Istoé
O medo invade a campanha
O comando da campanha de José Serra (PSDB) colocou o medo no centro da disputa presidencial. Tudo começou com a surpreendente entrevista do vice de Serra, Indio da Costa (DEM), dizendo a um site do partido que o PT é ligado às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e ao narcotráfico. Num primeiro momento, lideranças partidárias passaram a ideia de que Indio era apenas uma voz isolada – além de descontrolada e inconsequente. Aos poucos, porém, foi ficando claro que ele cumpria um script previamente combinado. Muito bem orientado pelos caciques do PSDB e DEM, o vice de Serra servia de ponta de lança para uma estratégia de campanha: o uso da velha e surrada tática do medo. Ele procurava criar fantasmas na cabeça do eleitor para tirar votos da candidata petista à Presidência, Dilma Rousseff.
A tática do medo, por definição, desqualifica o debate político. Quem a utiliza está disposto a trabalhar não com a razão, mas com sentimentos mais primários e difusos. Recorre a argumentos distantes de qualquer racionalidade para tentar encantar um público mais desinformado ou que já coleciona arraigados preconceitos. É um jogo perigoso: “Campanhas negativas podem até aumentar a rejeição ao candidato que as patrocina”, diz o cientista político José Paulo Martins Jr., da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Mas os tucanos resolveram arriscar.
Apesar das reações provocadas pelas declarações de Indio da Costa (o TSE já concedeu até direito de resposta ao PT), expoentes do PSDB e o próprio Serra não desautorizaram o deputado do DEM. Ao contrário, passaram a engrossar o vale-tudo eleitoral. Animado, Indio voltou à carga, insinuando uma relação entre o PT e uma facção criminosa do Rio. “Já há vários indícios de ligação do Comando Vermelho com as Farc. E qual a opinião da Dilma sobre isso? Veja só: o PT e as Farc, as Farc e o narcotráfico, o narcotráfico, o Rio de Janeiro e o Comando Vermelho, com indícios muito claros de relacionamento. Ela (Dilma) tem que dizer o que acha”, afirma. Na quinta feira 22, foi o próprio Serra quem assumiu a estridente toada: “Há evidências mais do que suficientes do que são as Farc. São sequestradores, cortam as cabeças de gente, são terroristas. E foram abrigados aqui no Brasil. A Dilma até nomeou a mulher de um deles.” Desta vez, o tom do discurso escandalizou os adversários. “Fui surpreendido com a decisão de Serra de entrar nesse debate. Pelo jeito, ele resolveu dar uma guinada para a direita ao perceber que não deu certo o estilo ‘Serrinha paz e amor’. Serra, agora, resolveu ser troglodita”, disse o líder do governo na Câmara e um dos coordenadores da campanha de Dilma, Cândido Vaccarezza (PT-SP). “Não adianta o kit baixaria do Serra: o povo quer saber é de propostas e de trajetória”, afirmou o deputado petista Ricardo Berzoini.
A suspeita
No início da manhã da quarta-feira 21, a analista Antônia Aparecida Rodrigues dos Santos Neves Silva, lotada na Delegacia da Receita Federal em Santo André (SP), recebeu um telefonema de ISTOÉ e confirmou que é ela a funcionária que a Corregedoria da Receita aponta como suspeita de haver quebrado o sigilo do tucano Eduardo Jorge Caldas Pereira (leia quadro à pág. 48). Na tarde da mesma quarta-feira 21, o presidente do Sindireceita, Hélio Bernardes, recebeu uma ligação de Antônia. “Não me lembro de ter acessado a declaração de renda desse Eduardo Jorge”, afirmou ela ao sindicalista. Bernardes estranhou não ter sido procurado há mais tempo por Antônia; afinal, ela sabia da investigação desde o final de junho. Assim que o nome de Antônia foi identificado pela área de informática da Receita, ela foi afastada de suas funções e saiu de férias para responder o processo fora da repartição. Ainda no mês passado, a Receita instaurou sindicância e encontrou indícios de crime. De cinco acessos à declaração de Eduardo Jorge, o dela teria sido o único “imotivado”, ou seja, sem justificativa de fiscalização. A Receita, então, instaurou no dia 1º um processo administrativo disciplinar para investigá-la.
