Ricardo Ramos e Diego Moraes
Na rua em frente ao conjunto 3 da quadra 202 de São Sebastião, cidade do Distrito Federal próxima a Brasília, os moradores passam a vida ao largo das disputas políticas. É criança brincando de calcinha na rua, mulheres, geralmente com filhos a tiracolo, conversando na soleira da porta e homens batendo papo, sentados no meio fio. Lá, nessa típica rua de bairro, numa casa de fundos a 20 km de distância do Congresso, mora o caseiro que virou a dor de cabeça do mais forte ministro do governo Lula – Antonio Palocci, da Fazenda – e do presidente de um dos principais bancos estatais do país: Jorge Mattoso, da Caixa Econômica Federal (CEF).
Desde que se transformou em notícia ao desmentir Palocci numa sessão da CPI dos Bingos interrompida pela Justiça e, um dia depois, ter seu sigilo bancário ilegalmente quebrado e posteriormente divulgado pela imprensa, Francenildo dos Santos Costa não é mais visto com freqüência pelos vizinhos.
“Eu sou a lua e ele, o sol”, brinca a professora Maria José, dona do imóvel alugado pelo caseiro, ao comentar o fato de não vê-lo mais. Nos últimos dias, ele tem saído muito cedo de casa, antes mesmo de os demais moradores acordarem, e voltado por volta das 23h, quando quase todos já estão dormindo.
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Nildo mudou-se para lá em dezembro, depois de ocupar um pequeno apartamento na entrada de São Sebastião. Longe da sofisticação cenográfica da mansão de R$ 2,5 milhões alugada no Lago Sul – bairro mais nobre de Brasília – pela chamada “república de Ribeirão Preto”, a casa de fundos tem acomodações modestas: dois quartos, sala, banheiro e cozinha.
O principal atrativo, contudo, é o “piso de cerâmica”, como os vizinhos do caseiro fazem questão de adjetivar. Para manter mulher e filho no imóvel, Nildo desembolsa todos os meses R$ 170, pouco mais do que 25% dos R$ 600 que recebia quando trabalhava na casa alugada pelos ex-assessores de Palocci. O aluguel é 88 vezes menor do que os R$ 15 mil pagos por mês pelos amigos do ministro pela mansão do Lago Sul. A mesma em que Francenildo afirmou ter visto Palocci, num ambiente em que lhe chamaram a atenção as alegres festas lá promovidas e a partilha de dinheiro. O ministro, não custa lembrar, havia negado que tivesse ido, uma vez sequer, à mansão que o noticiário nacional tornou famosa.
“Moço trabalhador”
Maria José, mais conhecida como Mazé, atesta a idoneidade do caseiro. “Ele é um moço trabalhador e paga sempre em dia”, afirma sobre o homem que passou de vítima de uma devassa bancária a investigado por lavagem de dinheiro. Segundo a professora, antes de viajar para o Piauí, no início do ano, comentara com ela que iria receber um dinheiro do seu pai biológico para deixar para lá essa história de reconhecimento da paternidade.
“Ele disse que ia receber R$ 50 mil”, contou. O marido de Mazé, Cícero, confirmou a história e saiu em defesa do inquilino, agora investigado pela Polícia Federal. “Ele rala demais”, completou.
A dona do imóvel, porém, tem sido cuidadosa quando o assunto é Francenildo. Ontem, na presença da equipe do Congresso em Foco, ela se recusou a assinar uma intimação do senador Romeu Tuma (PFL-SP) para que o caseiro compareça a corregedoria da Casa, numa sindicância aberta para apurar se ele esteve com senadores da oposição antes de falar o que falou contra Palocci. “Não assino, não quero saber de nada disso”, respondia, sob a insistência do funcionário do Senado, que, sem sucesso, tentou entregar a notificação para Nildo ir ao Senado na próxima terça-feira.
Mudança de hábito
As revelações sobre as idas de Palocci à “casa do lobby” e a quebra ilegal do sigilo bancário do caseiro mudaram inteiramente a rotina de Nildo e de sua mulher, Noelma. Os dois têm evitado contato até mesmo com os vizinhos.
Ontem, brincando com os amigos na porta de casa, o serelepe filho de Nildo, T., de 6 anos, reclamou do atraso da mãe, que só chegou por volta das 19h30. Entre uma pedalada na bicicleta e uma imitação de Michael Jackson, o garoto falava sobre a fama repentina do pai. “Falei com os meus amigos da escola. A minha vó não gostou”, contou, antes de correr para os braços da mãe, que aparecia no fim da rua.
