Veja
A reconstrução da ministra
Depois de ser derrotado em três eleições, Lula reapareceu com a imagem remodelada na eleição de 2002. Passou a usar ternos bem cortados, cuidou da aparência e, principalmente, deixou de lado o discurso radical que assustava parte do eleitorado. A ministra Dilma Rousseff, candidata do governo à Presidência, está no mesmo laboratório operando sua transformação. Nos sete anos de ministério, Dilma ficou conhecida pela austeridade, inclusive no trato com auxiliares e colegas, pela falta de tato político, o que já lhe rendeu brigas e desafetos dentro do próprio partido, o PT, e pela dificuldade em se comunicar. Parecem problemas intransponíveis para quem deseja enfrentar com a mínima possibilidade de êxito uma campanha eleitoral que promete ser uma das mais acirradas dos últimos anos. A metamorfose já mostra os primeiros sinais. Na semana passada, durante a inauguração dos estúdios de uma emissora de TV, Dilma brincou de atriz com o presidente Lula, que manejava uma câmera. Depois, em um jantar com parlamentares do PP, fez questão de ir à cozinha cumprimentar os funcionários da casa. Em outro evento, em São Paulo, abraçou e beijou catadores de lixo que participavam de uma feira de reciclagem. Por fim, a ministra, que nunca teve muita afinidade com questões ambientais, tem revelado inédita preocupação ecológica, a ponto de ser nomeada para chefiar a delegação brasileira que vai participar de uma conferência da ONU sobre o clima.
“Dilma está mais simpática, mais sorridente e consciente do que se deve fazer em uma campanha”, afirma um membro de seu staff. Exemplo disso é que, há duas semanas, a ministra esteve em um almoço com correligionários do governador Eduardo Campos (PSB-PE) e, na chegada, cumprimentou apenas as autoridades presentes à mesa. Foi, depois, advertida pela falha. “Dá para perceber que é difícil para ela cumprir esse papel de candidata, mas ela tem se esforçado.” Os discursos e as opiniões da ministra também passaram a seguir um roteiro preestabelecido. Os discursos devem ser simples e carregados de metáforas de fácil entendimento, como os do presidente Lula. As opiniões emitidas sobre os temas de governo e de campanha também não podem divergir das defendidas pelo presidente. Nos últimos dias, Dilma foi criticada por estar antecipando a campanha eleitoral, o que é ilegal. Indagada sobre o assunto, a ministra se disse vítima de preconceito pelo fato de ser mulher. Ninguém entendeu o que uma coisa tem a ver com a outra, mas Dilma conseguiu, ao menos momentaneamente, safar-se da polêmica – exatamente como foi ensaiado com sua equipe de campanha, integrada por políticos, publicitários e jornalistas.
A ministra se reúne uma vez por semana com o “estado-maior” de sua campanha, como é chamado o grupo do qual fazem parte os ministros Franklin Martins (Comunicação Social) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais), o chefe de gabinete do presidente Lula, Gilberto Carvalho, o presidente do PT, Ricardo Berzoini, o deputado Antonio Palocci, o ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel e o marqueteiro João Santana. Nesses encontros são discutidos os temas que serão abordados pela candidata-ministra e como ela deve tratá-los em suas aparições. Também são definidos a agenda de viagens e pontos da estratégia política da campanha. Nos fins de semana, Dilma reserva um dia, às vezes o sábado, às vezes o domingo, para se dedicar integralmente ao treinamento e à preparação da “candidata ideal”. Ao lado de João Santana e de sua equipe de marqueteiros, a ministra é submetida a sessões de entrevistas, debates simulados e pronunciamento para programas de TV. A postura, o tom de voz, o modo de encarar as câmeras e até a melhor roupa para cada ocasião são experimentados à exaustão. “Esse treinamento é normal para todo candidato em campanha. No caso da Dilma, porém, isso precisa ser intensificado porque ela não tem nenhuma experiência eleitoral. Estamos saindo do zero, fabricando um candidato”, explica um dos envolvidos na operação.
Em breve, o perfil de Dilma Rousseff ganhará o reforço de um detalhe desconhecido pela maioria dos eleitores. A ministra terá enfatizada sua condição de “candidata mineira”. Dilma nasceu em Belo Horizonte, em 1947, e estudou nos tradicionais colégios Sion e Estadual Central. Sua mãe cresceu em uma fazenda na região de Uberaba e seu pai trabalhou na siderúrgica Mannesmann, tradicional empresa no estado. Em Minas Gerais, ela atuou em grupos de oposição à ditadura e acabou presa. Essa origem, porém, é pouco conhecida, pois sua carreira pública foi, na verdade, construída no Rio Grande do Sul, para onde se mudou após deixar a prisão. Pela estratégia montada, Dilma será apresentada como a alternativa para Minas voltar a ter um presidente da República depois de quinze anos. O último foi Itamar Franco. Os auxiliares da ministra avaliam que, caso o governador paulista José Serra seja confirmado como candidato da oposição, ela pode atrair os votos dos eleitores mineiros, desde, é claro, que enxerguem nela uma legítima representante do estado.
Más notícias, presidente
Por que Hugo Chávez, Evo Morales, Rafael Correa e o casal Kirchner tratam a imprensa como inimiga? Porque na Venezuela, na Bolívia, no Equador e na Argentina de seus sonhos não há lugar para jornais, revistas e redes de televisão independentes. Para essa gente, notícia é só aquilo que seus ministros da propaganda dizem que é notícia. Todos eles suprimiram a liberdade de imprensa ou estão em via de fazê-lo. Esperam um dia atingir o controle total da informação obtido pelas grandes ditaduras do século passado, prática que é mantida ainda por seus irrelevantes sobreviventes atuais: Cuba e Coreia do Norte. Nesses países não existe imprensa. Não existem repórteres. Não existem jornais. Não existe democracia. Não existe liberdade. Portanto, não existe notícia. Cubanos e norte-coreanos vivem vidas miseráveis, privados das mínimas exigências da subsistência civilizada, mas os papéis pintados periódicos daqueles países não relatam a triste realidade.