Analista de carreira da Receita, até abril de 2007, Antônia tinha o cargo de chefe da agência do órgão em Mauá (SP), jurisdicionada à Delegacia da Receita em Santo André. Em maio daquele ano, ela perdeu a função gratificada por causa de uma mudança de comando no órgão. No mesmo mês, foi alijada de outro posto: a de secretária-geral do Sindireceita na jurisdição de Santo André e São Bernardo, posição que ocupou entre 2005 e 2007. A chapa da qual ela fazia parte perdeu as eleições internas, o que gerou uma dança de cadeiras no sindicato. Antônia era responsável, entre outras tarefas, por todas as atas de reuniões da diretoria do Sindireceita na região. Mesmo perdendo os cargos e as gratificações, ela manteve o padrão de vida de classe média que levava até então. No ano passado, se mudou com o marido para o oitavo andar de um prédio em São Caetano do Sul, no Bairro Fundação, próximo da avenida do Estado. Ela também é dona de um Corsa Classic Life 2008, registrado em endereço no Jardim Figueira, extremo leste da capital. Embora não conheça a servidora pessoalmente, o vice-presidente do Sindireceita nacional, João Jacques Silveira, preferiu não fazer prejulgamento, mas antecipou que o sindicato defende controle rígido sobre os dados da Receita. “Defendemos punição para quem quebra sigilo”, diz Silveira. “Se a pessoa for culpada, tem que pagar pelo erro, mesmo que implique na perda do cargo.”
O fato de a analista tributária ser investigada não quer dizer que ela seja culpada. Existe a hipótese de que outra pessoa tenha usado a senha pessoal de Antônia. “Não digo que possa ter alguém da direção envolvida nisso, mas estão tentando pegar o baixo clero para pagar a fatura ao investigar só a Antônia”, supõe Hélio Bernardes, presidente do Sindireceita. Ele acha que a Receita errou ao não investigar os outros quatro servidores que tiveram acesso “motivado” às declarações de Eduardo Jorge, pois estes também poderiam ter vazado os dados sigilosos: “Não podemos misturar o acesso imotivado com o vazamento. São dois crimes diferentes.” O problema da versão do sindicalista é que os dados que vazaram, segundo apurou ISTOÉ junto à Corregedoria, não foram acessados pelos demais funcionários e apenas por Antônia. Também pesa contra a servidora suspeita o fato de que só a senha não basta para acessar os dados violados. É preciso uma segunda senha e um cartão magnético exclusivo do servidor, o que torna mais improvável o uso por terceiros.
Onde estão os fichas-limpas?
Ao começar a aplicar a Lei dos Fichas-Sujas, o Ministério Público Eleitoral fez mais de 2,3 mil pedidos de impugnação de candidaturas em todo o País, o que representa 13% dos políticos que disputam cargos públicos este ano. No topo da lista dos Estados com maior número de concorrentes enrolados com a Justiça está Alagoas. Lá, o MPE protocolou ações de impugnação contra 87% dos candidatos ao Legislativo. Com isso, 383 dos 438 candidatos estão ameaçados de não poder disputar as eleições este ano. Se depender dos procuradores eleitorais, Alagoas pode ficar até sem candidato a governador, pois todos os seis políticos que se apresentaram para disputar o cargo terão de dar explicações à Justiça Eleitoral. “Agora, com a Lei dos Fichas-Sujas, o povo espera que os Tribunais Regionais Eleitorais sejam rígidos com os políticos que sempre gozaram de impunidade”, diz o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante.
A maioria dos pedidos de impugnação de candidaturas está relacionada à falta de simples certidões de “nada consta” criminal nas esferas judiciais. O documento é imprescindível para quem quer seguir carreira pública, mas muitos políticos, às voltas com processos judiciais, não conseguem obtê-los. São os casos do candidato ao governo estadual Fernando Collor de Mello (PTB) e do atual governador, Teotônio Vilela Filho (PSDB), que tenta a reeleição. Mas há situações ainda mais escabrosas. O ex-governador Ronaldo Lessa (PDT), também candidato ao governo, já foi condenado em segunda instância por abuso de poder político e econômico. Lessa, inclusive, está com os bens bloqueados pela Justiça, e o Ministério Público quer que ele devolva R$ 240 milhões desviados em convênios ilegais. “O TSE afirmou que, com a nova lei, candidatos com condenações anteriores se tornaram inelegíveis pelo prazo de oito anos”, diz o procurador regional eleitoral de Alagoas, Rodrigo Tenório.
O coordenador do Movimento Contra a Corrupção Eleitoral em Alagoas, o advogado Adriano Argolo, disse que, no Estado, há condenados por improbidade administrativa, escravatura e até assassinatos. Na maioria dos casos, os processos nem chegam a ser julgados por um órgão colegiado, exigência para que o candidato seja enquadrado na lei contra os fichas-sujas. “Nós somos referência em matéria de impunidade eleitoral”, diz ele. Com tanto ficha-suja, a briga por vagas na disputa por cadeiras no Legislativo promete ser acirrada. A expectativa é de que os políticos recorram a todas as instâncias do Judiciário, inclusive ao Supremo Tribunal Federal. E, para sorte dos que pretendem apelar à corte suprema, o plenário do STF está dividido.
