Veja
Ordem na casa do Lago Sul
O comando da campanha do PT à Presidência teve de intervir pesado para evitar que companheiros afoitos reeditassem o escândalo dos “aloprados” de 2006
“Campanha é lama, irmão!” Este era o bordão usado por um operador de terceiro escalão do PT de São Paulo quando seu chefe-candidato perguntava se ele e a turma não estariam indo longe demais nas atividades de coleta de evidências potencialmente desastrosas para os adversários.
O candidato foi aceitando a justificativa até que a lama estourou mesmo foi no colo dele. O PT nacional agiu de forma bem mais rígida com os companheiros sinceros mas radicais que estavam tentando montar em Brasília um esquema de espionagem de adversários e até de correligionários rivais baseados na ideia de que campanha é lama.
Os companheiros mais afoitos foram ao mercado em busca das competências necessárias à execução das missões planejadas.
Profissionais para esse tipo de trabalho abundam em Brasília, e eles foram contatados. São policiais, ex-agentes dos serviços de espionagem do governo e detetives particulares especializados em obter provas de adultério ou fazer varreduras ambientais e telefônicas para afastar a possibilidade de grampos.
A turma começava a exercitar os músculos e testar suas rotinas subterrâneas quando o pessoal do andar de cima soube do que se passava naquela casa do Lago Sul protegida por muros altos e vigiada por seguranças.
Desceu sobre eles então uma rajada de bom senso vinda do comando da campanha mandando parar com toda atividade de inteligência que se valesse de métodos ilegais. Houve gritos de “é para parar com isso já” e ameaças de demissão dos envolvidos nos planos.
“Já tivemos problemas demais com esse tipo de coisa no passado, deixando que fosse muito longe. A ordem agora foi cortar tudo pela raiz de uma vez por todas”, diz um dos mais próximos colaboradores de Dilma Rousseff, candidata do PT, de quem partiu a ordem irada para alagar os porões que, de outra forma, iniciariam suas operações.
Dilma deixou claro a outro colaborador próximo sua posição sobre a questão: “Não é para fazer nada disso. Se fizer, demito. Mesmo assim, se aparecer sobre minha mesa, jogo no lixo sem ler”.
Bill Clinton, ex-presidente dos Estados Unidos, dizia com amargura que algumas vezes ele se sentia de pés e mãos amarrados no exercício do cargo, como se desse ordens em um cemitério: “Ninguém embaixo ouve”.
Se na Presidência é assim, o que não seria em uma campanha presidencial?
Em outras palavras, será que a estrutura montada na casa de Brasília, alugada por 18 000 reais, onde trabalham dezenas de pessoas, deu marcha a ré na linha de montagem de ilegalidades e passou a funcionar apenas como o braço de comunicação e internet da campanha? Ninguém pode responder com toda a certeza.
O que se sabe é que a linha justa foi dada por Dilma Rousseff – e é sobejamente conhecida sua disposição, demonstrada no cargo de ministra, de garantir que abaixo dela as pessoas não se finjam de mortas para descumprir ordens.
A casa do Lago Sul não deve assombrar mais durante a campanha se depender da atividade e – diga-se – competência da turma dos porões contatada pelos companheiros mais afoitos. Antes que viesse a ordem de cima para interromper as ações bem e mal-intencionadas, porém, foi uma festa de trapalhadas.
Os espiões foram a campo bisbilhotar a vida de adversários políticos e até de petistas. Rui Falcão, vice-presidente do PT e deputado estadual paulista, entrou no radar da arapongagem amiga. Ele ficou sabendo e deu um espalho geral na turma da casa do Lago Sul. Falcão foi informado de que não se tratava de espionagem, mas de contraespionagem – ou seja, ele estava sendo investigado para seu próprio bem. Falcão não se convenceu.
Até os telefones do coordenador da campanha, Fernando Pimentel, ex-prefeito de Belo Horizonte, podem ter sido grampeados. Não se sabe bem se por espiões da casa ou do lado adversário. Pimentel não deu ao episódio muita importância.
Diz ele: “Eu trabalho sempre com a hipótese de que todos os meus telefones estão grampeados. Isso não me preocupa, pois, como dizia o doutor Tancredo Neves, ‘telefone é para marcar reunião no lugar errado e não comparecer’”.
Os repórteres de VEJA procuraram quem parece ser o responsável pela casa do Lago Sul. Ele se chama Luiz Lanzetta e é dono da Lanza Comunicação, uma das empresas contratadas pelo PT para coordenar a área de produção dos programas de Dilma Rousseff.
Lanzetta nega as intenções, mas não nega que recrutou gente da pesada com experiência em espionagem – ex-agentes dos serviços de inteligência, um delegado aposentado da Polícia Federal e até um ex-jornalista que teria conhecidos dotes investigativos.
O grupo se reuniu pela primeira vez na área reservada de um tradicional restaurante de Brasília, ocasião em que se discutiram finanças e a maneira como seria feito o trabalho. Os pagamentos variavam de 15 000 a 30 000 reais por mês e seriam feitos em dinheiro vivo.
Todos receberiam verba extra para custear as despesas operacionais. Do encontro saiu uma lista de “alvos”, da qual constavam o ex-governador José Serra, candidato tucano à Presidência, e o deputado Marcelo Itagiba (PMDB), identificado pelos presentes à reunião como o “espião-chefe” da candidatura tucana.
Eles não deixam a floresta em paz
Pobres florestas de Mato Grosso. Os cupins da corrupção não lhes dão trégua. A última operação da Polícia Federal na região culminou com mandados de prisão de 91 quadrilheiros acusados de derrubar ilegalmente o equivalente a 1,5 milhão de metros cúbicos de madeira desde 2008. São ipês, jatobás, angelins e itaúbas em quantidade suficiente para lotar 50.000 caminhões.
Como já vem se tornando uma triste tradição no estado, entre os principais acusados de liderar o assalto à mata figuram indivíduos pagos para fiscalizá-la. Entre os presos no último dia 21 – todos já soltos por ordem do Tribunal Regional Federal – estavam funcionários do alto escalão da Secretaria do Meio Ambiente do Estado (Sema).
A operação, batizada de Jurupari, prendeu ainda engenheiros florestais, fazendeiros, donos de madeireiras, o chefe de gabinete do governador do estado (Silval Barbosa, do PMDB) e a mulher do presidente da Assembleia Legislativa.
Em 2005, a Operação Curupira – como a Jurupari, executada pela PF em parceria com o Ministério Público Federal (MPF) – deparou com quadro semelhante. As investigações apontaram que no comando do roubo da floresta estava ninguém menos do que o número 1 do Ibama em Mato Grosso, Hugo Werle.
Então membro do conselho fiscal do PT no estado, Werle havia sido o arrecadador extraoficial de fundos de campanha do partido nas eleições municipais de Cuiabá, em 2004. Ele foi absolvido em primeira instância, mas o MPF recorreu da decisão e o processo continua tramitando no TRF.
Na ocasião, outros funcionários do Ibama, incluindo dois gerentes regionais, também foram acusados de envolvimento com a quadrilha. A situação fez com que o instituto perdesse o controle fiscalizatório da extração de madeira no estado, responsabilidade que passou para a Sema, criada em 2006 para esse fim. A corrupção, longe de acabar, só mudou de endereço.
A Operação Jurupari identificou três tipos de fraude. O primeiro envolvia laudos falsos encomendados a engenheiros florestais por comerciantes interessados em extrair madeira de determinada propriedade.
Contando com a cumplicidade e a falta de fiscalização da Sema, os engenheiros adulteravam os dados de forma a autorizar o corte de uma quantidade maior de árvores do que a que seria permitida por lei. A autorização vem na forma de “créditos florestais”, documentos que indicam o volume e a espécie de madeira que podem ser extraídos daquela propriedade.
O segundo tipo de fraude era uma continuação da primeira. Consistia no comércio dos tais créditos florestais que – indevidamente alterados por funcionários da Sema – eram vendidos a donos de fazendas que não tinham o direito de explorar madeira nas suas propriedades.
Ou pelo fato de elas estarem em áreas de preservação ambiental ou por estarem próximas a reservas indígenas, como era o caso da fazenda em nome de Janete Riva, mulher do presidente da Assembleia Legislativa de Mato Grosso, o deputado José Riva (PP).
Janete foi presa sob a acusação de ter causado um prejuízo ambiental de 38 milhões de reais por meio da venda de créditos florestais adulterados.
Istoé
Aécio diz não
O sonho do PSDB acabou. Apesar da forte pressão dos caciques da oposição que o consideram o antídoto ideal contra o avanço de Dilma Rousseff nas pesquisas de opinião, o ex-governador de Minas Gerais Aécio Neves jogou uma pá de cal na possibilidade de sair candidato a vice na chapa de José Serra.
Na quinta-feira 27, um dia após voltar de uma longa temporada de férias na Europa, Aécio encerrou o assunto que dominou as rodas de conversa do Congresso nas últimas duas semanas: “Estou absolutamente convencido de que a melhor forma para ajudar a dar a vitória ao governador Anastasia e ao companheiro e amigo governador José Serra é estando em Minas Gerais como candidato ao Senado”, decretou o político mineiro, depois de um almoço no Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte, com o governador Antonio Anastasia (PSDB) e o ex-presidente Itamar Franco (PPS).
A decisão de Aécio acontece num momento dramático para a campanha do PSDB. Com Serra despencando nas intenções de voto e Dilma em franca evolução, o candidato tucano deu sinais de desorientação nos últimos dias.
Cancelou compromissos previamente agendados, como a viagem ao Rio Grande do Sul, que foi desmarcada em cima da hora, na quarta-feira 26, em razão de um recuo do PMDB local.
