Época
O estranho caso do inglês que Lewandowski mandou prender e depois soltar
Às 6 horas do dia 7 de dezembro do ano passado, o britânico Michael Misick foi preso por duas equipes da Polícia Federal no Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, quando tentava embarcar para São Paulo. Os policiais cumpriam ordem do ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski. Dias antes, Lewandowski fora alertado pela Embaixada do Reino Unido de que havia um mandado de prisão contra Misick, expedido pela Justiça britânica nas diminutas Ilhas Turcos e Caicos, no Caribe. As 40 ilhas que formam o pequeno arquipélago são um protetorado britânico do tamanho de Belém, Pará, que vive do turismo em suas praias exuberantes. Misick, natural de lá, foi primeiro-ministro das Ilhas entre 2003 e 2009. Ele fugiu para o Brasil há dois anos, depois que as autoridades britânicas descobriram que cobrava propina de empresários interessados em abrir resorts nas Ilhas – e pouco antes de a Justiça de lá mandar prendê-lo por corrupção e formação de quadrilha. Misick, que tem uma fortuna avaliada em US$ 180 milhões, recebeu, de oito empresários, ao menos US$ 16 milhões em suas contas nos Estados Unidos. Em contrapartida, o governo que ele chefiava autorizou a construção de resorts de luxo frequentados por famosos, como Bill Gates e Bruce Willis.
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O Reino Unido, valendo-se de um tratado de extradição assinado com o Brasil, pediu a Lewandowski, relator do processo, que devolvesse Misick às Ilhas Turcos e Caicos. Nesses casos, a lei prevê a prisão como primeira etapa da extradição, para assegurar que o estrangeiro não fuja – o que se cumpriu naquele dia no Aeroporto Santos Dumont. Para completar a extradição, bastava que, em seguida, o Reino Unido enviasse ao Brasil um pedido formal, repleto de assinaturas burocráticas, e documentos do processo contra Misick. O Reino Unido mandou a papelada, mas Lewandowski não mandou Misick para os ingleses. Mandou Misick para casa. O caso de Misick, que era apenas inusitado, ficou estranho no começo de fevereiro. No dia 6, apesar de um parecer contrário da Procuradoria-Geral da República e da tradição do Supremo nesses casos, Lewandowski, citando um atraso do Reino Unido no envio do pedido de extradição ao Brasil, mandou soltar Misick. “Diante do descumprimento das formalidades essenciais por parte do Estado Requerente (o Reino Unido), previstas no tratado, para a manutenção da prisão do extraditando, consigno que a expedição do competente alvará de soltura em favor deste é medida que não pode ser postergada”, escreveu. Em situações como essa, os ministros do Supremo, cientes dos labirintos da burocracia de Brasília, costumam manter a prisão, concedendo novo prazo às autoridades do país interessado. A inovação jurídica de Lewandowski virou constrangimento diplomático dias depois, quando o Ministério da Justiça repassou ao Supremo a papelada do Reino Unido – que fora entregue ao Itamaraty no dia 28 de janeiro, antes de vencer o prazo de 60 dias, estabelecido no tratado entre os dois países. Os britânicos agiram corretamente: o tratado prevê que a papelada seja entregue ao Estado brasileiro, não à Suprema Corte. Pelo tratado, mesmo que o Reino Unido tivesse entregado a papelada após o prazo, a extradição voltaria a tramitar normalmente, assim que os documentos chegassem.
(Antes de continuar com o estranho caso, é importante fazer um parêntese. Misick contratara um advogado para defendê-lo no STF: Luiz Eduardo Greenhalgh, ex-deputado pelo PT de São Paulo. Seria um advogado para lá de comum, não fosse seu privilegiado acesso aos gabinetes de Brasília ocupados por petistas, sobretudo os petistas de São Paulo. Lewandowski, que é de São Bernardo do Campo, mesma cidade do ex-presidente Lula, foi nomeado para o Supremo com o apoio do PT paulista – o PT de Greenhalgh. Fecha parêntese.)
Diante da descoberta de que o Reino Unido não havia sequer estourado o prazo, o que fez Lewandowski? Manteve sua decisão – e foi além. No dia 18, suspendeu o processo de extradição até que o Ministério da Justiça avaliasse um recurso de Greenhalgh, que pediu ao governo Dilma refúgio político a Misick. Nesse momento, Lewandowski inovou novamente. É, no mínimo, incomum que se suspenda uma extradição até que se esgotem todos os recursos de um refúgio. Quando chegou ao Brasil, ainda em 2011, Misick disse que estava sendo investigado por “lutar contra a ditadura britânica e pela independência” de Turcos e Caicos. Nada disse sobre os comprovantes de propina.