Por onde se olha na América Latina, há um governante com a ideia fixa de que seus fracassos seriam menos gritantes se só existisse a imprensa oficial. O Brasil vinha sendo a excepcionalidade na região. Agora o próprio presidente Lula está desenhando o que ele imagina ser a imprensa ideal. “Não acho que o papel da imprensa é fiscalizar. É informar”, disse Lula há duas semanas. Na quinta-feira passada, ele voltou à carga com o seguinte discurso, direcionado a repórteres que cobriam uma cerimônia que reunia catadores de papel, em São Paulo: “Hoje vocês têm a oportunidade de fazer a matéria da vida de vocês. Se vocês esquecerem a pauta do editor de vocês e se embrenharem no meio dessa gente (…) Publiquem apenas o que eles falarem. Não tentem interpretar”.
É espantoso. Lula não lê jornais. Mas quer ensinar como editar jornais. Má notícia, senhor presidente. Ter 80% de popularidade não credencia ninguém a ser repórter ou editor. Não existe jornalismo a favor. Não existe jornalismo feito pelo estado. Não é atributo do Poder Executivo traçar limites para o exercício da imprensa. A liberdade de expressão não pertence ao universo oficial dos gabinetes executivos, não tangencia os planos de governo e não obedece às orientações dos ministérios da propaganda. Seus limites estão estabelecidos na Constituição e eternizados na cultura dos países democráticos. Os próprios leitores e a Justiça punem os jornalistas que ultrapassam os limites éticos.
Perdeu o Bigodão
O poder dos Estados Unidos está sendo abertamente desafiado no Oriente Médio por titubean-tes governos aliados e ataques terroristas de proporções monstruosas. Na vizinhança de casa, pelo menos, a força do império se fez sentir. Em apenas dois dias, diplomatas americanos puseram um fim à crise em Honduras. A OEA e o Nobel da Paz Oscar Arias nada conseguiram em quatro meses de negociações. As conversas entre o presidente deposto, Manuel Zelaya, e seu substituto interino, Roberto Micheletti, terminaram na semana passada, depois de um encontro mediado por Thomas Shannon, subsecretário de Estado americano para a América Latina e futuro embaixador no Brasil.
Ao Congresso hondurenho cabe ainda aprovar, após ouvir a opinião da Corte Suprema, a volta de Zelaya. Vai aprovar. Zelaya venceu? Não. O bigodão perdeu. Ele terá menos poderes na Presidência do que tem na embaixada brasileira, onde se instalou há um mês. Sua volta é simbólica. Enquanto ele estiver ocupando o cargo, as Forças Armadas responderão ao Supremo Tribunal Eleitoral hondurenho. A restituição do aspirante a golpista bolivariano – deposto por tentar aprovar a própria reeleição, o que é proibido pela Constituição – será apenas uma formalidade a ser cumprida para não manchar a credibilidade das eleições presidenciais, marcadas para 29 de novembro. Sem o acordo, o resultado das urnas não seria reconhecido pela maioria dos países, o que colocaria Honduras num limbo internacional.
O acordo forçado pelos Estados Unidos também prevê que não haverá anistia política e que uma comissão será organizada para averiguar os acontecimentos dos últimos meses. A decisão firme da diplomacia americana em Honduras contrasta com a hesitação do governo de Barack Obama em outros problemas de política externa, como a recusa do Irã em cooperar com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), o envio de mais tropas para o Afeganistão e a leniência do governo do Paquistão com as milícias do Talibã. Embora o presidente Micheletti tenha afirmado que fez uma “concessão significativa” para resolver a crise no país, o fato é que o acordo sela o fim da carreira política de Zelaya. Ele terá de deixar a Presidência em janeiro e vai ser julgado pelos crimes dos quais é acusado: traição à pátria, abuso de autoridade, delito contra a forma de governo e usurpação de funções.
Nosso sócio é um desastre
O Brasil acaba de aceitar um sócio de alto risco. Na quinta-feira da semana passada, a Comissão de Relações Exteriores do Senado aprovou a adesão da Venezuela ao Mercosul. O assunto seguirá agora para votação no plenário, onde a maioria governista deve referendar a decisão. Como Uruguai e Argentina já deram sinal verde, só falta o aval do Senado do Paraguai. Não se tem ideia de como o coronel Hugo Chávez fará para cumprir as cláusulas democráticas do Mercosul. Seu governo é autoritário, persegue opositores, jornalistas e pretende prolongar-se indefinidamente. Como sócio, Chávez terá poder de veto nos acordos comerciais entre os países do Mercosul e o restante do mundo – e não é difícil imaginar o estrago que sua preferência pelas piores parcerias (Coreia do Norte, Irã e Cuba) pode causar. Felizmente, Chávez não é a Venezuela, e um dia o país voltará à democracia e ao progresso.
Até que isso ocorra, Chávez será outra perturbação numa instituição estagnada. Não há acordo entre os membros do Mercosul sobre os próximos passos, as políticas comuns nunca saíram do papel e cada governo se queixa do protecionismo do vizinho. Na campanha presidencial no Uruguai, falou-se abertamente em deixar o bloco e assinar livremente acordos com os Estados Unidos e a União Europeia. Na semana passada, o Brasil adotou represálias comerciais contra a Argentina, que há anos impõe restrições à entrada de produtos brasileiros. A Venezuela é um bom parceiro comercial do Brasil. Nos últimos dez anos, a exportação de produtos brasileiros para aquele país multiplicou-se quase dez vezes. O superávit a favor do Brasil beira os 5 bilhões de dólares. Nada a ver com o Mercosul. Muitos dos negócios foram facilitados pura e simplesmente pela destruição da capacidade produtiva doméstica em razão do malfadado socialismo do século XXI de Chávez.
