Época
Agnelo na mira
Orlando Silva perdeu o cargo de ministro do Esporte, na semana passada, abalado por denúncias de desvio de dinheiro. Seu substituto, Aldo Rebelo, também do PCdoB, recebeu do Palácio do Planalto a missão de moralizar a pasta. Para a Justiça, no entanto, a questão é outra. Nos próximos dias, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) receberá um processo com nove volumes e quatro apensos, que corre na 10ª Vara Federal, em Brasília. As informações, a que ÉPOCA teve acesso, mostram que o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT), antecessor de Silva, é suspeito de ter se beneficiado das fraudes.
O conjunto contém gravações, dados fiscais e bancários, perícias contábeis e relatórios de investigação. As peças da ação penal vistas por ÉPOCA incluem o relatório nº 45/2010, que contém os diálogos captados em interceptações telefônicas, com autorização judicial, feitas entre 25 de fevereiro e 11 de março do ano passado. As conversas mostram uma frenética movimentação de Agnelo Queiroz e do policial militar João Dias para se defender em um processo. Diretor de duas ONGs, Dias obteve R$ 2,9 milhões do programa Segundo Tempo para ministrar atividades esportivas a alunos de escolas públicas. Nas conversas, Dias quer ajuda para acobertar desvios de conduta e de dinheiro público. Ele busca documentos e notas fiscais para compor sua defesa em uma ação cível pública movida pelo Ministério Público Federal. O MPF cobra de Dias a devolução aos cofres públicos de R$ 3,2 milhões, em valores atualizados, desviados do Ministério do Esporte.
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Pressionado pelo Ministério Público, Dias foi à luta para amealhar elementos capazes de justificar tamanho disparate. Às 12h36 do dia 4 de março de 2010, ele telefonou para Agnelo Queiroz, então diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Dias pediu a Agnelo para “dar um toque” em Lima e reforçar seu pedido de ajuda ao professor. Dias queria que Lima fornecesse documentos para sua defesa. Na gravação, ele avisa que vai marcar um encontro entre Agnelo e Lima, para que esse pedido seja feito pessoalmente. Menos de uma hora depois, Dias, que estava num restaurante com Lima, telefonou novamente a Agnelo. Entregou o celular para Lima falar com ele. De acordo com a transcrição dos diálogos, feita por peritos do Instituto de Criminalística do Distrito Federal, Agnelo diz a Lima que precisa de sua ajuda. Afirma que vai combinar com João Dias para os três conversarem, porque Roldão (Lima) “é peça-chave neste projeto”.
As gravações telefônicas revelam também uma intimidade entre Agnelo Queiroz e João Dias, que os dois hoje insistem em esconder. A relação entre os dois envolveu a intensa participação do PM na campanha de Agnelo para o governo do Distrito Federal no ano passado. Eles afirmam que estiveram juntos apenas nas eleições de 2006, quando Agnelo concorreu ao Senado, e Dias a uma cadeira na Câmara Legislativa – ambos pelo PCdoB.
O governador e ex-ministro Agnelo Queiroz respondeu por escrito a 13 perguntas feitas por ÉPOCA. Ele afirma que o inquérito da Polícia Civil é montado. “O inquérito foi uma tentativa de produção de um dossiê para inviabilizar a (minha) candidatura”, diz Agnelo. “A origem do inquérito infelizmente foi direcionada por uma parte da Polícia Civil, ainda contaminada pelas forças políticas do passado. Uma farsa.” Agnelo diz que ele e João Dias eram “militantes da mesma agremiação partidária, ambiente em que surge o conhecimento” e que é “fantasiosa” a afirmação de que acolheu “indicação de João Dias para cargos no governo”.
Istoé
O esquema de Agnelo
Na semana passada, ISTOÉ obteve com exclusividade o inteiro teor de um explosivo depoimento gravado em vídeo por Geraldo Nascimento de Andrade, testemunha-chave das denúncias sobre o esquema de desvio de verbas com ONGS do programa Segundo Tempo, do Ministério do Esporte. Como motorista, arrecadador e até como laranja para empresas fantasmas, Andrade serviu por mais de quatro anos a essa rede de corrupção.
A gravação deixa evidente que a teia de falcatruas que irrigou o caixa do PCdoB foi iniciada e bem azeitada pelo ex-ministro do Esporte e antecessor de Orlando Silva, Agnelo Queiroz, hoje governador do Distrito Federal. O depoimento de Andrade ajuda a demonstrar, com minúcias, como Agnelo organizou esse propinoduto para sugar dinheiro no Ministério do Esporte – operação que se manteve sob administração do PCdoB com Orlando Silva.