No ano passado, o refúgio foi negado pelo Conselho Nacional de Refugiados (Conare), o órgão do governo que decide sobre esses assuntos. Pelas leis brasileiras, se o Conare tivesse decidido que Misick merecia o refúgio, em virtude de uma perseguição política em seu país, o processo de extradição no Supremo seria extinto. Mas não foi o que aconteceu. Greenhalgh recorreu, então, ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, também do PT paulista, que poderia reverter a decisão do Conare. Embora tenha sido aconselhado por assessores a não dar o refúgio, Cardozo não tem prazo para decidir isso – o que pode garantir a liberdade de Misick indefinidamente. No célebre caso do refúgio do guerrilheiro Cesare Battisti, o italiano permaneceu preso não só após o Conare negar-lhe o refúgio, mas também depois que o então ministro da Justiça, Tarso Genro, reviu essa decisão e lhe concedeu asilo político.
Na mesma decisão do dia 18 de fevereiro, Lewandowski aproveitou para dizer por que soltara Misick: “A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal permite o afastamento dessa regra (a prisão) em casos excepcionalíssimos”. O que torna o caso de Misick excepcionalíssimo? Lewandowski não explica. Diz apenas que “a prisão (…) para fins de extradição também se submete aos princípios da necessidade, razoabilidade e proporcionalidade, devendo ser avaliada, caso a caso, a necessidade de sua imposição”. Lewandowski determinou, contudo, que Misick entregasse o passaporte à Justiça, proibiu-o de deixar o Estado de São Paulo e lhe impôs visitas semanais a um juiz. Dias depois, a Procuradoria-Geral da República pediu a Lewandowski que reconsiderasse essa decisão e mandasse prender Misick novamente. Em vão. “O pedido (de extradição) foi formalizado, não há excesso de prazo, pois o processo de extradição recém teve início, não se vislumbra prescrição nem deficiência na documentação apresentada (pelo Reino Unido). Não há notícia de que (Misick) tenha algum problema de saúde”, diz a Procuradoria-Geral da República, argumentando também que o pedido de refúgio não é motivo para manter Misick solto. O governo do Reino Unido também recorreu. Os britânicos temem que Misick fuja. “A simples retenção do passaporte e a obrigação de se apresentar à Justiça a cada sete dias não são medidas bastante efetivas”, dizem, em petição, os advogados do Reino Unido. Procurado, o advogado que representa o Reino Unido no STF, Antenor Madruga, não quis se pronunciar.
Na mesma decisão do dia 18 de fevereiro, Lewandowski aproveitou para dizer por que soltara Misick: “A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal permite o afastamento dessa regra (a prisão) em casos excepcionalíssimos”. O que torna o caso de Misick excepcionalíssimo? Lewandowski não explica. Diz apenas que “a prisão (…) para fins de extradição também se submete aos princípios da necessidade, razoabilidade e proporcionalidade, devendo ser avaliada, caso a caso, a necessidade de sua imposição”. Lewandowski determinou, contudo, que Misick entregasse o passaporte à Justiça, proibiu-o de deixar o Estado de São Paulo e lhe impôs visitas semanais a um juiz. Dias depois, a Procuradoria-Geral da República pediu a Lewandowski que reconsiderasse essa decisão e mandasse prender Misick novamente. Em vão. “O pedido (de extradição) foi formalizado, não há excesso de prazo, pois o processo de extradição recém teve início, não se vislumbra prescrição nem deficiência na documentação apresentada (pelo Reino Unido). Não há notícia de que (Misick) tenha algum problema de saúde”, diz a Procuradoria-Geral da República, argumentando também que o pedido de refúgio não é motivo para manter Misick solto. O governo do Reino Unido também recorreu. Os britânicos temem que Misick fuja. “A simples retenção do passaporte e a obrigação de se apresentar à Justiça a cada sete dias não são medidas bastante efetivas”, dizem, em petição, os advogados do Reino Unido. Procurado, o advogado que representa o Reino Unido no STF, Antenor Madruga, não quis se pronunciar.
