Parte significativa da população brasileira está sendo levada a crer que, se optar pelo “sim” no referendo do dia 23 de outubro, verá os índices de criminalidade, principalmente nos grandes centros urbanos, despencarem no momento seguinte. É mais uma falácia que vem sendo perpetrada pelos defensores da proibição da venda legal de armas de fogo e de munições no Brasil. Falácia, porque depende de um argumento que nem de longe se sustenta, o de que os criminosos também deixarão de comprar armas. E isso não vai acontecer, porque bandido não compra arma em loja!
Se prevalecer o voto pela proibição do comércio legal de armas, é o cidadão comum, o homem de bem, quem perderá o direito de se defender e de proteger sua família e sua propriedade. Se ele se sentir inseguro, ameaçado, indefeso, não mais poderá adquirir, por meios legais, uma arma para ter em casa e assim exercer o direito fundamental à legítima defesa, de forma a garantir sua integridade física e moral até a chegada da polícia (que, aliás, nem sempre chega a tempo).
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Uma informação que a população deve ter para que possa formar seu julgamento é a de que, no dia 23 de outubro, não votará pela obrigatoriedade de se comprar uma arma! Essa é outra confusão que vêm tentando criar entre aqueles que irão às urnas. Se prevalecer o “não”, ou seja, se o comércio legal de armas de fogo e de munições continuar autorizado no Brasil, as pessoas não terão de sair de casa para adquirir uma. Pelo contrário! Segundo as leis atuais, só pode ter na sua casa, loja ou sítio, por exemplo, quem comprovar a necessidade de se defender.
Outro ponto importante a se considerar é que a proibição da venda de armas de fogo e de munições poderá causar uma triste situação no Brasil, a privatização da segurança pública. Sim, porque poucos privilegiados, uma pequena elite, podem pagar por segurança privada, enquanto que o brasileiro mais humilde terá de se fiar na polícia. Mais do que nunca o país terá duas classes de cidadãos, desta vez, a dos “com-segurança” e a dos “sem-segurança”.
Em 2001, quando fui relator do Estatuto do Desarmamento, defendi que apenas os trabalhadores de empresas de transporte de valores portassem armas de fogo, para evitar que se criasse um novo monopólio no país, o das companhias de segurança. Infelizmente esse item foi derrubado, por contrariar interesses poderosos.
Volto a dizer que não defendo que cada um tenha em sua casa uma arma nem que tenha o porte legal para poder transitar com ela. Aliás, me permito fazer um parêntese: é inconcebível acreditar que a violência no país é gerada por quem tem arma registrada em casa, um número ínfimo em relação ao total de domicílios brasileiros, apenas 3,5%. Por isso, defendo energicamente que cada um tenha o direito de escolher. A proibição da venda legal, se acontecer, vai retirar do cidadão um direito fundamental, o da legítima defesa.
Nesse ponto é imprescindível desfazer outra confusão, em muito incentivada pelos defensores da proibição. O referendo de 23 de outubro não se presta a confirmar ou rejeitar o Estatuto do Desarmamento. Ele já está em vigor há mais de um ano e tem, de uma maneira ou de outra, dificultado a compra legal de armas e quase impossibilitado o porte.
Hoje, para se comprar uma arma, segundo as regras do Estatuto, é preciso obter certidões, como a de antecedentes criminais, fazer exames (psicológico e de manuseio de armas) e pagar diversas taxas.
Além desses requisitos, é imprescindível se demonstrar a necessidade de se ter uma arma em casa. Tanto é difícil comprar uma que, em 2004, apenas 1.044 foram vendidas em todo o Brasil, conforme relatório da fabricante Taurus enviado à Frente Parlamentar pelo Direito à Legítima Defesa. Outro parêntese: quem já tem arma registrada não mais conseguirá mantê-la, porque a compra de munição também será proibida.
Se não nos mobilizarmos para garantir que o direito do cidadão à legítima defesa seja preservado, podemos desde já colar no portão de nossas casas cartazes que informem aos bandidos que ali não existe arma de fogo, que ali não encontrarão resistência alguma se quiserem furtar, roubar, seqüestrar. Proibir a venda legal de armas de fogo e de munições nada mais é do que garantir aos bandidos condições ideais para a prática de crimes. Nessa hipótese, só uma estratégia restará à população indefesa: a torcida!
Por todos esses motivos, acredito que a população brasileira deve votar “não” no referendo. Porque o brasileiro sabe lutar pelos seus direitos, característica acentuada pela volta da democracia, cada vez mais enraizada em nosso país. O brasileiro luta hoje com igual intensidade tanto pelo direito de ser bem atendido num restaurante como pelo direito à saúde e à educação, por exemplo. Tenho certeza de que, no referendo, fará o mesmo com esse conceito inalienável que é o direito à legítima defesa. No dia 23 de outubro, vote “não”.
Luiz Antonio Fleury, 56 anos, é deputado federal (PTB-SP) e vice-presidente da Frente Parlamentar pela Legítima Defesa. Foi governador e secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo.