EPOCA
O Brasil de Serra e o Brasil de Dilma
Como seria o Brasil governado pela petista Dilma Rousseff? Como seria o país governado pelo tucano José Serra? Quais são as reais diferenças entre eles? Quem tem as melhores ideias para o país, as propostas mais viáveis para o desenvolvimento social e econômico, os encaminhamentos mais interessantes para os grandes desafios, como a educação, o pré-sal, a infraestrutura? Na atual campanha, o melhor caminho para encontrar respostas para essas perguntas simplesmente não existe. Seriam os programas de governo de cada concorrente. Apesar das promessas, eles não foram divulgados nem pelo PT nem pelo PSDB até a semana passada, a pouco mais de dez dias do segundo turno.
Os estilos pessoais de Dilma e Serra são relativamente bem conhecidos. Ambos são desenvolvimentistas, têm personalidade forte e a fama de ser centralizadores. Dilma já foi classificada como rude em algumas ocasiões. Serra já foi considerado um administrador implicante, teimoso. Subordinados dos dois dizem que eles são muito exigentes e disciplinados. Poderiam ter usado essas características pessoais para exigir de seus partidos e assessores a formalização de compromissos programáticos com o eleitor. Mas não fizeram isso. Para usar uma palavra da moda na atual campanha, tergiversaram.
Até a semana passada, o eleitor interessado em conhecer mais profundamente as propostas de Dilma e Serra teria de buscar falas dispersas de ambos ao longo da campanha, confrontar respostas dadas em diferentes debates, filtrar informações relevantes da propaganda eleitoral e separá-las dos truques de marketing. Em alguns temas, teria ainda de pesquisar posições manifestadas por correligionários de confiança em entrevistas, artigos e outros documentos.
Pesquisar minuciosamente as posições de Dilma e Serra é uma alternativa trabalhosa. É, porém, a única que permite fugir da opção fácil de classificá-los apenas como candidatos iguais em uma campanha despolitizada, que teria se limitado à pancadaria verbal e, na semana passada, resvalou para as agressões físicas. A pesquisa detalhada permite montar um quadro a respeito das diferenças entre Dilma e Serra. Foi isso que ÉPOCA fez e apresenta nas próximas páginas: um levantamento das posições dos dois candidatos em 15 áreas e temas fundamentais para o país. O confronto pretende ajudar o eleitor a escolher com base em propostas, ideias e ideais.
Além dessas comparações, os leitores terão uma segunda ferramenta importante para conhecer melhor os candidatos: as entrevistas interativas com Dilma e Serra que serão promovidas por epoca.com.br. Os dois presidenciáveis se comprometeram a responder a uma seleção das perguntas enviadas pelos leitores. As respostas de ambos serão publicadas na próxima edição de ÉPOCA.
Vocês perguntaram. Eles responderam
este domingo, os eleitores brasileiros vão escolher o próximo presidente da República entre os candidatos do PSDB, o ex-governador José Serra, e do PT, a ex-ministra Dilma Rousseff. Será o fim de um longo processo. Oficialmente, a largada da campanha eleitoral se deu em junho, com as convenções partidárias que sagraram Serra e Dilma como candidatos. Na prática, a disputa presidencial começou muito antes. Desde 2006, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva derrotou Geraldo Alckmin na última eleição presidencial, Serra, embora não pudesse ser proclamado como tal, era o candidato preferido da oposição para retomar o Palácio do Planalto. Desde 2007, quando foi lançado o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), podiam-se vislumbrar os sinais de que Dilma seria ungida como a candidata de Lula à própria sucessão. Que um dos dois assuma o governo federal a partir de janeiro de 2011, portanto, é um desfecho totalmente previsível para o ciclo político dos últimos quatro anos e pode ser até saudado como um sinal da rotina democrática em que o Brasil entrou.