PublicidadeLewandowski diz que a atuação de Greenhalgh não fez diferença no caso: “Recebi Greenhalgh como recebo todos os advogados. Recebi também as autoridades britânicas”. O ministro diz que o entendimento do Supremo sobre a prisão em casos de extradição está mudando. “Um indivíduo não pode ficar preso indefinidamente, sem prazo. Isso é inconcebível. É preciso respeitar as garantias individuais”, diz Lewandowski. “Entre mantê-lo preso indefinidamente e soltá-lo, optei por um caminho intermediário. Ele está confinado ao Estado de São Paulo e sob vigilância da Polícia Federal.” Será? “Não estamos monitorando se Misick cumpre as obrigações estabelecidas pelo STF. Ficamos de olho em qualquer notícia sobre ele, já que ele está no Cadastro de Procurados da Interpol, mas não o monitoramos tão de perto”, diz o delegado da PF Orlando Nunes, um dos chefes da Interpol no Brasil.
Daniela Mercury transforma sua opção amorosa em bandeira política
A cantora Daniela Mercury viajou para a Europa em 10 de março. Como embaixadora do Unicef, braço das Nações Unidas que zela pelos direitos das crianças, participou dos preparativos para um encontro de embaixadores brasileiros e suecos, a ocorrer no Brasil neste ano. Com dois shows marcados em Portugal no início de abril, ficou por lá e esperou que a namorada, Malu Verçosa, fosse a seu encontro. Em Lisboa, as duas acompanharam a repercussão da entrevista da cantora Joelma a ÉPOCA. A vocalista da banda Calypso dissera ser contra o casamento gay e elogiara tentativas de “curar” a homossexualidade. Daniela e Malu também acompanharam o desenrolar das controvérsias sobre o deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara – que, com suas declarações polêmicas sobre negros e gays, se tornou o inimigo número um das minorias organizadas no Brasil. Foi nesse contexto que Daniela e Malu, que começaram a namorar pouco depois do Carnaval, resolveram mandar ao Brasil um recado em forma de imagens pela rede social Instagram. Quatro fotos simpáticas dos rostos bem próximos e sorridentes, das mãos com alianças e um textinho singelo de Daniela – “Malu agora é minha esposa, minha família, minha inspiração para cantar” – tornaram-se um manifesto poderoso sobre direitos iguais e o direito à diferença. Não houve outro assunto nas redes sociais na quarta-feira, 3 de abril. O nome da artista esteve nos tópicos mais comentados do Twitter. No Google, em poucas horas havia meio milhão de referências sobre o tema. O casal gostou da reação do público. “O apoio dos brasileiros mostra que somos um povo avançado e civilizado. E mais uma vez os brasileiros mostraram que Feliciano não nos representa”, afirmou a cantora, em entrevista a ÉPOCA.
Fraude em declaração de empresas provoca prejuízo bilionário ao governo
A Assembleia de Deus, do deputado Feliciano, escolhe seu líder
IstoÉ
Por que as cotas raciais deram certo no Brasil
Antes de pedalar pelas ruas de Amsterdã com uma bicicleta vermelha e um sorriso largo, como fez na tarde da quarta-feira da semana passada, Ícaro Luís Vidal dos Santos, 25 anos, percorreu um caminho duro, mas que poderia ter sido bem mais tortuoso. Talvez instransponível. Ele foi o primeiro cotista negro a entrar na Faculdade de Medicina da Federal da Bahia. Formando da turma de 2011, Ícaro trabalha como clínico geral em um hospital de Salvador. A foto ao lado celebra a alegria de alguém que tinha tudo para não estar ali. É que, no Brasil, a cor da pele determina as chances de uma pessoa chegar à universidade. Para pobres e alunos de escolas públicas, também são poucas as rotas disponíveis. Como tantos outros, Ícaro reúne várias barreiras numa só pessoa: sempre frequentou colégio gratuito, sempre foi pobre – e é negro. Mesmo assim, sua história é diferente. Contra todas as probabilidades, tornou-se doutor diplomado, com dinheiro suficiente para cruzar o Atlântico e saborear a primeira viagem internacional. Sem a política de cotas, ele teria passado os últimos dias pedalando nas pontes erguidas sobre os canais de Amsterdã? Impossível dizer com certeza, mas a resposta lógica seria “não”.