Com o andar apressado e ares de pouca conversa, Noelma cumprimentou os vizinhos com um breve “oi” e levou o filho para dentro de casa. “Não tenho nada para falar”, respondeu à tentativa de entrevista dos repórteres do Congresso em Foco, antes de fechar o portão.
Moradores da rua confirmam que tem sido esse o comportamento da mulher que, até semanas antes, gostava de passar o fim da tarde conversando na calçada da rua. “Falávamos de receita, de roupa, de supermercado, coisas de mulher. Mas ela está com medo de todo esse assédio, está muito assustada”, comentou uma vizinha.
“Eles sempre foram vizinhos bem tranqüilos”, assegura Francivaldo Souza Nascimento, 25 anos. Piauiense como Francenildo, o ajudante de pedreiro mora ao lado do caseiro ilustre, mas só o conheceu – ou melhor reconheceu – pelo noticiário da televisão. “Quando ele apareceu no jornal, falei: ‘conheço esse homem de algum lugar'”, afirmou Cléia Moreira, de 27 anos, outra vizinha que não identificou logo o caseiro ao vê-lo na tevê.
“Nildo não tem nada de bobo”
Mesmo sem conhecer o caseiro muito bem, os moradores elogiaram sua coragem de falar sobre o que acontecia na casa alugada pelos ex-assessores de Palocci. “Você é doido. Eu nunca falaria o que ele disse”, confessa Gilberto de Souza, 27 anos, auxiliar de bufê que mora a duas casas da de Nildo. “Eu teria medo de perder o emprego”, revela Francivaldo, sem saber que o vizinho está desempregado.
“Você viu como o Lula falou dele? Chamou de caseirinho”, comenta Cléia Moreira, 21 anos, dona de casa. Ela reprova a atitude do presidente.
Num lugar em que todo mundo se conhece, vizinhos mais distantes de Nildo explicam que, pelo fato de o caseiro ter mudado para lá há pouco mais de três meses, não mantinham muito contato com ele. Disseram apenas que Nildo e a mulher gostavam de ficar à porta, sempre aos finais de tarde.
Jamais desconfiaram que o caseiro teria história suficiente para colocar um ministro em xeque. “No sábado, depois de ter dado a entrevista (ao jornal Estado de S.Paulo, que a publicou no dia 13), ele conversou com a gente, mas não falou nada disso”, relata uma conhecida do caseiro. “Ele parecia calado, mas o Nildo não tem nada de bobo”, afirma Léia Moreira, 22 anos, telefonista e vizinha do caseiro.
Chegada a São Sebastião
O caseiro chegou a São Sebastião, cidade em que a renda média individual é de R$ 281 mensais, após passar meses nos fundos da mansão alugada pela “república de Ribeirão Preto”, no Lago Sul – onde a renda per capita é de R$ 2.007,04. Nildo, segundo os moradores do conjunto 3, queria morar fora da mansão. Para isso, fez uma poupança e mudou-se para a cidade, nascida de uma agrovila rural, já pensando em comprar sua casa própria. “Eles já estavam até procurando aqui por perto. Por pouco não fecharam negócio”, contou uma amiga do casal.
A compra da casa ficou mais próxima quando Francenildo foi ao Piauí passar o Ano Novo com a mãe. Com o marido longe, Noelma virou o ano na casa de uma vizinha, que aceitou falar ao Congresso em Foco sob a condição de ter a identidade preservada. Assim como Mazé e Cícero, ela confirma que o caseiro foi a Teresina entre dezembro e janeiro e recebera dinheiro de um empresário da cidade, o qual Nildo apontou como seu pai biológico. “Ele recebeu e estava procurando uma casa aqui perto”, garante a moça.
No mesmo dia em que teve seu sigilo bancário quebrado, Nildo disse que os R$ 25 mil encontrados na conta de poupança que mantém na Caixa foram depositados pelo empresário Eurípedes da Silva, que seria seu pai biológico. O caseiro afirmou ter sacado parte do dinheiro para comprar uma casa ou um carro, mas desistiu e colocou o dinheiro de volta no banco.
Por essa movimentação financeira, considerada “atípica” pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), ele está sendo investigado. “Se lavou, só se foi a mãe dele, que é lavadeira”, ironizou o advogado do caseiro, Wlício Chaveiro Nascimento, após depoimento de Francenildo à Polícia Federal.
Ontem, pela segunda vez, o Supremo Tribunal Federal (STF) negou pedido para que a CPI dos Bingos retome o depoimento do caseiro.