Época
O vento vai soprar a favor de Dilma?
A palavra-chave para a eleição de Dilma Rousseff como presidente do Brasil foi continuidade. Praticamente desconhecida dos brasileiros, sem nunca ter participado de uma campanha eleitoral, Dilma chegou aos 56 milhões de votos principalmente porque o presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu convencer a maioria dos brasileiros de que ela manteria seus programas, sua política, seus ideais. E, consequentemente, seu sucesso econômico, do Bolsa Família à explosão de consumo, da elevação das reservas financeiras à descoberta do pré-sal. Todo o roteiro da campanha eleitoral baseava-se em combinar com o eleitor essa continuidade. Os brasileiros, viu-se no dia 31, aceitaram o acordo. Agora falta combinar com o resto do mundo. Uma das principais razões para o sucesso do governo Lula foi um cenário internacional extremamente favorável. Quando Lula assumiu a Presidência, em 2003, a economia mundial crescia a um ritmo extraordinário. E, para crescer assim, o mundo precisava de algo que o Brasil tem de sobra: matérias-primas. O clima de euforia global permitiu ao Brasil dobrar suas exportações em apenas cinco anos.
Há muitos sinais de que Dilma – e, com ela, a nação inteira – pode não ter a mesma sorte. “Lula pegou o governo com ventania de popa. Dilma vai receber o governo com ventania de proa”, diz o economista Antônio Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda, do Planejamento e da Agricultura nos anos 60 e 70. “A ajuda que a economia mundial deu ao período Lula já terminou ou está terminando.” Um forte sinal disso foi dado na semana passada, com o anúncio de mais um pacote econômico nos Estados Unidos. De acordo com o plano, o governo americano comprará títulos públicos no mercado – US$ 75 bilhões por mês, até o total de US$ 600 bilhões em meados de 2011. Ao comprar os títulos, a equipe do presidente Barack Obama estará injetando dinheiro vivo nos bancos privados.
A conta já está chegando, e Dilma terá de lidar com essa herança. Ela parece estar consciente disso. Em seu primeiro discurso como presidente eleita, adotou a defesa da austeridade fiscal, um tema que havia descartado na campanha. Aproximou-se do discurso dos ex-ministros da Fazenda Antonio Palocci e Antônio Delfim Netto. A proposta deles é permitir que as despesas públicas aumentem sempre menos que o Produto Interno Bruto (PIB) para levar a uma redução gradual da dívida do governo (que dobrou durante os oito anos do governo Lula, para R$ 1,7 trilhão).
Além do cenário externo adverso, Dilma terá de enfrentar imensos desafios no país. Do equilíbrio das contas públicas à queda dos juros, da questão cambial aos impostos que massacram o setor produtivo e o consumidor, ela precisará demonstrar que pode não apenas manter tudo aquilo que o país conquistou no governo Lula, mas ir além. Como ex-ministra-chefe da Casa Civil e, nas palavras de Lula, “mãe do PAC”, o Programa de Aceleração do Crescimento, que mapeou algumas das principais necessidades de infraestrutura do país no atual governo, ela está aparentemente aparelhada para enfrentá-los. Seu maior desafio, talvez, será criar as condições para o Brasil acelerar o crescimento econômico de forma sustentável, acima dos 5% ao ano, sem gerar pressões inflacionárias que possam comprometer a estabilidade.
O primeiro teste da presidente
Na quarta-feira, em entrevista coletiva concedida ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ela anunciou os critérios para a montagem da equipe de governo. “Vou exigir competência técnica, vou exigir também um desempenho, um histórico das pessoas que não tenham problemas de nenhuma ordem”, disse Dilma. “Vou exigir também, eu acho importante, o critério político.” Ao fixar princípios profissionais, éticos e partidários para a escolha dos futuros auxiliares, a presidente eleita dá uma boa medida do primeiro desafio que tem pela frente. Nas próximas semanas, Dilma estará envolvida nas negociações em torno do complexo arranjo político e administrativo que precisará fazer para preencher os principais cargos da máquina federal. A escolha dos ministros e demais ocupantes de postos de comando servirá para saldar compromissos de campanha e, assim, consolidar a base de sustentação de Dilma no Congresso.
Mesmo sem ter confirmado nenhum nome do novo governo, os primeiros movimentos da presidente eleita deram indicações importantes sobre como deverá ser a montagem da próxima equipe ministerial. A presença de Antonio Palocci a seu lado no carro que a levou, na noite da eleição, para o primeiro pronunciamento como eleita é um indício de que o ex-ministro da Fazenda terá papel de destaque no governo. Cotado para a Casa Civil, Palocci deverá ter também influência na definição dos rumos da economia em qualquer cargo que venha a ocupar. O peso político, o prestígio com Lula e as boas relações que Palocci cultiva com os setores empresarial e financeiro estimulam uma grande curiosidade: como Dilma se relacionará com ele no governo para não parecer ofuscada?