Desde que o primeiro aluno negro ingressou em uma universidade pública pelo sistema de cotas, há dez anos, muita bobagem foi dita por aí. Os críticos ferozes afirmaram que o modelo rebaixaria o nível educacional e degradaria as universidades. Eles também disseram que os cotistas jamais acompanhariam o ritmo de seus colegas mais iluminados e isso resultaria na desistência dos negros e pobres beneficiados pelos programas de inclusão. Os arautos do pessimismo profetizaram discrepâncias do próprio vestibular, pois os cotistas seriam aprovados com notas vexatórias se comparadas com o desempenho da turma considerada mais capaz. Para os apocalípticos, o sistema de cotas culminaria numa decrepitude completa: o ódio racial seria instalado nas salas de aula universitárias, enquanto negros e brancos construiriam muros imaginários entre si. A segregação venceria e a mediocridade dos cotistas acabaria de vez com o mundo acadêmico brasileiro. Mas, surpresa: nada disso aconteceu. Um por um, todos os argumentos foram derrotados pela simples constatação da realidade. “Até agora, nenhuma das justificativas das pessoas contrárias às cotas se mostrou verdadeira”, diz Ricardo Vieiralves de Castro, reitor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
O novo homem-chave do supremo
Os lances finais para a escolha do mais novo ministro do Supremo Tribunal Federal estão fazendo o meio político em Brasília trepidar. As conversas, negociações e tratativas tiveram início discreto há cinco meses, quando Carlos Ayres Britto se aposentou. Nas últimas semanas, contudo, a disputa envolveu um número inédito de candidatos e pré-candidatos – o total passou de 30 nomes – e foi embalada por uma lamentável guerra de dossiês e acusações de bastidor, mensagens cifradas em artigos de imprensa e articulações de vulto envolvendo autoridades do governo. A razão principal para tamanha movimentação e interesse é fácil de entender. O próximo ministro assumirá o papel de homem-chave do Supremo: além de relatar o processo contra o deputado tucano Eduardo Azeredo (MG), conhecido como mensalão mineiro, ele terá condições de produzir mudanças notáveis no julgamento do mensalão do PT. Dependendo de sua atuação, as penas de regime fechado aplicadas ao ex-ministro José Dirceu e a outros mensaleiros poderam até ser revertidas. Daí a importância da composição de seu perfil na hora da escolha.
Na fase de recursos do mensalão, que iniciará quando todos os ministros apresentarem seus votos por escrito, os condenados terão a última chance de tentar rever algumas sentenças aprovadas por margem apertada. O nome a ser indicado por Dilma Rousseff, que deve ser sabatinado e aprovado pelo Senado antes de tomar assento no tribunal, herdará, automaticamente, a atribuição de julgar e relatar os embargos declaratórios – que haviam sido entregues a Ayres Britto –, dando início à primeira etapa na apreciação de recursos. Nesta fase do julgamento, também será possível conhecer a posição de Teori Zavaski, ministro recém-chegado ao STF, mas que até agora não se pronunciou sobre o mensalão.
Entre os réus, os casos de maior impacto envolvem o ex-ministro José Dirceu e o deputado João Paulo Cunha. Os dois foram condenados no Supremo por vários crimes acumulados e num deles, “formação de quadrilha”, o placar ficou em 5 votos a 4. Se tiverem um voto favorável e a acusação não receber nenhum voto a mais, o placar empata em 5 a 5, o que equivale à absolvição. Caso isso venha a acontecer, as penas recebidas por Dirceu e João Paulo Cunha sofrerão uma redução drástica. Hoje obrigados a cumprir um sexto das condenações em regime fechado, eufemismo para designar que ficarão dentro da cela de uma cadeia, terão direito a regime semiaberto – aquele em que a pessoa tem de dormir na prisão. Outro debate envolve a perda de mandato de quatro parlamentares condenados. Também por 5 votos a 4, o STF decidiu que deveria cassá-los, deixando para o Congresso a obrigação de apenas referendar essa decisão. Mas, em sentença escrita, em caso que julgou antes de chegar ao Supremo, Teori Zavaski escreveu que a perda de mandato é prerrogativa dos parlamentares, o que sugere que pode manter a mesma opinião no STF.