Em cinco anos, desde que o coronel se declarou comunista, mais de cinquenta companhias de grande porte e 2,5 milhões de hectares de terra foram estatizados. Mais de 250 000 cooperativas foram criadas para substituir as empresas “burguesas”. O resultado é desastroso. A produção das companhias nas mãos do estado caiu 40%, enquanto o número de funcionários duplicou. De todas as terras ocupadas, apenas 2% continuam a produzir. Das cooperativas criadas, 96% já foram desfeitas. Não se pode acusar Chávez de ter mentido sobre suas intenções. “Produtividade e rentabilidade são conceitos do malvado capitalismo e do neoliberalismo”, disse o coronel, com sinceridade.
Linha branca mais verde
O governo federal decidiu prorrogar a redução do imposto sobre produtos industrializados (IPI) para eletrodomésticos da chamada linha branca pelos próximos três meses. A iniciativa trouxe mudanças. De novembro até o fim de janeiro, quando expira o novo prazo, a alíquota estará condicionada ao consumo de energia do produto. Quanto mais eficiente ele for, menor o imposto pago. A justificativa para o adiamento, que custará aos cofres públicos estimados 132 milhões de reais em isenções, foi manter aquecidas as vendas do fim do ano e, assim, incentivar a criação de empregos. Além disso, segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, a medida foi pensada para incentivar a economia de energia e colaborar na preservação ambiental. Num único lance, o governo procurou atender às reivindicações dos empresários do setor, angariar apoio popular e ainda abrandar a fúria dos ambientalistas desde a saída de Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente.
O anúncio foi bem recebido por comerciantes e fabricantes. “O governo se mostrou sensível ao facilitar a compra de produtos antes considerados de luxo. Toda a cadeia produtiva sai ganhando e novas vagas de trabalho deverão ser abertas”, afirmou a VEJA Luiza Trajano, presidente da rede de lojas Magazine Luiza. Produtos com o selo A, os mais eficientes na escala do Inmetro, gastam em média 20% menos energia, no caso, por exemplo, das máquinas de lavar. O problema é que muitas vezes esses eletrodomésticos são mais caros, o que desestimula sua venda. Por isso, na avaliação de Patricio Mendizábal, presidente da fabricante de eletrodomésticos Mabe Mercosul, o estímulo não deveria ser apenas transitório: “Os tributos são muito elevados. Além disso, a indústria não conseguirá substituir, em apenas três meses, toda a sua linha por produtos que sejam ecologicamente corretos”. Se for para cobrar menos impostos, que o governo ouça a reivindicação.
Já dá para sorrir?
Em 17 de setembro de 2008, dois dias após a quebra do Lehman Brothers e diante do temor de que todo o sistema financeiro americano entraria em colapso, o gabinete do então secretário do Tesouro Americano, Henry Paulson, em Washington, refletia o cataclismo que se abatera sobre a maior potência mundial. Abarrotados na sala, vinte funcionários aguardavam as diretrizes da ofensiva do governo, quando Paulson gritou: “É o 11 de Setembro econômico!”. A frase aludia aos atentados terroristas de 2001 e resumia a aflição não apenas do homem responsável por salvaguardar a economia dos Estados Unidos, mas de todos que se viam às voltas com a maior crise do capitalismo desde a Grande Depressão.
Quem lidava diretamente com os bancos à beira da falência era Timothy Geithner, que comandava o escritório de Nova York do Federal Reserve (o banco central americano). A situação era angustiante: instituições financeiras viam esvair-se seus recursos, e Geithner, hoje secretário do Tesouro, tentava desesperadamente convencer os bancos menos vulneráveis a comprar aqueles mais problemáticos. Na Europa, o quadro era semelhante. A saída de emergência foi uma intervenção governamental sem precedentes, com bilhões e bilhões de dólares bancados pelos contribuintes – que, a despeito de controversa, evitou a ruína de Wall Street e uma recessão ainda mais intensa.
Passado pouco mais de um ano daquela semana funesta, o mundo econômico já pulsa menos sofregamente. Dados divulgados na semana passada revelaram que o PIB dos Estados Unidos apresentou uma alta de 3,5% entre os meses de julho e setembro, o primeiro crescimento em cinco trimestres – e o primeiro no governo Obama –, sugerindo que o país tenha deixado sua mais severa recessão do pós-guerra. “A economia se estabilizou. Veem-se evidências de crescimento aqui e no resto do mundo”, festejou Geithner, sem deixar de ressalvar que ainda é cedo para dar fim aos programas de estímulo econômico, entre outros motivos porque o desemprego permanece elevado.
Ao mesmo tempo, países menos afetados pela turbulência financeira começaram a retirar os estímulos fiscais e monetários que haviam concedido. Na semana passada, a Noruega foi o primeiro país europeu a elevar sua taxa básica de juros, de maneira similar ao que fizera a Austrália. Além disso, bancos europeus anunciaram que receberão aportes significativos de capitais privados nos próximos dias, com vistas a devolver os empréstimos emergenciais concedidos por seus governos no auge do pânico. Boa parte dos bancos americanos também já quitou as linhas emergenciais de crédito oferecidas pelo Tesouro.
Nota zero em gestão
Está provado que a presença de um bom diretor não é apenas desejável – mas decisiva – para um elevado nível de ensino numa escola, seja ela pública, seja particular. Por isso, merece atenção uma nova pesquisa que traz à luz o mais completo perfil já feito sobre esses profissionais no país. Antes do levantamento, que ouviu 400 diretores de colégios públicos no país inteiro, o conhecimento que se tinha sobre eles era, basicamente, intuitivo. Agora, tratou-se de mensurar a realidade – e dimensionar os problemas. Logo de saída, a pesquisa, conduzida pelo Ibope em parceria com a Fundação Victor Civita, mostra que 64% dos diretores reconhecem, sem rodeios, não estar suficientemente preparados para exercer o cargo que ocupam. Quando eles versam sobre o ofício, as fragilidades ficam ainda mais evidentes. A pesquisa indica que os diretores não costumam basear suas decisões em nenhuma meta acadêmica e chegam a ignorar a nota de sua escola nos rankings oficiais. Talvez o mais preocupante de todos os dados, no entanto, diga respeito à visão que eles têm da função: apenas 2% deles se sentem responsáveis pelos maus resultados de sua própria escola, ao passo que os outros 98% culpam pais, professores, alunos, o colégio e até o governo. Conclui o especialista Francisco Soares, da Universidade Federal de Minas Gerais: “É preciso mudar urgentemente esse cenário para começar a pensar em bom ensino”.
Não é tarefa simples. Há, no Brasil, pelo menos dois grandes obstáculos. A começar pela formação dos diretores – a maioria egressa da carreira de professor -, dos quais não se requer nenhuma experiência como gestores nem a passagem por um curso em que desenvolvam habilidades como a liderança de equipe. A pesquisa mostra que 21% deles só estão no cargo porque algum político os indicou, enquanto apenas 5% ascenderam por critérios técnicos. “Não há no país um sistema eficiente para escolher e treinar profissionais de modo que se tornem bons líderes nas escolas”, avalia Mário Aquino, especialista em administração pública.
O segundo ponto que atrapalha no Brasil é o excesso de tarefas burocráticas delegadas aos diretores, situação que leva a uma total inversão de prioridades. Para 90% deles, a supervisão da merenda fornecida pelo governo é uma das atividades que mais consomem tempo, além da limpeza do prédio e da fiscalização na entrega do material didático pelas secretarias de ensino. São informações que escancaram a absoluta desconexão dos diretores brasileiros com a sala de aula. “Só sobra tempo para a educação se eu deixar de lado as tarefas administrativas pelas quais também sou cobrada”, resume Maria de Fátima Borges, 55 anos, diretora da escola Olavo Pezzotti, em São Paulo. “Estou sempre devendo relatórios à secretaria.”
Época
Mais R$ 4 bi para a educação
O bom desempenho do Brasil diante da crise econômica mundial é celebrado no mundo inteiro. Recentemente, o país vem sendo apontado como um dos mercados mais promissores para os próximos anos. As análises, no entanto, sempre reconhecem um problema: a falta de investimentos em educação. Na semana passada, o Senado aprovou uma medida que tenta diminuir esse problema, ao acabar com a possibilidade de o governo remanejar as verbas que a Constituição destina à área.
Os senadores aprovaram uma emenda constitucional que proíbe o uso na educação do instrumento burocrático conhecido como Desvinculação das Receitas da União, ou DRU. Desde 1994, a DRU desviou R$ 100 bilhões – o suficiente para formar todos os professores e universalizar a pré-escola – para outras áreas, sobretudo para cobrir rombos financeiros. Trata-se de um bom começo para lidar com a crônica falta de recursos do setor. Serão destinados mais R$ 4 bilhões à educação neste ano, mais R$ 8 bilhões no ano que vem e mais R$ 10 bilhões em 2011. Mas será suficiente?
Hoje, o mínimo que Estados e municípios têm de investir por aluno é R$ 1.220 – cerca de R$ 100 mensais. Os recursos adicionais poderiam elevar esse valor para R$ 1.470 anual por aluno. É uma quantia maior, sem dúvida, mas ainda distante dos R$ 1.960 anual por aluno, valor apontado como mínimo necessário por José Marcelino de Rezende, da Universidade de São Paulo (USP), em estudo considerado referência pelo Conselho Nacional de Educação (leia o quadro) . Nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o gasto médio anual por aluno é dez vezes os R$ 1.220 do Brasil.
Um negócio arriscado
É preciso que o Brasil e os demais países-membros aceitem a Venezuela. Por uma razão que me parece lógica: Chávez é muito mais perigoso isolado.” Com essas palavras, ditas na semana passada no Senado, o prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, desidratou o ímpeto da oposição brasileira contra a entrada da Venezuela no Mercosul. Ledezma é um dos principais opositores do presidente Hugo Chávez na Venezuela. Até pouco tempo atrás, era contra a entrada de seu país no bloco formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Achava que isso favoreceria Chávez. Hoje, diz que o ingresso “seria uma medida positiva para a democracia venezuelana”.
Um dia após a exposição de Ledezma, os senadores da Comissão de Relações Exteriores aprovaram o texto do senador Romero Jucá (PMDB-RR) favorável à inclusão. A decisão, por 12 votos a 5, ocorreu poucas horas antes do desembarque do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Caracas. O protocolo segue para votação no plenário, onde a disputa deverá ser mais acirrada. Caso a aprovação seja confirmada, ficaria faltando o aval do Paraguai para que o processo de ingresso da Venezuela seja finalizado. Argentina e Uruguai já aprovaram.
O Brasil acerta ao dar sinal verde para a entrada da Venezuela no Mercosul? O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), cujo relatório acabou derrotado, acha que não. Com ele concordam não apenas os congressistas de oposição. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Roberto Adbenur, ex- -embaixador de Lula em Washington e um dos mais experientes diplomatas brasileiros, classificou o apoio a Chávez como “um erro trágico da política externa brasileira”. Para ele, Chávez caminha de forma acelerada para o totalitarismo, e isso deveria ser motivo suficiente para o Brasil vetar seu ingresso no bloco.
Apesar de defender a adesão da Venezuela no Mercosul, Ledezma, o prefeito de Caracas, não deixa de alertar para os problemas da parceria com Chávez. “Como a Venezuela vai se submeter às regras do jogo comercial quando aqui há controle de preços, de câmbio, e as leis mudam de um dia para o outro? Estão incorporando o Diabo ao Paraíso”, disse ele a ÉPOCA. Entre as contradições, Ledezma cita o caso de Israel. O Mercosul tem um protocolo de acordo comercial com esse país, mas a Venezuela não mantém relações diplomáticas com os israelenses. Chávez vai recuar?