No entanto, a sensação predominante entre os brasileiros, com a conclusão desta campanha, como diz o colunista Fernando Abrucio (leia mais), não é de satisfação, mas de saturação. Esse sentimento não se deve apenas à longa duração da disputa, mas à baixa qualidade da discussão política. No segundo turno, a campanha presidencial se viu dominada por polêmicas vazias, em que ataques oportunistas suplantaram a discussão dos problemas reais do país. Nesse clima, não é de surpreender que os eleitores se sintam dissociados dos políticos, como se tivessem agendas completamente distintas. ÉPOCA tentou fugir desse clima e procurou também, ao longo de toda a campanha, dar espaço para o debate das ideias. Não entrou na histeria denuncista com viés panfletário nem se atrelou a candidaturas, porque acreditamos em um jornalismo crítico e apartidário em defesa do interesse do leitor. Na reta final da disputa presidencial, tentamos, mais uma vez, dar uma prova desse compromisso. Organizamos entrevistas interativas com Serra e Dilma, em que os leitores enviaram perguntas aos dois candidatos sobre questões programáticas. Chegaram à redação 616 perguntas. Entre essas, 16 foram selecionadas e enviadas a cada candidato. Nas próximas páginas, você vai encontrar as respostas de Serra e Dilma a elas.
O eleitor entrevista Dilma Rousseff
A comparação entre o governo Luiz Inácio Lula Da Silva e o governo Fernando Henrique Cardoso é o campo de debate predileto de Dilma Rousseff (PT) na disputa pela Presidência. É onde ela faz o ataque mais ensaiado por sua campanha contra José Serra: a crítica às privatizações de empresas estatais, como a Vale e a Telebrás, feitas pelo governo FHC. Dilma repetiu o argumento à exaustão nos programas eleitorais e debates do segundo turno. O leitor de ÉPOCA José Caetano Justiniano, de Minas Gerais, lembrou que, apesar do discurso de Dilma, o governo atual não reviu as privatizações de FHC. “Não é incoerente?”, ele perguntou na entrevista interativa com a candidata. “Se o governo passado fez, nós respeitamos. Não somos daqueles que assumem um governo e não cumprem nada que o anterior fez”, respondeu Dilma por e-mail. Ela deixou de responder a três das 16 perguntas enviadas. Elas tratavam do corte de 24 mil cargos de confiança como medida para combater a corrupção, do ajuste fiscal para melhorar a gestão da dívida pública e de compromissos com a redução da carga tributária. A quatro dias das eleições, Dilma alegou falta de tempo.
Como melhorar a educação num país onde, na fase mais importante da educação para as crianças, os professores – sem desmerecer nenhuma profissão – ganham menos que uma diarista?
Rubiano de Lara
Turvo, PR
Dilma Rousseff – Ótima pergunta, Rubiano. Com toda a certeza, não é possível assegurar educação de qualidade sem uma política efetiva de valorização do professor, com salários dignos e capacitação continuada. No meu governo, se eleita for, vamos seguir na implementação do piso salarial nacional do magistério e na sua elevação ao longo do tempo.
Alcançamos autossuficiência em petróleo. Mas e o retorno social, com tarifas mais baixas de gás de cozinha e combustíveis, quando virá?
Celso Molinari
Camaçari, BA
Dilma – Caro Celso, desde 2003 o governo do presidente Lula vem procurando manter o preço do botijão de 13 quilos de gás de cozinha estável na porta da refinaria da Petrobras. O preço dos demais combustíveis, na média, segue o mercado internacional. Essa política tem possibilitado que o setor se mantenha atrativo para novos investimentos, o que nos levou a novas descobertas de reservas petrolíferas, como o Pré-Sal, que é o nosso passaporte para o futuro. O fundo social, criado com recursos do pré-sal, fará com que o petróleo traga grandes benefícios para a sociedade, sobretudo em educação, ciência e tecnologia, meio ambiente, saúde e cultura.
O eleitor entrevista José Serra
Os adversários tentaram pregar a pecha de privatista em José Serra no segundo turno, mas o tucano promete atuar para fazer exatamente o oposto na gestão da maior estatal do país. Além de “reestatizar” a Petrobras, Serra disse, na entrevista interativa, que quer acabar com “o loteamento político” e “as indicações partidárias absurdas”. O candidato do PSDB respondeu, por e-mail, a todas as 16 perguntas de leitores, enviadas a ele e selecionadas por ÉPOCA.
Como melhorar a educação num país onde, na fase mais importante da educação para as crianças, os professores – sem desmerecer qualquer profissão – ganham menos que uma diarista?
