Veja
Uma prova de fogo
Os fatos ocorridos na semana passada, no Rio de Janeiro, ilustram o tamanho e a complexidade do desafio de elevar a níveis satisfatórios a segurança na cidade que sediará os Jogos Olímpicos de 2016. A dimensão do problema é abismal. Das 1.020 favelas da cidade, 470 estão nas mãos de bandidos. Na cidade, são vendidas 20 toneladas de cocaína por ano, comércio que produz 300 milhões de reais e financia a corrida armamentista das quadrilhas que disputam territórios a bala. Diante dessa realidade – e de cenas assombrosas, como a de um corpo despejado em um carrinho de supermercado e de policiais queimados nos escombros do helicóptero derrubado –, a pergunta que se estampou na imprensa mundial foi: será possível para a cidade sediar a Olimpíada? A resposta existe. Sim, é possível.
A polícia carioca tem um histórico de conivência com a bandidagem que a faz a mais corrupta do Brasil. Para discutir o tema – se o Rio pode ou não sediar a Olimpíada de 2016, a revista coloca 15 pontos que é preciso enfrentar.
1- Quem cheira mata
O usuário de cocaína financia as armas e a munição que os traficantes usam para matar policiais, integrantes de grupos rivais e inocentes.
2- A cegueira do narcolirismo
Os traficantes são presença valorizada em certas rodas intelectuais, de celebridades e de jogadores de futebol. Isso facilita os negócios do tráfico e confere legitimidade social à atividade criminosa.
3-A tolerância com a “malandragem carioca”
O “jeitinho brasileiro”, a aceitação nacional à quebra de regras, se une, no Rio, ao culto da malandragem, que, ao contrário do que parece, não é inocente. Reforça a ilegalidade.
4- O estímulo populista à favelização
Os políticos se beneficiam da existência das favelas, convertidas em currais eleitorais. Elas abrigam 20% dos eleitores da cidade.
5- O medo de remover favelas
Os aglomerados de barracos, com suas vielas, são o terreno ideal para o esconderijo de bandidos. É hipocrisia tratar a remoção como desrespeito aos direitos dos moradores.
6- Fingir que os bandidos não mandam
Eles mandam. Indicam quem vai trabalhar no PAC e circulam livremente com seus fuzis próximo aos canteiros de obras do principal programa do governo federal. Decidem sobre a vida e a morte de milhares de inocentes.
7- Combater o crime com mais crime
O governo incentivou a criação de grupos formados por policiais, bombeiros e civis para se contrapor ao poder do tráfico. Deu o óbvio. Onde esses grupos venceram, viraram milícias e instalaram a lei do próprio terror.
8- Marginais são cabos eleitorais de políticos
Muitas associações de moradores funcionam como fachada para que criminosos apareçam como “líderes comunitários” e possam fazer abertamente campanha por seus candidatos. Na Câmara dos Vereadores e na Assembleia Legislativa existe uma “bancada da milícia”.
9- A corrupção torna a polícia mais inepta
A taxa de resolução de homicídios no Rio é de 4%. Em São Paulo é de 60%.
10- As comunidades servem de escudos humanos
Os bandidos usam a população civil sob seu domínio para dificultar a ação da polícia. Quando um morador morre e se noticia que foi vítima do confronto, o bandido vence a guerra da propaganda. Se não houvesse criminosos, não haveria confronto.
11- O governo federal está se lixando
Como o crime no Rio não afeta a popularidade do presidente, a questão não é prioritária. Dos 96 milhões de reais previstos para modernizar a polícia em 2009, somente 12 milhões de reais chegaram aos cofres do estado.
12- As favelas não produzem drogas nem armas
Nunca se fala ou se age decisivamente contra a estrutura profissional e internacional de fornecimento de cocaína e armas aos traficantes cariocas. Inexiste a fiscalização de estradas, portos e aeroportos.
13- Os portos brasileiros são uma peneira
Somente 1% dos contêineres que passam pelos portos é escaneado para a fiscalização do contrabando de armas e drogas. É uma omissão criminosa, pois 60% do tráfico de drogas se dá por via marítima.
14- Quem manda nas cadeias são os bandidos
As organizações criminosas comandam a operação na maioria dos presídios brasileiros. Elas cobram pedágio dos presos — pago lá fora pelos familiares à organização –, planejam e coordenam ações criminosas.
