Cercado de homens – os cinco primeiros ministros que escolheu para o seu futuro governo – o presidente eleito Lula prometeu que, ao final, essa primeira conformação não é a que vai prevalecer no final. Se o discurso de Lula se confirmar, seu primeiro escalão terá também mulheres, negros e indígenas.
“Vai chegar uma hora em que haverá mais mulheres que homens aqui e a participação de muitos companheiros afrodescendentes”, disse o petista, sem especificar quando, antes de divulgar os nomes de Flávio Dino (Justiça), Fernando Haddad (Fazenda), Mauro Vieira (Relações Exteriores), Rui Costa (Casa Civil) e José Múcio (Defesa) como ministros. Ao lado dele, durante o anúncio do embrião de sua equipe, havia apenas uma mulher, a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), que não será ministra. Lula foi questionado por apresentar somente novos ministros homens e brancos. Ele respondeu apontando para Flávio Dino e dizendo que ele seria “pelo menos pardo”.
Prestes a assumir o seu terceiro mandato presidencial, Lula tem sido pressionado a conferir essa maior diversidade ao seu terceiro mandato como presidente, especialmente aumentando a participação feminina em seu ministério. Foram 11 ministras nomeadas por ele nos oito anos de governo anteriores. Uma pressão que começa, inclusive, em casa, com apelos da futura primeira-dama, a socióloga Rosângela Silva, a Janja.
Leia também
Maior poder de decisão
O crescimento almejado não se restringe a números, mas também envolve a nomeação de mulheres para cargos-chaves em pastas de maior orçamento e poder de decisão. Há mulheres fortemente cotadas para assumir ao menos seis ministérios: Desenvolvimento Social ou Cidadania; Saúde; Educação; Povos Originários; Meio Ambiente e Cultura. Mas a expectativa é de que as mulheres tenham presença maior. Uma outra pasta em cogitação, por exemplo, seria um futuro Ministério do Desenvolvimento Agrário e Combate à Fome.
Opções de quadros qualificados não faltam. Dois movimentos que trabalham pelo fortalecimento da participação política feminina reuniram uma lista com uma centena de nomes de mulheres com notório conhecimento em suas respectivas áreas de atuação e com capacidade para assumir os mais diversos ministérios, da Fazenda ao Planejamento, passando pelas áreas sociais.
“São as mulheres na política que lutam e garantem os direitos básicos das mulheres na sociedade. Precisamos delas nos ministérios e não vamos esperar o próximo governo”, defendem o Vote Nelas e Vamos Juntas, organizações que receberam a indicação de mais de mil nomes de mulheres por meio de uma mobilização na internet. “Estamos em campanha pelo que é fundamental para o aprimoramento da democracia representativa do Brasil: metade dos ministérios sendo liderados por mulheres”, acrescentam.
Veja o documento com a lista dos nomes sugeridos
As sugestões vão de nomes da política nacional contemplados hoje no governo de transição, como a senadora Simone Tebet (MDB), a deputada eleita Marina Silva (Rede), a deputada Tabata Amaral (PSB), a deputada Benedita da Silva (PT) e a ex-deputada Manuela D’Ávila (PCdoB), a indicações sem vínculos partidários, caso das economistas Ana Paula Vescovi, Zeina Latif, Laura Carvalho e Mônica De Bolle, da cientista política Ilona Szabó, da empresária Luiza Helena Trajano e das médicas Margareth Dalcolmo e Ludhmila Hajjar.
38 mulheres desde 1990
Desde 1990, quando o Brasil teve o seu primeiro presidente eleito diretamente desde a ditadura militar, o país teve somente 38 ministras de Estado. O governo da única mulher eleita para a Presidência da República, Dilma Rousseff, foi o que teve o maior número de ministras: 18 durante os cerca de cinco anos e meio de mandato. Lula, em oito anos de gestão, nomeou 11 mulheres para o primeira escalão – entre elas, a própria Dilma, que foi ministra de Minas e Energia e da Casa Civil. Jair Bolsonaro se despede do Palácio do Planalto após ter nomeado apenas quatro mulheres.
Uma das coordenadores do grupo de trabalho de Mulheres na equipe de transição e secretária nacional de Mulheres do PT, a amazonense Anne Moura reconhece as dificuldades para se alcançar a equiparidade na montagem do governo. Um dos principais obstáculos, observa ela, está no comando das máquinas partidárias predominantemente masculino. Mas ela demonstra otimismo quanto ao cenário a partir do próximo ano.
“A composição de um governo com todos os partidos que o apoiam não é simples. Como secretária de Mulheres do PT, posso falar que a maioria dos partidos é composta por homens, e isso prejudica as indicações. Homens acabam indicando homens para os principais cargos”, disse a secretária ao Congresso em Foco.