Rubiano de Lara
Turvo, PR
José Serra – O professor tem de ser bem pago. Deveríamos, portanto, investir mais recursos em sua remuneração, vinculando-os, porém, à introdução de mudanças necessárias em sua formação, atualização profissional e estruturação de suas carreiras. A questão, portanto, está em identificar recursos adicionais importantes aos que hoje são aplicados na educação, de forma a induzir no curto prazo a adoção de práticas semelhantes às dos países que têm tido êxito em seus sistemas educativos. No governo do Estado de São Paulo, implantamos bonificação por desempenho de até três salários extras. Em cada escola foi fixada uma meta, e aquelas que atingiram ou ultrapassaram receberam essa bonificação não só para o professor, mas também para o diretor, secretária, para todo o corpo da escola, inclusive de limpeza. Para levar isso ao nível nacional, é necessária uma parceria com os Estados, porque o governo federal não administra isso diretamente, mas pode e deve dar diretrizes nesse sentido.
Alcançamos autossuficiência em petróleo. Mas e o retorno social, com tarifas mais baixas de gás de cozinha e combustíveis, quando virá?
Celso Molinari
Camaçari, BA
Serra – Os combustíveis brasileiros são os mais caros do mundo. O diesel e a gasolina no Uruguai e na Argentina, por exemplo, são 20%, 30% mais baratos. Há muito a ser feito nesse campo. Uma das medidas é acabar com o loteamento político da Petrobras, que está toda tomada de indicações partidárias absurdas. Na prática, é preciso reestatizar a Petrobras para torná-la mais eficiente, permitindo o retorno social da autossuficiência brasileira em petróleo. Também é preciso aumentar a fiscalização sobre a distribuição de gás, para evitar as fraudes contra o consumidor. Além disso, é preciso desonerar a cadeia produtiva, para reduzir o custo do transporte público. Trata-se de um instrumento de distribuição de renda essencial para o crescimento e estímulo da demanda.
Na eleição de 2002, o senhor assinou um documento se comprometendo a não abandonar a prefeitura de São Paulo caso eleito, e depois o cargo foi abandonado. Por que devemos confiar num político que não cumpre o que assina?
Denis Nascimento Fagundes
São Paulo, SP
Serra – Fui eleito com a perspectiva de ficar quatro anos na prefeitura. Era minha convicção à época. Houve, no entanto, um chamado para que eu fosse candidato a governador. Um chamado tão legítimo que saí com a aprovação mais alta que já teve um prefeito àquela altura. Ganhei a eleição no primeiro turno e ainda assisti à reeleição do meu vice.
O país que o brasileiro quer ter
Quando se olha no espelho, o brasileiro só vê bondade: honesto, ele valoriza a família e as amizades; tem esperança e paciência; é alegre e justo. Quando olha para o lado, enxerga um país tomado por corrupção, pobreza, violência, burocracia e outros males. Entre um extremo e outro, o brasileiro espera o dia em que esta nação imperfeita seja tomada pela paz e pela justiça social, onde haja respeito às pessoas e boas condições de vida para todos. Esse é o quadro que emerge da pesquisa Valores Brasil 2010, feita pela Marcondes Consultoria, aplicada pelo Datafolha e publicada com exclusividade por ÉPOCA. O estudo mapeou as expectativas do brasileiro em relação ao próximo governo a partir de 2.544 entrevistas com eleitores de 160 cidades de todos os Estados do país. Uma lista de 70 palavras que resumem valores e comportamentos foi apresentada aos entrevistados. Entraram termos abrangentes como responsabilidade, respeito, corrupção, iniciativa, justiça e ética. Depois de mostradas as palavras, os pesquisadores formularam três perguntas:
1. Quais destes valores são os mais representativos de quem você é?
2. Quais destes valores são os mais representativos do Brasil hoje?
3. Quais destes valores são os mais representativos de como você gostaria que o Brasil fosse no futuro?
Os entrevistados deveriam associar dez termos a cada item. As respostas foram divididas em sete estágios, que, gradualmente, vão do básico “instinto de sobrevivência” ao altruísta “servir à humanidade” (leia o quadro ao lado) . O resultado mostra que o brasileiro enxerga no país problemas sérios, de um nível primário, das necessidades básicas. “Ele percebe que há pobreza, violência e corrupção”, afirma Caio Barros Brisolla, coordenador da pesquisa. “Mas não vê essa imagem de corrupto e violento em si mesmo.”
