Época
O Clamor da lei
Precisamente às 14h38 do dia 18 de setembro de 2013, sob uma temperatura calculada em 30 graus célsius e com a umidade relativa do ar marcando 40% numa quarta-feira de céu branco em Brasília, iniciou-se, no plenário do Supremo Tribunal Federal, a lição de racionalidade que o decano da corte, o ministro Celso de Mello, concederia ao país das paixões inexatas. “Senhor presidente, o encerramento da sessão da última quinta-feira, independentemente da causa que o motivou, teve, para mim, senhor presidente, um efeito virtuoso”, disse ele, dirigindo o olhar ao senhor presidente, o ministro Joaquim Barbosa. Joaquim não lhe devolveu olhar, atenção ou um ai – nem naquele momento, nem nos 126 minutos seguintes do voto. Celso de Mello referia-se, obliquamente, à estratégia de Barbosa e dos ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello. Na sessão anterior, eles não haviam permitido que ele desse seu voto sobre a validade dos recursos conhecidos como embargos infringentes, encerrando, em favor dos réus do mensalão, a análise desse assunto.
Além de esmiuçar o assunto do qual tratava, coube a ele esclarecer do que aquele debate não tratava. Não, não haveria um “novo julgamento”. Reconhecendo o direito dos réus a entrar com os infringentes, o Supremo permitiria que 12 deles, entre os 25 já condenados, questionassem especificamente as condenações por crimes em que eles tiveram quatro votos pela absolvição. Apenas dois dos sete crimes — formação de quadrilha e lavagem de dinheiro – seriam reavaliados nos casos desses réus. Isso significa 11 das 68 condenações. Não haveria nova instrução, com produção de provas, direito ao contraditório e mais um cipoal de prazos. A essência do julgamento permanece inalterada, aceitem-se ou não os infringentes.
Leia também
Veja
A justiça se curva. Os mensaleiros riem
Numa sociedade que se conduz por elementares princípios civilizatórios, não há uma segunda opção para quem rouba 173 milhões de reais dos cofres públicos. Não importa se o dinheiro era para subornar parlamentares, comprar partidos políticos, perpetuar o PT no poder, enriquecer alguns — ou tudo ao mesmo tempo. Não importa. A Justiça brasileira é célere, rigorosa e eficiente. Pergunte aos ladrões de galinha, aos pés-rapados, aos contribuintes, que não dispõem de recursos para contratar a peso de ouro as grandes estrelas da advocacia nacional. Não faltarão relatos sobre a mão pesada dos juízes, a pronta reação a recursos protelatórios, a expiação de pecados na cadeia — mesmo em casos de furto de pequeno valor, mesmo quando o criminoso, um primário, não ameaçou a integridade física de quem quer que seja. Mas a Justiça brasileira também é lenta, insolente e camarada. Basta que os réus sejam ricos, poderosos e representados pelo primeiro time de advogados do país, remunerados com honorários milionários. Fica patente que o fosso abissal que separa os cidadãos não é apenas econômico e social, mas judicial. E esse o ensinamento da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de reabrir pane do julgamento do mensalão. Não que ela seja a garantia de impunidade, já que há condenações definitivas por corrupção ativa e passiva. Mas ela oferece a chance ímpar àqueles que organizaram, executaram e se beneficiaram de um dos maiores assaltos já perpetrados contra o Estado brasileiro de se livrar da punição a que efetivamente foram condenados pelo STF — a cadeia.
O charme de ser antiamericano
Ao adiar a viagem, Dilma subordinou os interesses do Estado brasileiro e a política externa à sua campanha para a reeleição daqui a um ano. Foi uma decisão puramente eleitoreira. boa para ela e para o seu partido, e ruim para o Brasil.
Consciente dos frutos que uma visita de Estado costuma render, o Itamaraty lutou para que o encontro fosse mantido, até porque dificilmente se conseguirá marcar outra data para o evento. As ameaças de cancelamento surgiram depois das denúncias, no início de setembro, de que a NSA, a Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos, espionou os e-mails, telefonemas e mensagens de celular da presidente Dilma. A posição do Itamaraty pouco importou.
Pesava contra a viagem o risco de que novas revelações de espionagem fossem divulgadas enquanto a presidente estivesse em Washington. “Se algo vazasse, isso poderia criar um mal-estar adicional, que ofuscaria toda a visita”, diz o brasilianista Thomas Trebat, da Universidade Columbia. Para uma Dilma candidata, foi o que pesou. O risco foi evitado e a imagem de governante firme, reforçada.