15- Os advogados são agentes do tráfico
Eles têm acesso constitucionalmente garantido aos presos que defendem nos tribunais. Muitos usam esse direito para esconder seu real papel nas quadrilhas: o de levar ordens de execução e planos de ataque.
Ditadores perpétuos
O mais novo aderente ao caudilhismo de esquerda é o nicaraguense Daniel Ortega. Ele está cumprindo à risca o manual de instalação de ditaduras de esquerda em países de instituições fracas. Na segunda-feira passada, um grupo de seis juízes da Corte Suprema acatou um recurso, apresentado pelo próprio presidente, exigindo a anulação do artigo 147 da Constituição, que proíbe a reeleição. Caso a decisão seja ratificada por nove dos dezesseis magistrados do tribunal, Ortega poderá concorrer nas eleições de 2011. Como ele nomeou oito desses juízes e ainda tem direito a indicar mais um, o golpe constitucional está praticamente pronto. Quando for consumado, o presidente da Nicarágua engrossará o time dessa nova modalidade de ditadura.
Daniel Ortega foi o líder da Revolução Sandinista, que derrubou a ditadura de Anastásio Somoza, em 1979, e teve uma passagem ruinosa pela Presidência do país. Meses antes de deixar o poder, em 1990, ele comandou a piñata, o saque de bens e propriedades promovido pelos sandinistas.
“Pra quebrar tudo é mais caro”
Poucos negócios no Brasil são tão lucrativos quanto montar um sindicato. Para começar, o sindicato tem monopólio local garantido por lei. A segunda característica desse ramo especialíssimo de negócio é o fato de que o dinheiro cai no caixa automaticamente, sem que seja preciso mexer uma palha. As contribuições, para filiados ou não, são compulsórias. Delas, dos impostos e da morte, ninguém escapa. Uma terceira faceta do negócio é ainda mais atraente. A lei garante a inviolabilidade de suas finanças. Isso significa que os sindicatos estão dispensados de prestar contas sobre como gastam o dinheiro arrecadado compulsoriamente.
Mas – e sempre tem um mas – um negócio desses, garantido e lucrativo, é muito disputado. Para evitarem que um sindicato “roube” o monopólio de filiação de outro, lideranças desenvolveram uma estratégia previsível quando se trabalha fora do alcance da lei. Estão contratando capangas armados para, na base do quebra-quebra e da pancadaria, impedir a realização de assembleias de fundação de sindicatos potencialmente concorrentes. Desarmado, cada um custa 130 reais; armado, sai por 180 reais – ou 250 reais caso seja policial.
Oo desfecho do embate ocorrido em 31 de julho, em Osasco, entre a CUT e a Nova Central não foi nada diplomático. A disputa para abocanhar as “contribuições” de trabalhadores do setor de bares e restaurantes envolveu 300 cavalheiros, muitos sopapos, coquetéis molotov e cadeiras voando pelos ares. “Estamos vivendo numa anarquia sindical. E a razão é que o movimento está sendo dirigido por interesses financeiros e pessoais”, diz Ricardo Patah, presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT).
Os “Judas” da caravana da ministra
No evangelho político do presidente Lula, se Judas Iscariotes, o apóstolo traidor, fosse brasileiro, Jesus Cristo teria de fazer com ele uma aliança tática para governar. A analogia é estranha, mas deriva de uma receita testada nos últimos anos pelo próprio presidente. Para garantir uma maioria folgada no Congresso, Lula lançou-se nos braços dos fariseus históricos da política brasileira. Dá-lhes cargos, verbas e visibilidade. Em troca, recebe apoio e proteção.
A ministra Dilma Rousseff, a candidata do governo à sucessão de Lula, já assimilou os ensinamentos do mestre. Nas últimas semanas, ela selou pactos de fidelidade com alguns partidos, entre os quais o PMDB de José Sarney, Renan Calheiros e Jader Barbalho, o PR do mensaleiro Valdemar Costa Neto e do deputado Edmar Moreira, o homem do castelo, e o PP de Paulo Maluf.