O poder do presidente
A rotina do presidente Lula começa na ala residencial do Palácio da Alvorada, uma joia da arquitetura moderna às margens do Lago Paranoá, em Brasília. Para ir ao trabalho, ele entra em um carro com motorista e o chefe de sua segurança. No carro da frente vão seguranças e em outro, atrás, mais seguranças e um ajudante de ordens. Atrás da comitiva, segue uma ambulância com médico. Após um trajeto de cinco minutos, Lula chega ao Palácio do Planalto, outro monumento arquitetônico. No trajeto entre o elevador e seu gabinete, no 3º andar do Palácio, ele costuma ser abordado por auxiliares ou ministros interessados em tratar de algum assunto urgente antes do início da agenda do dia. Logo depois, por volta das 9 horas, ele começa sua primeira reunião. Entre ela e o almoço, por volta das 13 horas, ele costuma participar de eventos, receber ministros e passar pelo menos meia hora cuidando da burocracia de assinar medidas provisórias (MPs), leis a serem publicadas no Diário Oficial, atos e projetos que serão enviados ao Congresso. Ocupado por cerimônias, reuniões com ministros, negociações políticas e decisões de última hora, o dia de trabalho de Lula, quando ele está em Brasília, costuma se encerrar apenas às 21 horas.
Por causa dessa carga de trabalho estafante, ser presidente, segundo ex-ocupantes do cargo, muitas vezes se torna um fardo, apesar das regalias. O presidente tem de arbitrar conflitos e tomar decisões que podem afligir sua consciência. Alguns presidentes sucumbiram às pressões do cargo e à solidão imposta por ele: Getúlio Vargas se matou, Jânio Quadros renunciou após sete meses e João Figueiredo teve problemas no coração.
Cada presidente costuma ter seu modo particular de atenuar as pressões do cotidiano, em que ele é obrigado a conviver as 24 horas do dia com um aparato de segurança a sua volta. Formal, Fernando Collor ia ao cinema no Alvorada e pedia pizzas por telefone para evitar tumultos nos restaurantes. Seu sucessor, Itamar Franco, ia ao cinema como qualquer cidadão. O general Emílio Garrastazu Médici (1969-1974) assistia a jogos no Maracanã com um rádio de pilha no ouvido. Lula talvez tenha sido o mais informal. Foi fotografado de bermuda e camiseta indo à praia com um isopor nos ombros. Todos eles desejaram o poder, mas muitos se deliciaram com a volta à vida comum. João Figueiredo pediu para ser esquecido e, na aposentadoria, caminhava pela praia no Rio de Janeiro sem ser importunado. Logo depois de deixar o poder, Fernando Henrique Cardoso fez uma viagem à França com a mulher, Ruth. Foi recebido por uma escolta do governo francês. Dispensou-a. Foi com Ruth a uma cidade pequena e, pela primeira vez em oito anos, sentiu o prazer de ser uma pessoa comum.
ISTOÉ
Duas eras em confronto
A eleição do domingo 31 não vai apontar apenas o nome do vencedor da corrida presidencial. Ela também simboliza um inédito confronto entre os partidos que dominaram a cena política nos últimos anos – o PT e o PSDB. Pela primeira vez, os brasileiros terão como base de comparação dois períodos precisos, que duraram exatamente oito anos, e que ficaram marcados por diretrizes econômicas e ações políticas divergentes na maioria das vezes. O PSDB deteve o poder de 1995 a 2002, com o presidente Fernando Henrique Cardoso. Desde 2003, é o PT quem dá as cartas por intermédio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A despeito de convicções ideológicas, tão exacerbadas nestes tempos de eleição, os dois inegavelmente estão na lista dos líderes mais importantes da história do Brasil. Ambos tiveram méritos e defeitos, erros e acertos, e é impossível não creditar à dupla o excepcional momento vivido pelo País. Mas, afinal, como comparar os dois governos? Por mais que um lado ou outro possa reclamar, não há forma mais justa de avaliar as duas eras do que colocar na mesa de discussões os indicadores de cada gestão. Foi isso o que ISTOÉ fez, no levantamento mais completo já realizado a respeito dos dois governos.