Profissão: militante
De agora até o dia das eleições em 3 de outubro, um exército de milhares de pessoas tomará as ruas em busca do voto. Estudantes, advogados, profissionais liberais, funcionários públicos e uma penca de desempregados gastarão sola de sapato e muita saliva para vender esperança em forma de candidato. Em geral, eles são conhecidos como militantes. Mas, ao contrário do que se via em antigas campanhas eleitorais, hoje essa gente forma batalhões remunerados. São profissionais da militância política, pois os tempos românticos da pura paixão já ficaram para trás.
Erra, no entanto, quem apostar que a militância acabou.“O que acontece é uma acomodação, não um retrocesso” sustenta a mestre em ciência política, Hingridy Fassarella, da Universidade do Espírito Santo, que estuda o comportamento dos jovens e a militância política. “O grande empenho dos militantes aparece pontualmente em momentos em que a sociedade espera mudanças radicais”, diz ela. Não é, obviamente, o que ocorre na atual eleição. Os candidatos que disputam a Presidência da República têm discursos semelhantes e ideologias bastante parecidas, incapazes, portanto, de gerar esse tipo de expectativa.
A profissionalização da militância, antes uma grave ofensa política, hoje é aceita como um fato natural. Nos meios partidários, os militantes costumam até ser classificados em quatro tipos: os “D.A.S.”, funcionários públicos comissionados; os “históricos”; os “meninos”; e os “diaristas”. Os primeiros são os antigos militantes que trocaram sindicatos, movimentos sociais e universidades por empregos públicos e salários estáveis. Eles aparecem em todos os partidos. Já os “históricos” são os remanescentes dos tempos heroicos, carregados de discursos ideológicos. Há anos se dedicam à causa do partido sem receber um centavo pelo trabalho. Também conhecidos como a turma de 68, de certo modo, se assemelham aos “meninos”, membros da “juventude partidária”. Os “meninos”, pessoas de 15 a 29 anos, juram que vão mudar o mundo no dia seguinte da chegada ao poder. Mas, ao contrário dos “históricos”, vários deles recebem ajuda financeira para trabalhar por determinada candidatura.
O banqueiro de Marina
No encontro da candidata presidencial do PV, Marina Silva, com investidores estrangeiros, na quinta-feira 22, em Nova York, poucos presentes transitavam com tanta naturalidade nos corredores do hotel Palace quanto o banqueiro português Álvaro Antônio Cardoso de Souza. Ex-presidente mundial do Citibank Private Bank, com quase quatro décadas de atuação no mercado financeiro, Souza é o arrecadador da campanha verde e o principal trunfo de Marina na difícil batalha pela captação de recursos. A tarefa do banqueiro não é fácil, enquanto a candidata patina na barreira dos 10% nas pesquisas de intenção de voto. Grandes doadores tendem a apostar seu dinheiro em quem tem mais chance de ganhar a eleição.
Para tentar inverter essa lógica, Souza vem trabalhando dia e noite em contatos com amigos executivos de diferentes setores. Segundo o coordenador da campanha, João Paulo Capobianco, o prestígio do banqueiro começa a funcionar. “Já conseguimos atrair doações de bancos, empreiteiras e de empresas de serviços”, comemora. Capobianco não diz os nomes dos doadores nem as quantias, “para evitar constrangimentos”, mas garante que tudo estará na prestação de contas. Para o coordenador da campanha verde, contar com Souza é uma vantagem sobre os concorrentes. Afinal, ele tem assento no conselho de empresas como GOL, Unidas, Banco Triângulo, AmBev e da ONG ambientalista WWF. “Sua participação nesses conselhos não garante a doação, até porque ele prefere não participar dessas decisões. Mas, evidentemente, sua credibilidade e a relação de confiança com as pessoas geram interesse e significam muito”, afirma Capobianco. A habilidade de Souza em levantar recursos foi testada recentemente em campo literalmente. Conselheiro do Santos Futebol Clube, ele foi o responsável pela arquitetura financeira que trouxe o craque Robinho do Manchester City. Do salário de R$ 1 milhão mensal que o craque recebe, o Santos só tinha condições de cobrir R$ 160 mil. Bastaram alguns telefonemas de Souza para resolver a questão.