“Não sabemos quantas mulheres serão nomeadas porque isso só está na cabeça do presidente. Mas ele assumiu conosco, em março, compromisso com a maior participação feminina. E a Janja é fundamental nesse processo, ela não é uma figura que vai ficar só ao lado do presidente como companheira”, destacou Anne, uma enfermeira de família indígena que concorreu este ano ao cargo de vice-governadora do Amazonas na chapa de Eduardo Braga (MDB).
A dirigente partidária lembra que mulheres como Gleisi Hoffmann, Simone Tebet e Marina Silva, além da própria Janja, foram fundamentais para a eleição de Lula. “Não posso dizer se haverá paridade ou não. Isso dependerá de uma composição que passa pelos partidos. Mas um dos primeiros compromissos que o presidente fez foi com a implantação da paridade salarial entre homens e mulheres”, afirmou.
Além de Tebet (Desenvolvimento Social ou Cidadania) e Marina (Meio Ambiente), estão fortemente cotadas para integrar o ministério Nísia Trindade (Saúde), Izolda Cela (Educação), Sônia Guajajara (Povos Originários), Daniela Mercury e Margareth Menezes (Cultura). Uma possibilidade em discussão ainda é dar à ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome o cargo de ministra do Desenvolvimento Agrário e Combate à Fome, associando na pasta as ações de fomento à agricultura familiar com os projetos de segurança alimentar.
Tapa na cara
Co-fundadora do Vote Nelas, a socióloga Gisele Agnelli considera que o perfil da lista elaborada, com quadros de diferentes correntes ideológicas, técnicas, políticas e integrantes de ONGs e empresárias, mostra que há mulheres capacitadas para comandar qualquer pasta no governo. “A lista é um tapa na cara para ver como existem mulheres para compor todo um ministério. Temos excelentes nomes para todos os cargos”, defende.
Para Gisele, a estrutura partidária dificulta a ascensão política das mulheres. “O Brasil é um caso extremo de presidencialismo de coalizão. É difícil alocar no ministério partidos políticos – a maioria comandada por homens. Mas o presidente pode usar a cota dele e do PT para tentar equilibrar as coisas. Esperamos que isso seja considerado”, afirma.
“No ritmo que está, não alcançaremos a paridade nunca”, observa a presidente do Vamos Juntas, a relações públicas Larissa Alfino. Na avaliação dela, o país precisará de vários anos para se recuperar de retrocessos acumulados no governo Bolsonaro na questão da mulher, entre outras.
“Bolsonaro cortou 90% do orçamento para políticas de defesa das mulheres. Não usou um terço dos recursos previstos desde 2019. Estimulou o armamento da população, enquanto a maioria das vítimas é mulher negra. Foi um governo de desmonte”, critica.
Atrás no ranking
O Brasil fica atrás no ranking da média mundial de ministras. Enquanto no restante do planeta a média é de 22%, no Brasil é de apenas 8%, no período de 1985 a 2019, segundo a União Inter Parlamentar.
Vice-presidente do Vamos Juntas, a cientista política Elaine Gontijo diz que a inclusão de mulheres no ministério não pode ser apenas para “compor foto”. A cientista política observa que muitas vezes mulheres são destacadas apenas para pastas sociais, reproduzindo estereótipos da sociedade, como a reprodução do aspecto familiar. Além disso, ela lembra que as ministras são as primeiras a serem sacrificadas nas negociações com os partidos políticos e reformas ministeriais.
“Quanto mais trabalhamos por mais mulheres na política, mais fortalecemos a democracia”, diz. “Temos de aproveitar essa brecha de termos um novo governo mais sensível a questões sociais”, acrescenta Elaine.
Ainda no anúncio dessa sexta-feira, ao ser questionado por um repórter sobre qual será a presença de mulheres e negros no ministério, Lula evitou assumir compromisso com números. Disse que definirá neste fim de semana a quantidade de ministérios e secretarias em seu governo e que levará em conta a “cara” do país na montagem de sua equipe.
“Quando você monta um governo, obviamente olhando o conjunto da sociedade brasileira, a megadiversidade da sociedade, vai escolhendo as pessoas aptas para determinadas funções. Esses companheiros aqui [os cinco indicados por ele] são aptos da mais extraordinária qualificação para exercer a função que lhes foi delegada. Vai ter mulher, homem, negro, índio. Vamos montar um governo que seja a cara da sociedade brasileira em sua plenitude. Não se preocupem com isso”, prometeu.
Se essa é a promessa para o Executivo, no Legislativo o espelho ainda será fortemente distorcido em 2023. As mulheres representam 53% do eleitorado nacional. Mas vão ocupar apenas 91 (17,7%) das 513 cadeiras na próxima legislatura na Câmara e dez (12%) dos 81 assentos no Senado.