A estratégia da indecisão
Enquanto a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, se esforça para exibir ao país sua candidatura ao Planalto em 2010, o governador de São Paulo, José Serra, faz o contrário. Na semana passada, numa inauguração no Hospital do Servidor Público Estadual, em São Paulo, Serra falou pouco com dirigentes da instituição, poupou sorrisos e deu apenas um abraço numa possível eleitora. Passou o evento falando ao celular e lendo documentos. Na saída, nada de cumprimentos.
Líder nas pesquisas de intenção de voto, Serra afirma que o PSDB só deverá escolher seu candidato à Presidência da República em março do ano que vem. O governador de Minas, Aécio Neves, que também quer a vaga de candidato, emprega a tática oposta – e cobra uma definição. Em tom impaciente, Aécio declarou na semana passada que esperará até o fim do ano – caso contrário, vai concorrer ao Senado. Serra aguardou dois dias para responder. Numa entrevista, ele perguntou à reporter: “Você sabe se o Ciro Gomes (PSB) vai ser candidato? A Dilma já se declarou candidata? Então, por que essa ansiedade?”. E disse: “Minha impaciência é com fila de elevador, banheiro de avião. Tenho nervos de aço na política”.
Não é só uma questão de temperamento, contudo. ÉPOCA teve acesso a um documento de circulação exclusiva entre Serra e seus auxiliares, em que se podem ler argumentos claros e lógicos a favor do silêncio. “A quem lidera as pesquisas, interessa manter mais ou menos congelada a situação”, diz o texto. “Líder de pesquisa que entra em campo cedo demais passa a receber com muita antecedência toda a carga de campanha negativa e de desgaste.” Com ironia, o documento pergunta: “Causa menos dano se expor e apanhar por oito meses do que por quatro?”. Em outro trecho, o documento diz que, diante da campanha de Dilma, Serra está “em situação dramaticamente assimétrica: tem menos exposição na mídia nacional, menos mobilidade, menos máquina, menos recursos, menos espaço para se defender e contra-atacar do que Lula/Dilma”.
Enfim, um acordo
O presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, entrou há um mês na embaixada do Brasil em Tegucigalpa escondido no porta-malas de um carro, para tentar voltar ao governo. Na semana passada, sua ousadia pode ter sido premiada. Representantes de Zelaya firmaram um acordo com o presidente interino, Roberto Micheletti, para dar fim ao impasse que começou no fim de junho, quando Zelaya foi destituído e expulso de Honduras. Segundo o pacto, o Congresso vai analisar a possibilidade de Zelaya voltar à Presidência, e ambas as partes reconhecerão o resultado das eleições previstas para este mês.
Até a semana passada, havia um impasse. Micheletti não admitia a possibilidade de Zelaya retornar ao posto. Ele afirmava que Zelaya tem dívidas com a Justiça por ter convocado ilegalmente um referendo popular com a intenção de permanecer no poder. A pressão americana – que despachou o representante do governo para a América Latina, Thomas Shannon, a Tegucigalpa – fez Micheletti recuar. “Autorizei minha equipe de negociação a assinar um acordo que marca o começo do fim dessa situação”, disse Micheletti. Zelaya afirmou que o acordo é um primeiro passo: “Meu retorno é iminente. Estou otimista”.
Apesar do acordo, um diplomata brasileiro que acompanha as negociações disse que a situação poderá ficar como está. “Se o Congresso levar em conta a opinião da Suprema Corte, a volta de Zelaya será impossível. Eles já se manifestaram contra”, afirma. O governo de Micheletti se viu obrigado a recuar por uma questão política. De acordo com a Organização dos Estados Americanos (OEA), as eleições presidenciais, marcadas para o dia 29, não serão reconhecidas pela comunidade internacional caso Zelaya não volte ao poder. Como os parlamentares são os principais interessados em encerrar o impasse, decidiu-se deixar a solução nas mãos do Congresso. “Enquanto isso, a situação de Zelaya na embaixada é rigorosamente a mesma”, diz uma autoridade brasileira.
Na semana passada, o governo de Micheletti afirmou que entrará com uma denúncia na Corte Internacional de Justiça contra o Brasil por ingerência em assuntos internos de Honduras. Para Micheletti, a violação brasileira foi permitir que Zelaya usasse as instalações brasileiras para chamar a população a praticar atos de violência. O governo brasileiro nega a irregularidade. Mesmo com a eleição, a confusão em que o Brasil se envolveu em Honduras poderá continuar.
O presidente Lula e a era da gastança
O estilo conservador de administrar as contas públicas calou a boca dos críticos de Lula e rendeu ao presidente o respeito dos grandes financistas internacionais, mas parece estar saindo de moda. Embora Lula tenha proclamado em outubro que fez “o maior ajuste fiscal da história”, a declaração faz mais sentido em relação a seu primeiro mandato e aos dois primeiros anos do segundo. Basta olhar as contas do governo para perceber uma mudança dramática nos rumos da economia. O governo está gastando como nunca. Entre analistas financeiros do exterior, essa percepção não predomina. “O presidente Lula é o melhor, o mais bem-sucedido gestor político de um grande país na década”, afirmou o financista Jim O’Neill, do Goldman Sachs, um dos maiores bancos americanos de investimento, inventor da sigla Bric (referindo-se a Brasil, Rússia, Índia e China), durante sua passagem por São Paulo, no mês passado.
Para os analistas locais, o deslumbramento já não é o mesmo. Muita gente teme que o tremendo esforço fiscal empreendido desde a implantação do Plano Real, em 1994, esteja em xeque. Só nos nove primeiros meses de 2009, as despesas totais do governo federal aumentaram 16%, já descontada a variação da inflação, em relação ao mesmo período do ano passado. Passaram de R$ 306,8 bilhões para R$ 356,1 bilhões. Além de multiplicar os gastos, o governo gastou mal. Em vez de investir em obras de infraestrutura ou aplicar em educação e em saúde, comprometeu boa parte do dinheiro com a contratação de funcionários públicos e outras despesas correntes, que se incorporaram em definitivo ao orçamento.