Essas brechas num julgamento tão desfavorável ao governo e a seus aliados têm levado o Planalto a agir com cautela redobrada. Quer se evitar escolhas prejudiciais aos pontos de vista do governo, como aconteceu com a indicação de Luiz Fux, que deixou seus interlocutores palacianos convencidos de que ele acreditava na inocência dos acusados do mensalão – e fez exatamente o contrário depois da nomeação. O PT também se movimenta para emplacar um nome mais alinhado com os pensamentos do ministro Ricardo Lewandowski, que hoje encarna o principal contraponto ao presidente do tribunal, Joaquim Barbosa.
O patriotismo torto de Patriota
A diplomacia é a expressão internacional dos interesses de uma nação. É feita de gestos discretos sim, mas também de ações contundentes. Desde que assumiu o comando do Itamaraty há mais de dois anos, o chanceler Antonio Patriota aferrou-se à primeira parte da sentença. Mantém uma postura discreta, burocrática, uma espécie de timidez funcional. Não bastasse isso, acumulou deslizes diplomáticos e, em consequência, perdeu espaço na Esplanada. Irritada com os erros e especialmente com a falta de iniciativa do subordinado, a presidenta Dilma Rousseff tem evitado recebê-lo e já mandou o recado: ou Patriota demonstra a liderança que seu cargo exige ou aposenta seus punhos de renda. A última vez que o ministro pisou no gabinete de Dilma foi em 22 de janeiro, quase três meses atrás. “Ele tremia durante a audiência”, relata um assessor. O medo só acentuou o desgaste que começou há quase um ano.
O primeiro vacilo de Patriota, segundo assessores palacianos, foi na visita da presidenta aos Estados Unidos em março do ano passado. O encontro quase protocolar, sem honras de chefe de Estado, decepcionou Dilma, que havia recebido o colega americano Barack Obama em Brasília, com toda pompa, um ano antes. Esperava-se, aliás, que as relações bilaterais com os EUA avançassem significativamente na gestão de Patriota, considerando que o diplomata conhece a fundo a cultura e a política daquele país. Foi embaixador em Washington e casou-se com uma diplomata americana, Tania Cooper, funcionária da ONU e filha de Charles Cooper, afamado ex-oficial de contra-inteligência do Exército americano. O que se viu, porém, foi o efeito inverso. As relações diplomáticas esfriaram e as exportações recuaram, apesar de os EUA terem mantido o Brasil no sistema geral de preferências.
A caminho da solidão
Do fundo do plenário, local jocosamente apelidado de zona cinzenta, o senador José Sarney (PMDB-AP) acompanhou escondido por uma pilastra o entusiasmo do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), ao anunciar a promulgação da PEC das Domésticas, no início da noite da quarta-feira 3. Para não deixar transparecer sua inequívoca condição de coadjuvante, Sarney deixou a passos lentos a cerimônia, durante a última estrofe do ?Hino Nacional?. Acompanhado por dois assessores, esperou pelo elevador privativo sem receber nenhum tapinha nas costas ou cumprimento dos antigos bajuladores.
Mas não seria este o primeiro sinal da solidão de Sarney, depois de deixar o comando do Congresso. No fim de fevereiro, quando chegava ao plenário para marcar presença já como senador comum, ele foi abordado por um antigo funcionário. O servidor notou o isolamento e o ex-presidente logo emendou. ?Veja como é o poder. Junto vem a velhice?, desabafou com voz trôpega e ar cansado.Sem poderes formais no Senado, Sarney demonstra ter pouca disposição para o exercício legislativo. O parlamentar, que já não relatava uma matéria desde 2002, chega sempre por último nas reuniões partidárias, quando o encontro já está no fim. Sarney anunciou até uma licença de 120 dias para terminar o livro ?Testamento para Roseana?. A data ainda não está definida. Seu primeiro-suplente, Salomão Alcolumbre, está de sobreaviso, mas ainda quer ver para crer que conseguirá ocupar a cadeira de Sarney nesta legislatura.