Antônio Delfim Netto: “A ajuda da economia mundial terminou”
O professor Antônio Delfim Netto, que aos 82 anos já viu quase tudo, está otimista em relação ao Brasil. Ele conhece pessoalmente a presidente eleita, Dilma Rousseff, faz elogios rasgados a sua inteligência e afirma que ela está consciente dos desafios econômicos que se colocam diante do futuro governo: continuar a crescer sem o vento de popa que insuflou os anos da era Lula. O cenário internacional mudou, diz o ex-ministro. O Brasil, que emergiu da crise quase intacto, mas carregando “pequenos desvios da política fiscal”, precisa conter os gastos e reduzir a dívida pública para permitir que a taxa de juro caia, o câmbio se reequilibre e o país cresça com as forças de seu mercado interno. “Lula e Dilma sabem que o equilíbrio fiscal é fundamental”, afirma Delfim.
Michelle Bachelet: “Sei que Dilma vai se sair muito bem”
Entre todas as mulheres que presidem ou já presidiram países, a chilena Michelle Bachelet é uma das que mais adotaram políticas feministas. Preencheu metade de seu primeiro gabinete com mulheres (a proporção caiu depois), ampliou um programa nacional de creches e elevou a aposentadoria para as chilenas. Deixou a Presidência em março, com popularidade acima de 80% – pode-se dizer que só não continuou no cargo porque não há reeleição no Chile. Em janeiro, ela assumirá a diretoria da recém-criada agência ONU Mulher, destinada a promover a igualdade de gênero. Nesta entrevista por telefone, de Nova York, Bachelet diz confiar no sucesso do governo de Dilma Rousseff e pede às presidentes que tenham “perspectiva de gênero” na hora de fazer política.
Istoé
O senhor credibilidade
Se uma única palavra for capaz de definir o que empresários, políticos da oposição, analistas econômicos e representantes de diversos setores da sociedade pensam a respeito do ex-ministro Antônio Palocci, esta palavra é credibilidade. Entre os quadros do PT, provavelmente ninguém é capaz de rivalizar com Palocci na capacidade de dialogar com interlocutores tão díspares quanto o presidente de uma multinacional ou um sindicalista. Melhor do que isso: Palocci é visto como um profundo conhecedor de assuntos econômicos, um técnico que sabe o que é preciso para fazer uma pasta da administração andar, um gestor habituado a lidar com os meandros do governo, um homem afeito a resolver problemas. Enfim, Palocci é considerado alguém eficiente demais para não estar por perto.
No meio empresarial, não é exagero afirmar que seu nome é quase uma unanimidade. Na últimas semanas, ele foi o centro das atenções em jantares promovidos por pesos-pesados, como Abilio Diniz, dono do Grupo Pão de Açúcar, e Flávio Rocha, dono da Riachuelo. Durante a campanha, estavam entre os seus interlocutores pessoas como Luiz Trabuco, presidente do Bradesco, Marcelo Odebrecht, do Grupo Odebrecht, e Benjamim Steinbruch, da CSN. “O Palocci é um avalista institucional, entende o sentido de urgência da iniciativa privada e traduz isso para o governo”, disse à ISTOÉ Horácio Lafer Piva, sócio da Klabin e ex-presidente da Federação das Indústrias de São Paulo.
Bicadas no ninho tucano
Passada uma semana das eleições presidenciais, o PSDB ainda sente os efeitos da ressaca da derrota. Atolado em dívidas que ultrapassam os R$ 20 milhões, o partido, em vez de juntar os cacos, afinar o discurso e marchar unido em oposição ao governo petista, mergulha numa crise interna resultante das feridas abertas durante a campanha. Nos últimos dias, os tucanos divergiram publicamente sobre temas que envolvem desde o relacionamento com o futuro governo Dilma Rousseff até o melhor momento para a escolha do candidato do PSDB à Presidência em 2014. A raiz da cizânia, porém, é a definição do tucano que personificará a cara da oposição daqui em diante.
Para o candidato derrotado à Presidência da República, José Serra, ele, do alto de seus mais de 42 milhões de votos, está mais do que credenciado para exercer esse papel. Mas para quem tem este objetivo, os serristas começaram mal. Logo após a contagem dos votos, Xico Graziano, integrante destacado da campanha de Serra, colocou em seu Twitter: “Perdemos feio em Minas. De quem será a culpa?” A insinuação contra o ex-governador Aécio Neves alvoroçou os tucanos mineiros. Eles passaram a atribuir toda a responsabilidade pelo resultado à atuação desastrosa do candidato Serra.