Minha casa, minha dívida
Ele foi planejado para ser a mais vistosa vitrine eleitoral da gestão Dilma Rousseff— a resposta do governo para o sonho da casa própria. Lançado em 2009, o programa Minha Casa Minha Vida consumiu 134,5 bilhões de reais para fazer 2,1 milhões de casas populares. O primeiro milhão já foi distribuído. A presidente Dilma percorreu seis estados brasileiros neste ano para providenciar ela mesma a entrega. O potencial de dividendos eleitorais da iniciativa é tamanho que ela é tratada como uma espécie de Bolsa Família da área urbana.
Programa subsidiado, o Minha Casa Minha Vida prevê que o governo arque com uma parte das prestações e o beneficiado banque o restante. O valor das parcelas 6 calculado com base na renda de cada família. No papel, tudo certo. Na realidade, tudo mais ou menos. Dados obtidos por VEJA revelam que o índice de inadimplência na faixa de financiamento que inclui participantes com renda mensal mais baixa, até 1600 reais, está em 20%. É um número dez vezes maior que a média dos financiamentos imobiliários no Brasil e 4 pontos mais alto que a porcentagem de atrasos em pagamento de hipoteca nos Estados Unidos em 2007, quando se acentuou a crise que serviu de gatilho para a pior recessão desde o fim da n Guerra Mundial.
Istoé
Com um pé no palanque
Foram 24 anos de parceria com o PT. O PSB já era aliado de Lula em sua primeira derrota ao Palácio do Planalto em 1989. Manteve-se unido nas eleições de 2002, nos dois mandatos de Lula e na vitória de Dilma Rousseff, em 2010. Mas, como em qualquer relação de longo tempo, o desgaste foi inevitável. O fim da aliança acabou precipitado, na última semana, pela desilusão de uma das partes. O PSB reclama de falta de diálogo e acredita que, se permanecesse com cargos na Esplanada dos Ministérios, viraria um alvo permanente de críticas de fisiologismo. O rompimento dos socialistas com o governo, anunciado na quarta-feira 18, é o primeiro passo para a candidatura do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, à Presidência da República em 2014. No PSB, é consenso que Campos, dono de índices recordes de popularidade à frente do Estado, conseguiu se viabilizar politicamente como poucos de sua geração e já não cabe em Pernambuco. A partir de agora, alçar voos mais altos pode ser uma questão de sobrevivência.
Aliado incômodo e ameaçador
No comando do Ministério do Trabalho desde o início da gestão de Dilma Rousseff, o PDT se tornou um fardo pesado para o governo carregar. Mas o governo avalia que os votos de 26 deputados e três senadores e, principalmente, os cerca de dois minutos que o aliado agrega no horário eleitoral justificam o sacrifício. Desde 2011, dois ministros da cota do partido foram afastados do cargo.
Ao contrário de seus antecessores que caíram em silêncio, Maneco surpreendeu o governo na semana passada. Depois de ver as investigações chegarem à sua mulher, Dalva Dias, resolveu atirar. Ainda com o apoio formal do PDT, o ministro determinou uma ampla auditoria em todos os convênios firmados e disparou: “Não vou sair como bandido e picareta. Se me mandar embora, tomo providências. São providências impublicáveis”. Feitas as ameaças, a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, entrou em cena para procurar minimizar o estrago. “Não há irregularidades de Manoel Dias à frente do Ministério”, afirmou a ministra, sinalizando que o governo não pensa em abrir mão da parceria com o PDT. “A conduta do ministro tem sido correta na tomada de medidas firmes em relação aos processos envolvendo convênios com entidades.”
A resposta de Dilma
Na terça-feira 17, a presidenta Dilma Rousseff cancelou a viagem oficial que faria aos EUA, em outubro. A decisão foi tomada depois de ela ser avisada por Barack Obama de que não haveria tempo para a apuração da espionagem feita contra ela e a Petrobras pela Agência de Segurança Nacional (NSA). Em nota, Dilma classificou a interceptação das comunicações como “fato grave”, “atentatório à soberania nacional” e “incompatível” com a convivência entre países amigos. A iniciativa já vinha sendo amadurecida desde o início do mês. Além de tratar do assunto com o ex-presidente Lula e o marqueteiro João Santana, conforme apurou ISTOÉ, a presidenta chegou a fazer consultas a outros parceiros, especialmente à Rússia, antes de anunciar a suspensão da visita a Washington.