Principalmente nas áreas econômica e social, a análise dos números indica que a gestão petista tem resultados melhores para apresentar. Nesse aspecto, o primeiro dado que chama a atenção é a evolução do Produto Interno Bruto (PIB), que traduz o aumento da riqueza de um país. Nos dois mandatos de FHC, a taxa média anual de crescimento foi de 2,3%. Nos governos Lula, o índice será de 4% (considerando uma alta do PIB de 7,5% em 2010, embora analistas independentes acreditem que a taxa possa chegar a 8%). Lula também conseguiu uma proeza notável: elevou a renda per capita brasileira a US$ 10 mil, um marco que aproxima o índice brasileiro do indicador observado em países desenvolvidos. Nesse ponto, FHC não brilhou. Entre 1995, primeiro ano do governo Fernando Henrique, e 2002, quando ele deixou o poder, a renda per capita brasileira caiu de US$ 4,85 mil para US$ 2,86 mil. Em defesa de FHC, é importante lembrar que ele enfrentou duas sérias crises (da Ásia e da Rússia), que causaram estragos mundo afora.
Para muitos especialistas, o principal acerto econômico do governo Lula foi a política de crédito. “A expansão brutal do crédito dinamizou a economia”, diz Aldo Fornazieri, diretor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo. “Ela gerou empregos, estimulou investimentos das empresas e blindou o Brasil diante das crises financeiras internacionais.” Com empréstimos mais acessíveis, as pessoas passaram a comprar mais bens, o que contribuiu para o aumento da produção industrial, mobilizada para atender à crescente demanda. Nesse ciclo, mais empregos foram gerados e, como consequência, veio o aumento da renda da população. Um dos efeitos colaterais dessa lógica capitalista é a alta inflacionária, em geral associada ao consumo desenfreado. Com metas de inflação rigorosamente cumpridas, o governo Lula não foi vencido por esse mal. No quesito controle de preços, motivo de orgulho para os tucanos, Lula também obteve um desempenho destacado. Na era Fernando Henrique, a inflação média foi de 9,1%. Nos oito anos de governo Lula, o índice deverá fechar abaixo de 6% – número surpreendente diante dos recorrentes argumentos utilizados pelos defensores de FHC, de que Lula supostamente levaria o País ao abismo inflacionário. “Lula demonstrou uma responsabilidade econômica que foi fundamental para o desenvolvimento do País”, diz o cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília.
Cartas marcadas no metrô de Serra
Por essa José Serra não esperava. Na reta final da campanha, o tucano passou a ter de explicar uma fraude numa obra de R$ 4 bilhões na licitação do Metrô de São Paulo. O esquema com empreiteiras contratadas pelo governo paulista foi revelado pela “Folha de S. Paulo”. Na terça-feira 26, o jornal mostrou que teve acesso aos resultados da concorrência seis meses antes de o governador do Estado, Alberto Goldman, anunciar os vencedores. A reportagem não deixa dúvidas de que as obras de expansão da Linha 5 (Lilás) – que devem levar 12 quilômetros de trilhos do Largo Treze, na zona sul da cidade, às estações Santa Cruz (Azul) e Chácara Klabin (Verde) – fazem parte de um jogo de cartas marcadas.
No dia 23 de abril, o jornal havia registrado em cartório e em vídeo gravado na redação os nomes dos consórcios que seriam escolhidos para vencer a concorrência de um processo iniciado em outubro de 2008, quando Serra era governador de São Paulo. Três dias depois do registro, começou uma estranha movimentação: o Metrô rejeitou a oferta do consórcio Galvão/Serveng para as obras do lote 2 da Linha 5 por suspeita de superfaturamento e determinou que os 17 consórcios que disputavam todos os lotes em aberto (2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8) apresentassem novas propostas entre maio e junho. Em 21 de outubro, o atual governador, Alberto Goldman (PSDB), divulgou o nome dos novos vencedores. Surpresa: os felizardos escolhidos eram exatamente os mesmos que a “Folha” tinha identificado seis meses antes.
“Direcionamento não houve”, alegou o presidenciável Serra. “Pode ter havido acordo de construtoras e eu creio que o governador Goldman vai instaurar uma investigação.” A candidata do PT, Dilma Rousseff, sugeriu que “pelo menos desta vez” a gestão tucana tomasse providências diante das evidências de um escândalo. Mas Serra deixou claro que defende uma apuração apenas parcial, excluindo o governo do Estado das investigações. “Não houve nada”, disse ele. Há sinais claros de que o Estado de São Paulo, na gestão de Serra, fez uma licitação acertada previamente com as empreiteiras, mas, mesmo assim, ele entende que não existe razão para que o governo seja investigado. Para se defender, o ex-governador usa a tática do ataque: “Quem faz isso publicamente e abertamente é o governo federal.” É fato: Serra sempre aponta que não existem escândalos que o comprometam, mesmo quando eles surgem com provas evidentes.