Nos sete anos da gestão de Lula, já foram contratados 88 mil servidores civis pelo governo federal, de acordo com dados do Ministério do Planejamento. Os mais de meio milhão de servidores federais da ativa tiveram também aumentos generosos de rendimentos, a ser pagos de forma escalonada até 2012. Segundo projeções da Tendências, empresa de consultoria econômica e financeira que tem o ex-ministro Mailson da Nóbrega e o ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola como sócios, o sucessor de Lula assumirá com uma conta de R$ 63,8 bilhões a vencer em decorrência dos compromissos assumidos por Lula com o funcionalismo, uma das principais bases de apoio do PT em todo o país.
Em 2010, o governo prevê que os gastos com os servidores civis da ativa ficarão acima de 5% do Produto Interno Bruto (PIB), repetindo o que já aconteceu em 2009, pela primeira vez desde 1995. No ano que vem, os gastos com a folha de pagamentos deverão subir 9,2%, apesar de a inflação estimada para o período ser de 4,4%. No início de 2007, o governo chegou a enviar um projeto ao Congresso para limitar os aumentos dos servidores em 1,5% acima da inflação ao ano, mas ele mesmo nunca aplicou esse índice aos servidores.
Empresas cobram a mais pela energia desde 2002
Uma das regras práticas do relacionamento entre cidadãos e Estado diz que a máquina burocrática é ágil para receber do contribuinte, mas lenta para pagar. Há dois anos, o governo descobriu que um erro no método de cálculo das tarifas faz com que os consumidores brasileiros paguem mais caro do que deveriam pela energia elétrica desde 2002. De acordo com o Tribunal de Contas da União, o prejuízo para os consumidores equivale a R$ 1 bilhão por ano. Especialistas afirmam que as distribuidoras podem ter cobrado até R$ 10 bilhões a mais nas contas de luz. Mas nenhuma medida prática foi tomada até agora para reparar o problema.
Na semana passada, as grandes distribuidoras de energia falaram pela primeira vez na possibilidade de devolver o dinheiro cobrado a mais. Em depoimentos na CPI das Tarifas de Energia Elétrica, representantes das empresas afirmaram que podem discutir o assunto com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para eliminar a distorção das contas nos próximos meses. “Vamos verificar o que houve de 2002 para cá”, disse Djalma Morais, diretor-presidente das Centrais Elétricas de Minas Gerais (Cemig). “As empresas vão somar esse passivo e ver o formato que o órgão regulador e o ministério vão propor para a devolução ao consumidor.”
Há dois problemas a resolver. O primeiro, mais urgente e menos complicado, é retirar do método de cálculo o fator que provoca a cobrança superior ao valor devido todos os meses. A partir daí, os consumidores pagariam o preço correto. O segundo, mais complicado, é devolver o dinheiro cobrado a mais. Órgãos de defesa do consumidor afirmam que as empresas devem compensar os consumidores com reajustes menores na tarifa de energia no futuro. “Algo assim aconteceu no final dos anos 90, quando rodovias pedagiadas cobraram impostos indevidos nas tarifas”, afirma Adalberto Vasconcelos, secretário de Fiscalização de Desestatização do Tribunal de Contas da União. “Depois, elas foram obrigadas a dar descontos aos usuários no valor do pedágio.”
ISTOÉ
A rebelião dos ministros do TCU
O Tribunal de Contas da União (TCU) está em clima de revolta. Para contra-atacar a pressão que vêm sofrendo do Palácio do Planalto, muitos ministros estão carregando nas tintas quando o objeto do parecer é uma obra do governo. Apenas este ano, os ministros identificaram problemas em 41 obras federais, sendo 30 do PAC. O motivo da rebelião é que o governo escalou o ministro Walton Alencar Rodrigues, do próprio TCU, para tentar resolver seus impasses com o tribunal. Desde o ano passado, Rodrigues tenta evitar pedidos de paralisação de obras, de olho na campanha eleitoral de 2010. No entanto, em vez de destravar as obras, ministros, inconformados com o que chamam de “interferência acintosa”, decidem o contrário.
“Não aceitamos essa ingerência, principalmente da maneira como ela tem sido feita”, reclamou um dos membros da corte. Um dos problemas é o estilo pouco diplomático de Rodrigues. “Deixa comigo que eu mato no peito”, costuma repetir o ministro, que é bem relacionado com a titular da Casa Civil, Dilma Rousseff. Pela tarefa que executa, Rodrigues espera que o governo atenda a seus pleitos. Um deles é a nomeação de sua mulher, Maria Isabel Gallotti Rodrigues, desembargadora do TRF da 1a Região, para o Superior Tribunal de Justiça.
Conforme apurou ISTOÉ, em mais de uma sessão de votações Rodrigues circulou pelo plenário do TCU com uma lista, em planilha excel, de obras consideradas prioritárias pelo governo, perguntando aos respectivos relatores como eles pretendiam votar e o que poderia ser feito para resolver as pendências. Um dos casos mais rumorosos envolveu as obras do metrô de Salvador, um projeto do PAC. Na tentativa de remover os entraves do TCU à obra, Rodrigues promoveu um jantar em sua residência que reuniu todos os colegas do tribunal e o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, um dos entusiastas do empreendimento. O encontro constrangeu e irritou o auditor responsável pela fiscalização do metrô, Augusto Sherman.
Cadê a direita?