Há duas semanas, Dilma esteve em um jantar oferecido a ela pelo PR. Ciceroneada por Costa Neto, ela discursou e disse que o PR e o PT continuarão juntos. O encontro com as lideranças do PR ocorreu em uma casa de festas de Brasília chamada Oásis. Embora se tratasse de um evento político, previamente divulgado, não foram autorizadas imagens. Ao perceber que na lista de convidados havia, além de Costa Neto, o deputado Edmar Moreira, o dono do castelo, que recentemente foi investigado por quebra de decoro parlamentar, e o ex-governador do Rio Anthony Garotinho, não menos polêmico, a assessoria da ministra proibiu a entrada de jornalistas.
O mesmo cuidado foi tomado na última terça-feira, dessa vez em um jantar no Palácio da Alvorada que reuniu Lula, Dilma e as cúpulas do PT e do PMDB. No encontro, ficou definido que os peemedebistas indicarão o vice de Dilma, terão um dos coordenadores do programa de governo e o direito de usar a imagem de Lula em seus palanques estaduais. Nem os fotógrafos oficiais da Presidência registraram imagens da ceia – a primeira – a que estavam presentes José Sarney, Renan Calheiros e Romero Jucá, que dividiram com Lula e Dilma garrafas de vinho tinto e pratos de costela de tambaqui e de filé ao molho de cogumelos.
Época
O Rio em guerra
Depois de ter sido escolhido sede dos Jogos Olímpicos de 2016, o Rio de Janeiro viu desabar seu discurso de paz. A cidade do futuro, das oportunidades, da Copa do Mundo, aquela que sonha com a grande virada, virou manchete de guerra, no Brasil e no exterior. Pela primeira vez na história dos conflitos em favelas, traficantes derrubaram um helicóptero da PM: três policiais morreram carbonizados. Quase 40 pessoas foram mortas nas ruas. Ônibus foram queimados. Na mesma semana, a PM, ocupada em vingar seus heróis, viu a cara podre de policiais corruptos. Um capitão e um sargento foram flagrados por câmeras roubando um par de tênis e uma jaqueta vermelha, furtados por assaltantes. A vítima, o coordenador da ONG carioca AfroReggae, ainda agonizava dentro de um banco quando a patrulha passou. Os policiais liberaram os assaltantes e confiscaram o furto para uso próprio. As imagens da vergonha foram gravadas e exibidas.
No jogo dos sete erros que vieram à tona com o caos instalado na Zona Norte do Rio no fim de semana passado, estão:
– uma polícia mal equipada usando um helicóptero parcialmente blindado;
– a eterna divisão entre Polícia Civil e Polícia Militar;
– somente os oficiais vestiam fardas anti-chamas, porque não há verba para os praças – que morreram carbonizados;
– um setor de inteligência que não conseguiu convencer seus superiores de que a invasão era iminente;
– uma corporação tão ineficiente ou corrupta que fecha os olhos para a movimentação de 150 bandidos, que percorreram 17 quilômetros com fuzis pela cidade sem que nenhum policial fizesse uma abordagem;
– falta de controle nas fronteiras: armas de guerra, fuzis, metralhadoras antiaéreas entram no país com destino aos morros. Alguns têm alcance de 2 quilômetros (ver o infográfico da página 60);
– falta de integração entre forças estaduais e federais.
A madrugada do sábado dia 17 foi de terror. “Ficamos no chão do quarto. As crianças, assustadas, queriam sair de casa”, disse uma jovem, que pegou alguns pertences e foi dormir na casa de parentes, longe dali. Três jovens – Marcelo, Leonardo e Francisco – voltavam para casa depois de uma festa. Foram cercados por bandidos e executados a tiros em plena rua. A polícia interveio ainda de madrugada, e o tiroteio seguiu até as 10 horas da manhã. Os rapazes vinham de uma festa à fantasia, mas os tiros eram reais.
Um bandido acertou tiros no helicóptero Fênix, da Polícia Militar, e a aeronave, em chamas, fez um pouso forçado em uma favela vizinha. Dos seis policiais que estavam no helicóptero, dois morreram na hora e um terceiro morreu dias depois, no hospital. No início da semana, dezenas de favelas do Comando Vermelho foram ocupadas, na busca dos responsáveis pelos disparos que mataram três policiais. Nenhum dos principais acusados foi encontrado pela polícia. Até a quinta-feira, somadas a guerra entre traficantes e a operação policial, já eram quase 40 mortos.