Ofícios internos do Ministério do Esporte e dados do processo sigiloso que corre na 10ª Vara Criminal da Justiça Federal em Brasília, obtidos por ISTOÉ, dão ainda mais substância à denúncia de Andrade e confirmam que o policial militar João Dias Ferreira tem motivos de sobra para poupar Agnelo das denúncias que acabaram derrubando Orlando Silva. Esses documentos atestam que a Federação Brasileira de Kung-Fu (Febrak), de João Dias, foi a primeira ONG do esquema a entrar no Ministério, ainda na gestão Agnelo, em 2005.
Uma análise mais detalhada do contrato com a Febrak, de João Dias, com o ministério dá um exemplo bastante preciso de como funcionou o conluio. A proposta do convênio de R$ 2,5 milhões para atender dez mil crianças, pelo Segundo Tempo, teve tramitação acelerada. Ganhou carimbo de “urgente” e, em apenas três dias, chegou à mesa de Rafael Barbosa. Em 12 de abril, ele assinou ato de autorização, atestando a “proficiência” da Febrak e dando prazo de dois dias para que a comissão constituída pelo ministro concluísse sua análise. O ato de Barbosa desconsiderou o despacho do coordenador técnico do Ministério, Marcos Roberto dos Santos. O analista, em 22 de março, registrou que vinha se manifestando “diversas vezes em reuniões e documentos à diretoria” sobre a necessidade de averiguação in loco das “atividades inerentes ao desenvolvimento do programa”. O próprio Orlando Silva, então secretário-executivo, alertou para a recomendação de “vistoria prévia das instalações”, antes que se assinasse o contrato.
No tempo em que trabalhou para o esquema, Geraldo Nascimento de Andrade pôde testemunhar a desenvoltura de outras empresas e ONGs de fachada. O procedimento era sempre o mesmo. “O cabeça dessa quadrilha era o Agnelo, porque ele liberava o dinheiro”, afirma a testemunha. Numa tentativa de tentar abafar o caso, Agnelo chegou a mover um processo, também obtido pela reportagem, contra o delegado da Polícia Civil Giancarlos Zuliani, responsável pela operação que prendeu João Dias e mais quatro pessoas envolvidas na corrupção do Ministério do Esporte. Sem prerrogativa para investigar o ex-ministro, o delegado concentrou-se nas atividades do PM e em seu círculo de relações. Obteve, com autorização judicial, a quebra do sigilo telefônico dessas pessoas e comprovou a ligação umbilical entre Agnelo e o policial militar. “João Dias é quase um filho para Agnelo”, confirma Andrade. Segundo ele, o PM e o ex-ministro lucraram juntos nas fraudes. “O ministro Agnelo ganhou bastante dinheiro. Dá para ver o roubo, tá na cara de todo mundo! Se o João Dias tem R$ 2 milhões em imóveis e tem duas academias, cada uma no valor de R$ 1 milhão, quanto é que o Agnelo não tem?”, ironiza.
Um caminho para punir a ditadura
urante décadas, os parentes de pessoas assassinadas nos porões da ditadura militar alimentaram a esperança de desvendar o destino de seus familiares. Com a criação da Comissão da Verdade pelo Senado na quarta-feira 26, eles ganharam, enfim, a oportunidade de esclarecer o que de fato aconteceu nos anos de chumbo. Saberão em detalhes como funcionava a “máquina de matar” montada pela repressão. Os sete integrantes da Comissão terão poderes para levantar informações sobre mortes, torturas, desaparecimentos e ter acesso a documentos públicos e privados. Está prevista a convocação de militares, civis e ex-guerrilheiros. A Comissão, contudo, não terá poder jurisdicional. Ou seja, não vai punir os responsáveis identificados nos relatos, a exemplo do que ocorreu na África do Sul. Mas as Forças Armadas estão obrigadas a abrir seus arquivos, se é que ainda existem. “Esse projeto mostra o compromisso com a busca da verdade, particularmente naquele período triste da história”, afirma o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.
