(Diretamente aqui de Curitiba, como convém ao momento)
Nelson Rodrigues dizia que “em Brasília não há inocentes; todos são cúmplices”. A frase é a melhor síntese para esses dias em que o país, aos engulhos, assiste com a mão no nariz a mais uma defecação pública, com matéria fecal sendo atirada de lava a jato no ventilador e empesteando o país.
É risível, repugnante e desalentador ver e ouvir homens públicos sobre quem recai a responsabilidade de cuidar dos destinos de milhões de brasileiros aparecerem em frente às câmeras para cumprir o dever (sujo) de ofício de explicar o inexplicável. As desculpas, de tão surradas, já se converteram em mantras: “Fulano sempre agiu dentro da lei e todas as doações de campanha foram declaradas à Justiça eleitoral”. “Sicrano está convicto de sua inocência e tem certeza de que a justiça prevalecerá”. “Os delatores falam essas mentiras para se safar”.
Y así pasan los dias.
Anda faltando vergonha na cara. Aliás, vergonha na cara é um produto cada vez mais raro no mercado. Lá de vez em quando aparece um bocadinho, mas desaparece rápido. Em compensação, sobra e se acumula pelas ruas do país um desânimo enjoado diante de detentores de mandatos, correligionários e dirigentes partidários, todos oferecendo explicações canhestras ou ridículas para as canalhices de seus comparsas apanhados com mãos e bundas enterradas na bufunfa, inebriados pelo cheiro das tintas usadas pela Casa da Moeda.
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Ora, quem aceita uma delação se compromete a abrir o bico para reduzir as próprias penas. Tipo: “Se me contar como funciona o esquema a gente alivia pra ti, topa?”. Por isso, provocam gargalhadas as explicações segundo as quais tal delator que entregou meu adversário falou a verdade. Já este outro que delatou meu aliado é um mentiroso, só está falando essas coisas pra tirar o glúteo da seringa. De volta ao velho Nelson Rodrigues: não há inocentes, todos são cúmplices. Curioso é que, pelo dever de oficio e obediência partidária, os autores dos mantras do inexplicável não se dão conta de que existe uma senhora chamada História, comadre de uma outra, chamada Memória. E daqui a pouco – logo ali, na próxima eleição – quando eles se defrontarem com um adversário chamado Povo Brasileiro – vão ficar com cara de menino que sujou as calça quando as defesas que estão fazendo hoje forem retirados dos arquivos e apresentados ao distinto público durante os programas eleitorais.
Comadre História e comadre Memória são duas fuxiqueiras que não perdoam. Mais dia, menos dia, vão botar a boca no mundo apontando o dedo aos berros: “Tão vendo aquele ali? Pois no tempo das delações ele jurava de pés juntos que os ladrões amigos dele eram inocentes, vitimas de perseguição. Mas quando a polícia foi investigar, as malas de dinheiro apareceram. E as mentiras deles também. Um ficou protegendo o outro, e olha no que deu. O amigo dele tá preso. E ele agora vem com esse papo de que não podia trair um companheiro que o apoiou na última eleição. Tudo safado! Um bando de safados! E se eles pensam que nós vamos deixar barato. Ah, cumadi, mas não vamu mermo!”
Políticos, sem exceção, pensam primeiro nos interesses pessoais. Dá pra contar nos dedos da mão do Lula os que escapam e põem o interesse público à frente. Se o interesse público se ajustar com o interesse pessoal, tudo bem. Caso contrário, farinha pouca meu pirão primeiro. No Congresso – o senador Reguffe que o diga – os que pensam primeiro no interesse público e deixam o interesse pessoal pra depois são até estigmatizados pelos colegas por não rezarem pela mesma cartilha. “A gente aqui se dando bem e agora me aparece esse imbecil querendo melar o jogo, ora mas que absurdo! Interesse público é o cacete!”.
Quando saem em defesa dos companheiros pegos no flagra das delações, confirmam a regra. No futuro, quando os comparsas se safarem das garras da lei, haverão de lhes retribuir a gentileza. Além disso, todos contam com as perdas de memória daquelas duas fuxiqueiras para continuar usufruindo do bem-bom do poder. “O povo esquece rápido, na eleição que vem ninguém se lembra mais de nada”.
Alguém há de concluir: “Então, não tem jeito de mudar essa rotina, vai tudo continuar do mesmo jeito, eternamente. O negócio é entrar no jogo, ou restaure-se a moralidade ou nos locupletemos todos”.
Errado. Há, sim, uma forma de romper o clico vicioso: evitando o Alzheimer eleitoral.
Uma historinha curta, pra entender como é que funciona: o capitão de um navio italiano percebeu que os marujos cheiravam mal depois de tantos dias sem banho. Ordenou que trocassem de roupa. Os marinheiros obedeceram. Giovanni trocou de roupa com Claudio. Pepe trocou de roupa com Paolo. Luigi trocou de roupa com Marco. E assim, todos trocaram de roupa. Mas o fedor continuou igual ou pior. Se na eleição os eleitores fizerem como os marinheiros italianos e não jogarem fora a roupa podre e vestirem outra, nova e cheirosa, o fedor da caganinfância vai continuar. Sugestão simples para evitar a sujeira do país: se fedeu, jogue fora e troque. Vale para roupas e para políticos.