Lei Carolina Dieckmann: apenas o primeiro passo
Demorou, mas, na terça-feira 2 o Brasil finalmente promulgou a primeira lei criada exclusivamente para regular crimes digitais. Sancionada pela presidenta Dilma Rousseff, a Lei 12.737 acabou conhecida como Lei Carolina Dieckmann, nome dado em referência ao caso da atriz, que teve seu computador invadido e imagens de sua intimidade espalhadas pela internet. “Pode parecer estranho, mas até a publicação da Lei 12.737, invadir dispositivos informáticos no Brasil não era crime”, afirma o advogado Renato Opice Blum, uma das maiores autoridades em direito digital do País. Casos como o de Carolina eram decididos com adaptações de artigos que já constavam no Código Penal brasileiro. Com a nova legislação, que criminaliza a invasão de dispositivos informáticos (leia quadro ao lado), a esperança é que a Justiça, munida de instrumentos próprios para esse tipo de situação, seja mais ágil. “Na prática, porém, teremos algumas dificuldades para tornar essa lei efetiva”, diz Opice Blum. A começar pelo próprio texto, que, segundo especialistas, está excessivamente ambíguo. Quando o legislador fala em “dispositivos informáticos”, “mecanismos de segurança” e “obtenção de dados”, por exemplo, os limites pouco claros do que cada conceito representa podem dar margem a interpretações oportunistas (leia quadro abaixo). Embora o esforço de se fazer uma lei mais genérica seja louvável – quanto mais ampla a legislação, mais aplicável ela é –, lacunas em partes fundamentais podem ser problemáticas. “As especificidades terão de ser definidas pelos juízes nas primeiras decisões”, diz Leandro Bissoli, advogado especializado em direito digital do escritório Patrícia Peck Pinheiro. Será uma lei, portanto, que dependerá de jurisprudências para funcionar plenamente.
Veja
Casamento gay: uma questão para todos
Carta Capital
A verdade ameaçada
A mídia na ditadura
Falta um tema na variada agenda da Comissão Nacional da Verdade. Criada com a finalidade de apurar as violações dos direitos humanos, ela não incluiu na pauta de trabalho a análise do papel da imprensa, como é feito com a Igreja, por exemplo, durante a ditadura, articulada e sustentada por civis e militares.
A imprensa foi arauto da trama golpista contra o presidente João Goulart. Sempre conservadores, os “barões da mídia” brasileira agem na fronteira do reacionarismo. Apoiar golpes, por isso, não chega a ser exatamente novidade. Alardeiam o princípio do liberalismo sem, no entanto, se comprometer com a democracia. Assim promovem feitiços, como o de 1964, e tornam a própria imprensa vítima da feitiçaria.
Patrões e empregados são testemunhas importantes de uma história que precisa ser passada a limpo. É necessário ir além do que já se sabe. Isso só ocorrerá com o depoimento daqueles que viveram os episódios ou estiverem próximos deles.
A ditadura “exerceu o terror de Estado e provocou medo na sociedade civil. Não há indícios, porém, de que o medo fosse a razão do consentimento” que a imprensa deu aos generais, como anota a cientista política Anne-Marie Smith, no livro Um Acordo Forçado. Ela põe o dedo na ferida ainda aberta: “E se outros jornais tivessem protestado quando o general Abreu proibiu qualquer publicidade do governo no Jornal do Brasil em 1978?” E se aproxima da resposta: “Os obstáculos à solidariedade não foram criados, nem reforçados, nem explorados pelo regime. A falta de solidariedade foi uma desvantagem gerada pela própria imprensa”.
Paulo Bernardo, II ato
Proponho um teste aos leitores. Qual é o país onde a mídia está na mão dos oligopólios? Qual é o país onde esta mesma mídia alinha-se de um lado só, sistematicamente contrária a qualquer esforço igualitário e, portanto, a favor da reação? Qual é o país onde os profissionais do jornalismo chamam o patrão de colega? Qual é o país onde nas redações ainda se afirma o diretor por direito divino? Evitarei fornecer a resposta certa ao pé da página, eventualmente impressa de cabeça para baixo. De fato, a resposta é do conhecimento até do mundo mineral.Poderia, porém, acrescentar outras perguntas ao questionário. Por exemplo. Qual é o país que se recusa a valorizar a memória a bem de seu progresso? Qual é o país onde uma ditadura feroz é apresentada como ditabranda e onde uma comissão dita da verdade, chamada a reconstituir os crimes que se seguiram ao golpe civil-militar, hesita e negaceia?
Há áreas do mapa-múndi onde certas questões foram resolvidas há tempo. Lembro-me que aos 22 anos saí do Brasil para trabalhar como jornalista na Itália, primeiro em Turim, depois em Roma, e, para minha surpresa, descobri uma lei em pleno vigor pela qual dono de jornal não podia ser diretor de redação. Mais: qualquer mudança da linha ideológica do diário justificaria o pedido de demissão do profissional que não concordasse com a guinada, com direito a indenização.
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