Partido vitaminado
O PSB ostenta, em sua bandeira, uma pomba desenhada por Pablo Picasso. Nessas eleições, o partido honrou a imagem do pássaro, ao alçar um dos maiores voos de sua história. Elegeu seis governadores, um recorde entre as legendas da base governista, e o número de deputados federais aumentou de 27 para 35. Com a musculatura política conquistada nas urnas, o partido, agora, faz pressão por mais ministérios no futuro governo de Dilma Rousseff. À frente das conversas com a equipe de transição está o neto e herdeiro do espólio político de Miguel Arraes, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, reeleito com 82,8% dos votos. “A eleição de 2010 marca uma mudança de patamar do PSB”, afirma Campos, de olho em postos estratégicos no governo.
Com o novo porte, o PSB tem ainda novas faces a oferecer. A primeira vem da liderança na articulação de uma frente de esquerda, unindo o PCdoB e o PDT. Juntos, esses três partidos teriam no Congresso um bloco com apenas cinco votos a menos que o PMDB, o que deixa claro seu poder de fogo. A segunda novidade do PSB é a tentativa de atrair para a legenda, ou para uma composição futura, o senador eleito Aécio Neves (PSDB-MG).
Carta Capital
Neocons à brasileira
Ao tomar a hóstia em Aparecida, beijar o terço em Goiânia e erguer como uma taça a imagem de Nossa Senhora de Abadia, em Uberlândia, o tucano José Serra não apenas bajulava o voto do eleitor cristão em campanha, mas selava o próprio destino. Identificado com a esquerda durante toda a sua vida política, Serra sai da eleição como a cara mais visível de um movimento que pretende fincar raízes do ultradireitismo no Brasil. Espécie de versão brazuca do americano Tea Party, a nova direita que emerge das urnas pauta-se menos pela austeridade nos gastos governamentais e mais por uma moral retrógrada e um nacionalismo infantil que geralmente descamba para o preconceito.
Disfarçada na política, a aversão aos nordestinos invadiu as redes sociais, sobretudo o Twitter, na segunda-feira 1 de novembro, na manhã seguinte à confirmação da vitória de Dilma. Uma estudante de Direito de São Paulo, Mayara Petruso, deu a senha para uma enxurrda de manifestações preconceituosas ao postar a seguinte mensagem: “Nordestisto (sic) não é gente, faça um favor a SP, mate um nordestino afogado!” Seguiram-se dezenas de outras, todas no mesmo tom: “Trocaram voto por miolo de pão!”, “Valeu Nordeste, mais quatro anos vivendo às nossas custas”, “80% do Amazonas votam na Dilma… cambada de índio burro” , e coisas do gênero.
Mayara acabou alvo de uma representação movida pela seção pernambucana da Ordem dos Advogados do Brasil no Ministério Público Federal por racismo (pena de dois a cinco anos de detenção, mais multa) e incitação pública de prática de crime. Houve reação no próprio Twitter contra as mensagens preconceituosas e em defesa da população do Nordeste, mas foi incapaz de reduzir a onda antinordestina.
Muita espuma, pouca água
Tancredo Neves tinha frases de efeito para definir quase tudo no mundo da política. Sobre o momento imediatamente posterior a uma eleição, quando os vitoriosos começam a negociar a composição de um novo governo, dizia: “É a hora de encontrar o mar com o rochedo. Resta ver o que é água e o que é espuma”. Como é normal, muita espuma foi dada como água na cobertura da mídia durante a primeira semana após a vitória de Dilma Rousseff. Antonio Palocci no Ministério da Saúde? Henrique Meirelles no de Minas e Energia? Ou, por outra, Meirelles mantido à frente do Banco Central? Palocci na chefia da Casa Civil? Ou, muito ao contrário, um esvaziamento da Casa Civil por causa do escândalo de Erenice Guerra? Guido Mantega fica ou sai?
Fato é que o PMDB se sentiu incomodado com a exclusão de representantes seus na primeira formação do comando da equipe de transição. Após reclamar, o partido incluiu Michel Temer na turma. O vice-presidente eleito terá o simbólico posto de coordenador-geral e acompanhará de perto das negociações. Mas quem colocará a mão na massa serão mesmo Palocci e José Eduardo Dutra, presidente do PT, auxiliados por José Eduardo Cardozo e Fernando Pimentel. O quarteto paulista terá de lidar não só com o conhecido apetite peemedebista. Legendas como o PSB, o PCdoB e o PDT esperam maior participação no próximo governo.
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