhões de reais para a 1,2 bilhão. O documento teria sido forjado pela diretora de Mobilidade Urbana da pasta, com autorização do chefe de gabinete do ministro, Cássio Peixoto.
Tão logo a notícia repercutiu, colunistas e articulistas das mais variadas matizes trataram de expor a “fragilidade” do ministro após a denúncia. Negromonte já não contaria nem com o apoio da maioria do partido, o PP, sacramentou o Portal R7, embora o Ministério das Cidades tenha esclarecido que não houve “fraude”, e sim a mudança de um projeto por outro, após a análise de diferentes pareceres técnicos.
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