Nos dias tumultuados da Revolução Francesa, os políticos comprometidos com a justiça social e com a voz das ruas sentavam-se à esquerda da Assembleia. Aqueles que defendiam os direitos das elites e as prerrogativas do antigo regime ocupavam os assentos à direita. De lá para cá, esquerda e direita tornaram-se a definição clássica das principais correntes do pensamento político. Mas, no Brasil atual, uma dessas vertentes simplesmente deixou de existir ou, pelo menos, não se faz representar. Não é por acaso que o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem repetido com frequência que “em 2010, pela primeira vez, não vamos ter um candidato de direita na campanha”. E comemora o fato:
“Isso é fantástico. Era inimaginável até outro dia que chegássemos a esse momento no Brasil.” Nem todo mundo, porém, se mostra surpreso com o sumiço da direita. Inimigo número 1 da esquerda no País por muitas décadas, o exgovernador de São Paulo Paulo Maluf (PP) acredita que os tempos mudaram e já não existem direita e esquerda no mundo. Com a irreverência de sempre, Maluf faz ironia com a origem histórica das palavras: “Atualmente, só falo à gauche e à droite quando pego um táxi em Paris.”
Em parte, Maluf tem razão. Depois do fim da Guerra Fria e da queda do Muro de Berlim em 1989, a dicotomia ideológica, de fato, perdeu nitidez. “No Brasil, não foi diferente. O espectro ideológico se concentrou numa posição de centro-esquerda”, explica o cientista político Antonio Lavareda. “Com a economia mais forte, a maioria da população assumiu uma posição mais à esquerda, a favor de maior intervenção do Estado.
Mas, nos valores morais, a maioria ainda é conservadora, pouco tolerante.” Esse é o mercado eleitoral com o qual os políticos têm que lidar. E por isso, diz Lavareda, no período pós-democratização a classe política brasileira foi se afastando do campo da direita. Ficaram para trás os embates acalorados entre marxistas e antimarxistas. Carlos Lacerda, por exemplo, dizia que não era de direita, mas assumia que era opositor feroz do comunismo. Teve seguidores fiéis, como o jornalista Amaral Neto, defensor da ditadura militar e do Brasil Grande. Depois da abertura política, com a volta dos civis ao poder, a direita ganhou novos nomes, como Antônio Carlos Magalhães e Paulo Maluf, e principalmente Fernando Collor de Mello, que, eleito na primeira eleição direta, impôs o receituário liberal, mas decepcionou o País e renunciou para escapar do impeachment.
A jogada de sereno
Enquanto em Brasília o PT e o PMDB fazem juras de amor e tentam acertar a aliança em torno da candidatura da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, à Presidência da República, o relacionamento entre os dois partidos no Rio de Janeiro assume contornos beligerantes. A guerra aberta entre PT e PMDB no Rio envolve uma das mais tradicionais empresas do Estado, a cinquentenária refinaria de Manguinhos. Ex-estatal, privatizada no governo Fernando Henrique Cardoso, Manguinhos agora está nas mãos do ex-secretário Nacional de Comunicação do PT Marcelo Sereno, um dos citados pelo deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) no escândalo do Mensalão e nas denúncias que derrubaram da Casa Civil Waldomiro Diniz, braço direito do então ministro José Dirceu.
Além de ser o presidente da Grandiflorum, holding controladora de Manguinhos, com salário de R$ 10 mil mensais, Sereno aparece no banco de dados da Serasa como sócio do empresário João Manuel Magro na empresa que assumiu o controle da refinaria numa polêmica operação que envolveu a transferência das participações da petroleira espanhola Repsol e da família Peixoto de Castro para o grupo Andrade Magro, de São Paulo.
Conforme apurou ISTOÉ, Sereno foi nomeado presidente da Grandiflorum em 28 de novembro de 2008, 18 dias antes de a refinaria Manguinhos ser adquirida. Sereno tenta diminuir sua importância na empresa. Alega que é “apenas” presidente. Atribui a um erro do Serasa o fato de figurar como sócio do grupo. Equívoco ou não, o governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), está preocupado com o poder exercido por Sereno em Manguinhos. Enxerga uma grande jogada do PT, comandada por Dirceu, para fortalecer a candidatura ao governo do prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias. Isso criaria obstáculos para as pretensões do PMDB de reeleger o governador. Mas Cabral reagiu. Mandou a Secretaria da Fazenda promover uma operação de recadastramento de empresas que operam no ramo de distribuição de combustíveis. Também acusou Manguinhos de utilizar em 2002 o regime especial tributário para gerar uma perda de R$ 600 milhões nos cofres do Rio. E entrou com ação na Justiça contra a refinaria. Cabral pode ir além.
Está ao alcance do PMDB uma fita, hoje em poder de um empresário do mercado financeiro, que comprovaria o envolvimento de Sereno no Mensalão. A gravação jogaria uma pá de cal na candidatura do petista à Câmara dos Deputados em 2010.
Portas fechadas
Abatida por denúncias sobre o desvio de R$ 500 mil em recursos da Lei Rouanet, a Fundação José Sarney, destinada a preservar a memória da passagem do político maranhense pelo Palácio do Planalto, está prestes a fechar suas portas. Diante do escândalo, empresas que ajudavam a manter a entidade, que ocupa o histórico Convento das Mercês, em São Luís (MA), cortaram o patrocínio, obrigando Sarney a sustentar a entidade do próprio bolso. A fundação custa em média R$ 50 mil por mês, entre despesas com pessoal, luz, água e telefone. Quando há exposições e outros eventos, a conta sobe para R$ 70 mil. Sem o apoio de terceiros, o ex-presidente resolveu extinguir a fundação. Em nota oficial, o presidente do Senado explicou que tomou a decisão “com profundo sofrimento”.
Desde sua criação em 1990, a Fundação Sarney não parou de gerar polêmica. A primeira crise teve origem na escolha da sede. Erguido no século XVII pela Real Sagrada e Militar Ordem dos Mercedários, o Convento das Mercês, em cujo pátio foi construído um mausoléu para Sarney, é um belíssimo exemplar da arquitetura religiosa, Tornou-se propriedade da fundação por ato do então governador João Alberto.