Também foi alvo de queixas internas de integrantes do partido, que deixaram vazar para a imprensa dúvidas sobre a estratégia do candidato de se apresentar como pós-Lula.
Tanto assim que, em encontro na CNI e em entrevistas na semana passada, Serra resolveu subir o tom das críticas ao atual governo. Na verdade, a guinada nos rumos da campanha foi decidida em reunião da cúpula do PSDB na segunda-feira 24. “Teremos uma eleição sangrenta”, advertiu o ex-senador do DEM Jorge Bornhausen.
Mas, ao passar de um polo a outro, o candidato do PSDB à Presidência exagerou. Na sexta-feira 21, Serra denunciou a existência de “patrimonialismo selvagem” e “bolchevismo sem utopia” no governo federal.
Quatro dias depois, na CNI, reclamou do formato do evento, que não permitia o debate entre os candidatos, e ironizou o pronunciamento de Dilma, dizendo não ter entendido as opiniões da petista sobre a reforma tributária e a macroeconomia.
Para piorar, Serra atacou o governo da Bolívia, de Evo Morales. Disse que o país vizinho faria “corpo mole” e seria “cúmplice” no tráfico de drogas para o Brasil. Sua falta de sensibilidade chegou a chocar. “Foi uma gafe diplomática e uma grosseria contra um país vizinho e membro do Mercosul”, disse o líder do PT na Câmara, Fernando Ferro (PE).
Para agravar o quadro, os tucanos não têm nas mãos o nome de um vice que seja capaz de alavancar a candidatura Serra. “O que poderia ser uma solução agora começa a ser um problema”, admitiu o presidente do PPS e aliado de Serra, Roberto Freire.
Entre os partidos de oposição e até da base do governo, no caso o PP, existem pelo menos oito opções para a dobradinha com Serra: os senadores Tasso Jereissati (PSDB-CE), Francisco Dornelles (PP-RJ), Kátia Abreu (DEM-TO), Marisa Serrano (PSDB-MS) e Sérgio Guerra (PSDB-PE), além do deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA) e o ex-presidente Itamar Franco . Mas os próprios tucanos admitem, reservadamente, que nenhum deles provocaria impacto como Aécio Neves.
Sobrou para o delator
Após denunciar na CPI dos Grampos o uso informal da estrutura da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na Operação Satiagraha, da Polícia Federal (PF), o oficial de inteligência Nery Kluwe foi demitido do órgão.
Ele prestou depoimento na Câmara dos Deputados em novembro de 2008 e, desde então, virou alvo de 12 investigações internas da Abin com o propósito de expulsá-lo. Coube ao próprio comandante do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Jorge Félix, que negou a participação informal da Abin na operação da PF, assinar a demissão de Kluwe, em abril.
“Estou vivendo com a ajuda da família e de alguns amigos”, diz Kluwe. “Se necessário, vou enviar pedido de reconsideração da demissão até para o presidente Lula.”
Pelo menos nove processos de investigação contra Kluwe foram iniciados após a ida dele à Câmara. Em seu depoimento aos parlamentares, Kluwe desmentiu o governo ao dizer que agentes de inteligência da Abin participaram da Satiagraha.
Inicialmente, a Abin tentou demitir Kluwe, alegando que ele faltava ao trabalho. Num relatório interno, a agência apontou a inexistência de registro de acesso de Kluwe à rede interna de computadores do órgão por 64 dias, o que evidenciaria, em tese, abandono do cargo.
Mas outro relatório confidencial ao qual ISTOÉ teve acesso, da Segurança Corporativa da Abin, mostrou que Kluwe tinha autorização para dedicar-se à associação dos funcionários do órgão.
Sem elementos para exonerar Kluwe por ausência no serviço, a Abin passou a investigá-lo pela suposta prática de advocacia administrativa. O processo interno resultou em indiciamento. Kluwe, que é formado em direito, realmente defendeu algumas pessoas na Justiça.
“Soltei um garçom da Abin que atropelou uma mulher e tirei alguns filhos de servidores da cadeia”, diz. A questão é que, em junho de 2009, a Abin voltou atrás. A própria comissão destinada a investigar o caso retirou o indiciamento por advocacia administrativa.
Segundo a comissão, “faltou o principal elemento dessa transgressão, qual seja, que o servidor tenha se valido da condição de servidor público para atuar junto a repartições públicas”, concluiu.
A perseguição contra o oficial, porém, não acabava ali. O general Jorge Félix, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, ao qual a Abin está subordinada, mandou reabrir as investigações e demitiu Kluwe, em abril deste ano, por atuar “como procurador intermediário junto a repartições públicas”.
O oficial pediu reconsideração de sua exoneração. Procurado por ISTOÉ, o general Félix diz que o pedido de Kluwe “está em análise”. O caso deve parar no Superior Tribunal de Justiça.