Marina Silva e Álvaro de Souza se conheceram quando ela era ministra do Meio Ambiente e ele, presidente do WWF. Por comungarem da mesma ideologia do desenvolvimento sustentável, não foi difícil aprofundar a relação. “Ela já respeitava o Álvaro. E, quando o Guilherme Leal sugeriu seu nome para a campanha, a Marina achou ótimo”, conta Capobianco. Por seu lado, o banqueiro tem confidenciado a colegas de campanha a surpresa com a boa receptividade da candidata entre as elites econômicas. “Ela tem um currículo e uma história que fascinam a todos”, diz ele.
Veja
Indio acertou o alvo
Em um depoimento gravado em vídeo e divulgado no site do PSDB, Indio da Costa, candidato a vice-presidente na chapa de José Serra, abriu fogo: “Todo mundo sabe que o PT é ligado às Farc, ligado ao narcotráfico, ligado ao que há de pior”. A declaração de Indio foi considerada um insulto ao partido e a seus milhões de eleitores. Ela produziu uma reação justificadamente forte por parte de José Eduardo Dutra, presidente do PT, que chamou Indio de “desqualificado” e “medíocre”. O partido do governo entrou com ação por crime contra a honra, danos morais e ganhou direito de resposta na Justiça Eleitoral. Despida de seu núcleo explosivo, a acusação de Indio da Costa encontra amparo na realidade. O PT tem vínculos históricos, públicos e inegáveis com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).
Um vice do barulho
Ainda faltam mais de dois meses para a eleição, mas Antonio Pedro Indio da Costa já pode se considerar o primeiro vitorioso da disputa. Qualquer que seja o resultado das urnas, esse carioca de 39 anos sairá da campanha maior do que quando entrou. Até o mês passado, sua notoriedade se restringia ao Rio de Janeiro.
“Obregaaado, Justiça!”
Às muitas dívidas que Paulo Maluf é acusado de ter com a Justiça, pode-se acrescentar mais uma agora: a de gratidão. É graças ao sistema judiciário brasileiro – ou melhor, à doença crônia que o acomete, a morosidade – que o deputado está prestes a se livrar de algumas das mais graves acusações que pesam contra ele. Dois dos (muitos) crimes que lhe são imputados, ambos referentes a lavagem de dinheiro, ultrapassaram o prazo de prescrição no ano passado. Ou seja, perderam a validade sem que a Justiça os tenha analisado. Um terceiro, também sobre lavagem de dinheiro, vai caducar daqui a dois meses. E o mesmo ocorrerá até dezembro com o de formação de quadrilha. Isso significa que punições eventualmente cabíveis contra Maluf estão deixando de ser aplicadas porque o Estado está levando tempo demais para julgá-lo.
Não é para qualquer uma
Que grande mulher! Sandra Cureau tem 63 anos. Trabalha há 34 no Ministério Público. Já atuou em casos de tráfico de drogas, crimes ambientais e fraudes eleitorais. Jamais tinha sido coagida ou processada. Nesta campanha presidencial, a situação mudou. Ela passou a ser alvo de ameaças e intimidações vindas do PT, do presidente Lula e da campanha de Dilma Roussef. O pecado de Sandra Cureau? Ela aplicou a lei.
Época
O nebuloso mundo do PAC
Lançado no início de 2007, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) é considerado uma das principais marcas do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O PAC é uma coleção de mais de 12 mil projetos que, segundo a propaganda oficial, seriam capazes de alavancar o desempenho da economia brasileira nos próximos anos. Foi lançado como o início de um ciclo de novas e grandes obras, a maioria a ser tocada pela iniciativa privada. O presidente Lula costuma dizer em discursos que, com o PAC, deixará para seu sucessor um país em marcha acelerada para o desenvolvimento.
(…) Para dar impulso ao PAC, o governo federal adotou uma série de medidas. Uma delas foi o Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura (Reidi). Nesse programa, as empresas aprovadas pagam menos impostos em suas obras e passam a engordar a lista de realizações do PAC. Nos últimos três meses, Época examinou a lista de 324 projetos beneficiados pelo Reidi e detectou uma série de distorções em relação aos objetivos iniciais. Em dois anos de funcionamento, o Reidi se mostrou um sistema sem fiscalização, sem transparência e sem controle.
O apito do Indio
Quem difundiu a fórumula foi o cinema americano. Nas duplas de policiais, há sempre um tira malvado e outro mais bonzinho. É mais ou menos assim que a campanha do candidato à Presidência pelo PSDB, José Serram planeja trabalhar, daqui para a frente, os temas espinhosos para o PT e para a candidata do partido ao Planalto, Dilma Roussef.
O papel do tira bonzinho, é claro, ficará a cargo do próprio Serra. A missão de apertar os adversários já começou a ser desempenhada pelo candidato à vice-presidência em sua chapa, Indio da Costa, de 39 anos de idade.