Pedágio fora de hora
O governo resolveu agir para tentar segurar a valorização do real. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou na terça-feira passada que, a partir de agora, o dinheiro estrangeiro que chegar ao mercado financeiro do país terá de pagar 2% de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). O objetivo, diz ele, é desestimular os investimentos de curto prazo e tentar segurar a queda do dólar, cuja cotação, desde o final do ano passado, desceu de R$ 2,50 para a faixa de R$ 1,70 – o equivalente a 32%.
“Há excesso de aplicações de estrangeiros”, disse Mantega. “Queremos conter qualquer valorização excessiva de nossa moeda.” Em editorial, o jornal inglês Financial Times apoiou a medida: “Diferentemente da garota de Ipanema, o balançar do real não tem nenhuma graça. Esse amor pelo samba pode ser excessivo. Permitir que a taxa de câmbio vá às alturas é uma receita para o desastre”.
Nem todos concordaram com as medidas. O que mais incomodou os críticos foi a taxação não apenas das aplicações de renda fixa – algo que já acontecera no passado –, mas também dos investimentos em ações, inclusive nas operações de abertura de capital (ou IPO, de Initial Public Offering, em inglês). O pedágio sobre o investimento em ações foi criado num momento em que o país precisa atrair recursos gigantescos para renovar sua infraestrutura, explorar o petróleo do pré-sal e receber a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016. A Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros (BM&FBovespa) e mais cinco entidades financeiras emitiram comunicado criticando a medida. Elas temem que, com o novo tributo, os estrangeiros comprem papéis brasileiros na Bolsa de Nova York, onde empresas como Petrobras, Itaú e Bradesco também são cotadas. “O IOF traz risco altíssimo de perda de liquidez’’, diz Armínio Fraga, presidente do conselho de administração da BM&FBovespa e ex-presidente do Banco Central (BC).
Vale até Judas na aliança
Celebrado como o grande comunicador da política brasileira, na semana passada o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tropeçou num ruído de sua própria lavra. Convidado a explicar a estratégia de alianças da campanha presidencial de 2010, Lula exibiu uma postura despudorada. “Se Jesus Cristo viesse para cá, e Judas tivesse votação num partido qualquer, Jesus teria de chamar Judas para fazer coalizão”, disse Lula, em entrevista à Folha de S.Paulo. A afirmação chocou o país e provocou uma reação indignada das lideranças da Igreja Católica, onde o PT costuma arrebanhar uma imensa parcela de votos.
Alimentados de realismo político, seus aliados afirmam que ele não disse nada demais. Numa reação calculada para tentar colar o tropeço à imagem presidencial, o governador tucano José Serra rompeu o silêncio cauteloso que mantém sobre temas federais para dizer: “A entrevista mostra bem o que ele (Lula) é. De ponta a ponta, na forma e no conteúdo”. Secretário-geral da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, entidade que representa a cúpula da Igreja Católica, dom Dimas Lara Barbosa reagiu indignado: “Cristo não fez aliança com os fariseus. Pelo contrário, teve palavras duras para com eles”.
De olho no conteúdo que poderá ser exibido no horário político, há duas semanas Lula levou a própria Dilma, vários ministros e o paracandidato Ciro Gomes para três dias de visita às obras de transposição do Rio São Francisco. Na semana passada, os partidos de oposição entraram com um recurso no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), numa denúncia por campanha antecipada. A pena, em caso de condenação, é uma multa irrisória, de R$ 25 mil. Mesmo assim, as chances de sucesso são próximas de zero.
Além do compreensível esforço para atingir seus alvos, as energias da oposição deverão se voltar para dramas graves em suas próprias fileiras. No DEM, ocorre uma disputa entre o presidente do partido, Rodrigo Maia, e o ex-senador Jorge Bornhausen, uma das vozes mais respeitadas da legenda. Embora a posição de Serra nas pesquisas pudesse, teoricamente, fazer dele um candidato quase imbatível para enfrentar Dilma, a disputa interna do PSDB tem se mostrado mais complicada do que se imagina.
Pressionado por um eleitorado que, nos últimos anos, foi alimentado por um discurso de que em 2010 chegaria a “vez de Minas”, Aécio demonstra pouca disposição para abrir mão da candidatura. Também não perde a chance para aparecer em fotos ao lado de Lula e Dilma, uma forma de mostrar que, conforme forem conduzidas as negociações da campanha presidencial, seu apoio a Serra pode ser menos intenso que o necessário.
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