A guerra do Pará
No próximo dia 11 de dezembro, os eleitores paraenses irão às urnas para decidir se concordam em dividir o Estado em três. Caso a maioria do eleitorado vote pela divisão, o Pará, hoje com área de 1.247.689 quilômetros quadrados, ficará com 17% desse território, Carajás, ao sul do Estado, com 35%, e Tapajós, localizado a oeste, com 58%. Mas antes mesmo do resultado da consulta, a população já está convivendo com um racha ideológico, marcado pela troca de acusações entre separatistas e unionistas. Em Belém, as ruas estão repletas de bandeiras vermelhas e adesivos com frases contrárias à separação. Camelôs vendem camisetas e expõem faixas pregando a união. Até o governo estadual e a prefeitura resolveram entrar na briga com propagandas institucionais que fazem referência à força de um Estado unido. Enquanto isso, nas cidades do interior, a ideia da independência gera discursos apaixonados de quem aposta na melhoria dos serviços públicos. O material, nesse caso, em cores verde e amarela, simboliza o sonho da separação e dá o tom de quem luta pela criação dos novos Estados. Para acirrar ainda mais a disputa, a medição de forças dos lados antagônicos invadirá as telas de tevê a partir do próximo dia 11, data do início das campanhas nos veículos de comunicação.
Carta Capital
Questão de partido
A crise do PCdoB no Ministério do Esporte não termina com a substituição de Orlando Silva por Aldo Rebelo. O partido, que controla o ministério desde 2003, continuará alvo de investigações. As possíveis ilegalidades envolvendo organizações sociais e membros do partido, investigadas pelo Ministério Público Federal (MPF), Controladoria-Geral da União (CGU) e Tribunal de C ontas da União (TRU), pipocam por vários municípios. Mesmo após a substituição de Silva, vários integrantes da legenda terão de dar explicações sobre o uso suspeito do dinheiro público e do possível aparelhamento do partido por meio do Ministério do Esporte.
A cidade de Americana, no interior paulista, abrigará um dos principais focos das investigações. Administrado pelo PSDB, em aliança local com o PCdoB, o município foi um dos principais beneficiados pelos convênios do ministério. O MPF de Piracicaba mantém duas grandes investigações na cidade, focadas em possíveis fraudes e outras ilegalidades do Programa Segundo Tempo. Mas na quinta-feira 27 a situação se agravou. O MPF recebeu denúncias formais de possível envolvimento de políticos da legenda nos casos e em outras supostas ilegalidades. Há denúncias de que parte de pagamentos dos agentes do programa teria sido revertida para campanhas políticas do PCdoB.
As suspeitas são de que o principal operador dos desvios do Segundo Tempo na região seja o secretário da Habitação, Davi Ramos, dirigente do partido e amigo do ex-ministro Orlando Silva. Ramos foi o primeiro coordenador do projeto e uma espécie de interlocutor do programa em outros municípios. O Ministério Público Federal pretende ampliar localmente o foco dos inquéritos em andamento, mas começará a encaminhar relatórios da situação para a Procuradoria-Geral da União. A prefeitura de Americana e Ramos têm negado a existência de qualquer irregularidade. Procurados por CartaCapital, a assessoria de imprensa da Prefeitura e o secretário não se manifestaram até o fechamento desta edição, na noite da quinta 27.
Do Segundo Tempo estão sob investigação obras como as das praças de esportes Luiz Meneghel e Guilherme Assunpção. A primeira teria recebido repasses de 1 milhão de reais, com a última parcela depositada em 8 de agosto, e as obras existentes não justificariam o total gasto. A última teria recebido 2,4 milhões de reais, embora uma placa indique 2,8 milhões de reais. Mas quase não se vê nenhuma benfeitoria nos locais. O MPF vai pedir à Procuradoria-Geral que solicite uma auditoria específica das obras bancadas pelo Ministério do Esporte na cidade por causa das suspeitas de falta de execução e da grande quantidade de liberações financeiras.
CartaCapital teve acesso a um relatório da CGU feito para um dos inquéritos do Ministério Público Federal, em maio deste ano. As conclusões são impressionantes. A primeira denúncia foi apresentada em 2007, com base em suposta malversação de recursos públicos destinados à Federação Paulista de Xadrez (FPX) para atender 7 mil crianças e adolescentes da cidade, em 35 núcleos, por 1,491 milhão de reais. Mesmo sob suspeita, o contrato foi renovado e ampliado: 70 núcleos por 4,755 milhões de reais. Inicialmente, as suspeitas foram de direcionamento de verbas para políticos da cidade ligados ao PCdoB e seus aliados locais. Atualmente, o MPF busca os envolvidos nos dois inquéritos, que na realidade são separados pelos dois contratos, e suas possíveis atuações nos desvios de recursos. Os valores ainda estão sendo calculados.
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