Mário Coelho
O relatório do Projeto de Lei da Câmara 141/09 feito pelo Senado, mais conhecido como reforma eleitoral, joga a favor da “bancada da bola”, nome dado aos congressistas ligados a entidades esportivas. Em 8 de julho, os deputados aprovaram a proibição de qualquer entidade do setor – times de futebol, federações e confederações, por exemplo – fazer doações para partidos ou políticos em campanha (leia mais). Entretanto, os senadores querem que a legislação atual, mais permissiva, continue valendo.
No texto aprovado pela Câmara, uma emenda acatada no substitutivo elaborado pelo deputado Flávio Dino (PCdoB-MA) previa o endurecimento da legislação eleitoral. A proposta vedava às entidades esportivas que recebem recursos públicos fazer doações a campanhas políticas. Grande parte das confederações vive exclusivamente de recursos públicos, como os repasses da Lei Agnelo Piva – 2% das loterias federais aos comitês Olímpico e Paraolímpico. Elas, portanto, não poderiam fazer qualquer tipo de doação a candidatos.
Entretanto, a entidade que rege o esporte mais popular do país não recebe dinheiro público. A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) vive exclusivamente de seus patrocinadores, marcas grandes como Nike, Gilette, Vivo e Banco Itaú. “A grande parte das confederações não têm condições de fazer qualquer tipo de doação. Elas estão às mínguas”, afirmou ao Congresso em Foco o deputado Silvio Torres (PSDB-SP), que presidiu a CPI da CBF Nike em 2001.
Torres foi o autor da emenda na Câmara que proibiu qualquer entidade esportiva de fazer doação eleitoral. Para ele, não se justifica que o dinheiro seja desviado de seu fim – fomentar o esporte – e passe a financiar campanhas. Ele lembra que, quando a CPI foi encerrada, o então deputado Jair Meneguelli (PT-SP) apresentou um projeto de lei já estabelecendo a mesma proibição, mas que acabou arquivada.
Em 2006, a lei eleitoral teve uma atualização, proibindo a doação por entidades esportivas que recebessem verbas públicas. “Essa modificação [em 2006] foi para atender interesses da CBF, que nega receber verbas do governo. Entretanto, a confederação vive dos atletas que são formados por clubes que recebem dinheiro público”, disse.
Menos de dois meses depois da aprovação na Câmara, a possibilidade da CBF voltar a investir em campanhas políticas passa a existir outra vez. A emenda número oito, de autoria dos relatores da reforma eleitoral no Senado, senadores Eduardo Azeredo (PSDB-MG) e Marco Maciel (DEM-PE), desconsidera “a alteração promovida pelo PLC no 141, de 2009, ao inciso IX do art. 24 da Lei no 9.504, de 1997, no sentido de manter o texto atualmente vigente”.
Segundo Azeredo, a proposta vinda da Câmara era muito restritiva. Ele descarta qualquer tipo de relação ou pedido da CBF na mudança no texto. Torcedor do América mineiro, o senador diz que o objetivo é que não exista dinheiro público envolvido. “Se fosse assim [proibir todas as entidades esportivas], teríamos que proibir outras entidades que não recebem verbas públicas de doar para campanhas”, justificou.
Ao saber da mudança na redação, Torres se mostrou surpreso. Disse que iria conversar com Azeredo, colega de partido, e explicar as razões para proibir entidades como a CBF de doar para políticos. Levantamento feito pelo Congresso em Foco em 2007 mostrou que nove parlamentares receberam entre R$ 50 mil e R$ 100 mil de doação da confederação de futebol (leia mais). “A medida é radical”, disse Marco Maciel. Nem ele nem Azeredo teve a CBF ou qualquer entidade esportiva entre os doadores de campanha.
Além de Torres, outro que foi pego de surpresa com a nova redação, apresentada anteontem (26), foi o senador Alvaro Dias (PSDB-PR). O tucano do Paraná presidiu a CPI do Futebol no Senado entre 2000 e 2001. Na oportunidade, a investigação revelou a existência de vários crimes na gestão no esporte. O relatório final denunciou 17 dirigentes de clubes e propôs regras como o Estatuto do Torcedor e a Lei de Responsabilidade Social do Desporto Brasileiro. Ao site, o senador afirmou que, após estudar o relatório, vai conversar com os relatores na tentativa de modificar o texto.
Mudanças
Para valer nas próximas eleições, a reforma precisa ser finalizada até 30 de setembro. A intenção dos senadores era ter aprovado o texto ainda ontem nas comissões de Constituição e Justiça (CCJ) e Ciência e Tecnologia (CCT). Entretanto, um pedido de vista coletivo adiou a apreciação para a próxima semana (leia mais). O intervalo de seis dias pode dar origem a uma série de novas emendas ao projeto. Além disso, pode também facilitar as negociações em torno da vedação às entidades esportivas em geral.
Azeredo aponta que, caso a proposta não seja aprovada nas comissões e no plenário do Senado na próxima semana, não haverá mais tempo hábil para a reforma valer para 2010. “Essa uma semana é o limite”, disse. Maciel aponta que, no trâmite do Senado, houve uma “economia processual” pelo fato de os dois relatores terem se unido para elaborar um texto único. “Depois de apreciado aqui, acredito que a Câmara será diligente no processo. Até mesmo porque o presidente levaria aproximadamente 15 dias para sancionar a lei”, completou o senador do DEM.
Entre as principais alterações propostas está a permissão para veiculação de propaganda eleitoral paga na internet. O texto da Câmara autoriza os candidatos, os partidos políticos e as coligações a explorarem a rede mundial de computadores nas campanhas eleitorais, como meio de comunicação com o eleitor, mas proíbe a veiculação de qualquer tipo de propaganda paga por esse meio. Também não autoriza a realização de propaganda, mesmo gratuita, em portais noticiosos e informativos da internet.
A emenda de Eduardo Azeredo e Marco Maciel autoriza propaganda paga na internet, mas restringe esse tipo de publicidade aos sítios voltados à veiculação de notícias, mantendo a proibição de propaganda em sites de pessoas jurídicas cuja atividade final não seja relacionada à oferta de serviços de informação pela internet.
O relatório também proíbe o voto impresso e o voto em trânsito. O projeto da Câmara estabelece que o voto impresso deverá ser depositado, de forma automática e sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado, para que, após o término da votação, a Justiça Eleitoral possa realizar auditoria por amostragem aleatória. Já o voto em trânsito ocorreria nas capitais dos estados. “Isso é inviável tecnicamente de colocar em prática”, diz Azeredo.