A oposição, porém, nunca engoliu a transferência do patrimônio público. Há alguns meses, a Justiça determinou a devolução do prédio ao Estado.
No escândalo mais recente, a fundação é acusada de desviar para empresas fantasmas quase a metade do R$ 1,3 milhão que recebeu da Petrobras para a digitalização do acervo. Pelo estatuto, ela deveria funcionar como as bibliotecas presidenciais americanas, mas mostrou-se mecanismo de metas rasteiras. “A Fundação Sarney está coberta de suspeitas. A ideia da fundação é boa, mas os métodos e os meios não são os mais aconselháveis”, afirmou Arthur Virgílio, líder do PSDB no Senado.
Sarney, no entanto, pode estar blefando. O fechamento da fundação é prerrogativa do conselho curador, presidido pelo advogado José Carlos Souza Silva. Em entrevista à ISTOÉ, Silva disse que é prematuro falar em extinção. “Para onde vai esse acervo com mais de 200 mil documentos, 4.500 obras de arte e 37 mil livros?”, pergunta. Segundo ele, se a entidade for fechada, terá de arcar com os custos trabalhistas de seus 27 funcionários. “Não é um pequeno valor. Antes das demissões, pode haver outra solução”, afirma Silva, que não revela o nome dos principais doadores da fundação. A solução, na verdade, já está em andamento.
Na Assembleia Legislativa, os deputados ligados à governadora Roseana Sarney pretendem apresentar um projeto que torna o Estado responsável pelo acervo. Para os adversários do clã Sarney, esse é o objetivo do presidente do Senado. “Sarney conta com uma mãozinha do presidente Lula, que também poderia pedir ajuda a empresários para tirar a fundação do sufoco”, ataca o ex-presidente do STJ Edson Vidigal.
As dores do ministro
Pelo tradicional sistema de rodízio do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), caberá ao ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal (STF), ocupar a presidência do órgão a partir de abril e, assim, comandar o processo eleitoral em 2010. Mas, para quem vê a dificuldade com que Barbosa anda pelos longos corredores do Supremo, é quase impossível acreditar que ele terá condições de acumular tarefas nos dois tribunais. Na sexta-feira 23, durante a festa da posse do jovem colega José Antonio Dias Toffoli, Barbosa, acompanhado de sua irmã Efigênia, chegou ao salão às margens do Lago Paranoá andando devagar e pisando levemente no chão.
O ministro é vítima de sacroileíte, uma inflamação na base da coluna, entre os ossos sacro e ilíaco. Duas licenças na vice-presidência do TSE neste ano, cada uma de 90 dias, não foram suficientes para abrandar a dor. Até 15 de novembro, o ministro anuncia uma importante escolha de sua vida. Ele poderá abrir mão da presidência do TSE, permanecendo somente no STF. “Pode ser que eu abandone o TSE”, disse o ministro à ISTOÉ. “Acho pesado atuar nos dois tribunais. Meu problema é sério e uma jornada dupla só o faz piorar.”
Barbosa iniciou novo tratamento, em Fortaleza, na semana passada, em mais uma tentativa de atenuar as dores. Quando senta, seu sofrimento aumenta, porque o peso do corpo fica concentrado na região inflamada. Por onde anda, Barbosa carrega uma pequena boia, sobre a qual se senta na cadeira. Ele também passou a usar sapatos com solado de borracha macia. Mas nada disso adiantou. O ministro admite que já não consegue suportar as dores, que começaram há quase três anos e ficam cada vez mais intensas. Confidenciou a vários colegas que, agora, também sente dores quando está de pé, o que não ocorreu, por exemplo, quando leu o longo relatório da denúncia do mensalão, há dois anos:
“Eu já estaria curado se não fosse ministro do STF. O serviço é muito pesado. Para me curar, seria preciso muito repouso”, explica Barbosa. Com 55 anos e 85 quilos, Barbosa está se sentindo pesado, mas não pode fazer exercícios físicos. Se, de fato, deixar o TSE, o ministro Ricardo Lewandowski assumirá a presidência e cuidará da sucessão de 2010.
O príncipe do PAC
Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Sil va foi ao Rio de Janeiro, em maio, para entregar 56 unidades habitacionais a moradores do morro do Alemão, na zona norte da cidade, um jovem perfumado garantiu à comitiva presidencial que até setembro de 2010 entregaria todas as obras prometidas pelo governo na comunidade: mais de mil apartamentos e um teleférico. O autor da promessa é Fernando Cavendish Soares, dono da Delta Construções, que toca as obras do Alemão, no valor de R$ 623 milhões.
A data que ele escolheu para entregar os apartamentos é estratégica: um mês antes das eleições. Em retribuição, o empresário ganhou um lugar na foto oficial, logo atrás do prefeito do Rio, Eduardo Paes. Cavendish é hoje o homem que mais recebe dinheiro da União em contratos de obras civis. Deixa para trás na lista de fornecedores do governo gigantes da engenharia como a Camargo Corrêa, Odebrecht e Queiroz Galvão. Só este ano, a Delta vai receber cerca de R$ 500 milhões da União, 14 vezes o que ganhou em 2003, primeiro ano do governo do PT.
Cavendish começou a destacar-se na contabilidade do governo do PT em 2004, ano em que sua empresa cresceu 119%. Os valores vêm aumentando em progressão geométrica. Em menos de cinco anos, a Delta já faturou R$ 1,5 bilhão do governo. Só em obras do PAC são 85. Um dos primeiros filões explorados pela Delta nesta fase de lua de mel permanente com o governo foi a “Operação Tapa-Buracos”, que, pela urgência, não seguiu os tradicionais critérios de licitação pública. A partir daí, a empresa não para de crescer. O economista Gil Castelo Branco, da ONG Contas Abertas, se diz impressionado com o crescimento da construtora de Cavendish. “Muitos casos de ascensão meteórica são fruto de competência ou de bom relacionamento suprapartidário”, diz Castelo Branco.
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