CARTA CAPITAL
Como se constrói a imagem de um candidato
Luiz Inácio Lula da Silva disputou e perdeu a presidência da República em todos os pleitos de 1989 a 1998. Para a mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense, Maria Izabel Muniz Ferrari, a campanha eleitoral vitoriosa de 2002 marcou a transformação da imagem política do candidato. “Antes de 2002, os programas eleitorais apresentavam um Lula muito mais ligado ao PT e a questões partidárias, expondo muito pouco sua intimidade. Lula não teve sua história de vida alterada em 2002, mas sim a forma de contá-la”, diz Maria Izabel. Nesta entrevista à CartaCapital, a pesquisadora traduz a “gramática das eleições” existente tanto na campanha de José Serra quanto na de Dilma Rousseff e mostra a importância dos dispositivos melodramáticos na construção da imagem dos candidatos.
CartaCapital: O que é o conceito do melodrama e como conseguimos identificá-los nas campanhas eleitorais?
Maria Izabel: O melodrama dramatiza a vida das pessoas tanto na esfera cotidiana quanto na política. Esse modo de ver o mundo parte de uma lente permeável de valores sociais moralizantes, ou seja, aspectos intimistas do sujeito são trazidos à cena e deixam de ser privado. De que forma a gente encontra isso nas campanhas? De maneira geral, o primeiro programa é a apresentação do candidato, chamado pelo marketing de construção de imagem. É um programa exibido até mesmo antes do período eleitoral e retoma histórias de vida, a trajetória política e as virtudes do homem público. Esses elementos trazem forte apelo melodramático, como o uso de fotografias, flashbacks, depoimentos, narração em terceira pessoa, melodia, tudo isso trabalhado para conseguir o engajamento afetivo do eleitor, que, futuramente, pode transformar-se em engajamento político. Enfim, o melodrama é um código compartilhado pelos eleitores e telespectadores, o que permite aos candidatos explorarem uma gramática das eleições.
ANP projeta reserva de Libra em até 15 bilhões de barris
A Agência Nacional do Petróleo (ANP) anunciou que estima o volume recuperável da reserva de Libra, no pré-sal da Bacia de Santos, entre 3,7 bilhões e 15 bilhões de barris. A estimativa mais provável é de 7,9 bilhões de barris. Com isso, Libra torna-se a maior reserva de petróleo anunciada no Brasil, superando o campo de Tupi, que tem entre 5 bilhões e 8 bilhões de barris. A reserva é explorada pela Petrobras a pedido da ANP, mas não participou do processo de cessão onerosa da Estatal, e deve fazer parte, caso o novo marco regulatório seja aprovado no Congresso, da primeira licitação de contratos de partilha do pré-sal. Em comunicado, a agência destacou que “somente este prospecto de Libra pode vir a ter um volume de óleo recuperável superior às atuais reservas provadas brasileiras, próximas de 14 bilhões de reais”. A área está a aproximadamente 180 quilômetros da costa do Rio de Janeiro.
Dilma, Cristina e a “falta de um homem”
A morte de Néstor Kirchner levanta uma série de questões relevantes para a política da Argentina e do nosso continente. O ex-presidente, responsável pela impressionante recuperação argentina depois do fundo do poço do “corralito”, era cotado para ser o candidato a presidente do peronismo na sucessão de Cristina. Mesmo fora da Casa Rosada, Néstor era o articulador desse bloco de centro-esquerda que, nas últimas eleições congressuais, obteve resultados abaixo do esperado. A oposição de direita, capitaneada por Macri (empresário e ex-presidente do Boca), tem o apoio da velha mídia e dos setores agrários conservadores descontentes com Cristina. Certamente, essa oposição terá muita força na sucessão em 2011.
Todas essas são questões importantes. Ok. Mas o que não dá pra aceitar é a pauta apresentada – por exemplo – pelo “Jornal da Globo”: será que Cristina dá conta de governar, sem o marido?
É de um machismo tão fora de época que a gente fica até com preguiça de discutir. Cristina não é “apenas” a “esposa” de Kirchner. Isabelita era “apenas” esposa de Peron nos anos 70. Os tempos eram outros. E deu no que deu – Isabelita (era a vice do marido e, com a morte de Perón, assumiu o poder) foi uma presidenta fraca, que abriu caminho pra ditadura.
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