Lúcio Lambranho
A CPI dos Sanguessugas incluiu os ex-deputados Múcio de Sá e Laíre Rosado (ambos do PSB do Rio Grande do Norte) entre os ex-parlamentares a serem investigados na nova etapa dos trabalhos da comissão, já em andamento. Mas, até o momento, pouco incomodou a deputada federal Sandra Rosado (PSB-RN), mulher de Laíre. Como se verá adiante, porém, há fortes indicações de que, com a saída dos dois do Parlamento, ela deu continuidade ao direcionamento de emendas orçamentárias.
Segundo a denúncia apresentada em junho pelo Ministério Público Federal em Mato Grosso (veja a íntegra), Laíre e Múcio associaram-se "de maneira estável e permanente ao núcleo empresarial da organização criminosa, direcionando emendas parlamentares de acordo com os interesses do grupo".
Múcio, conforme o Ministério Público, recebeu do esquema dos sanguessugas seis pagamentos, cada qual com valor entre R$ 5 mil e R$ 15 mil. Laíre, "19 pagamentos indevidos, com valor que variaram de R$ 5 mil a R$ 115 mil". Em troca, concluíram os procuradores da República Mário Lúcio Avelar e Paulo Gomes Ferreira Filho, direcionaram "emendas parlamentares visando à aquisição de unidades móveis de saúde e equipamentos médico-hospitalares para os municípios que eram ‘trabalhados’ pela quadrilha".
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O pagamento das propinas, acrescenta o MPF, era feito em nome de outras pessoas. Por isso, a dupla foi acusada na Justiça de praticar os crimes de corrupção passiva, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro.
Os dois ex-parlamentares ocupavam, até o início de agosto, cargos no primeiro escalão do governo potiguar, comandado pela governadora Wilma Faria (PSB), candidata à reeleição. Para evitar que as denúncias atingissem a campanha da governadora, ambos entregaram seus cargos. Rosado era secretário de Agricultura e Sá cuidava da agenda de Wilma, à frente da Secretaria de Assuntos Institucionais.
Publicidade"Os dois estão envolvidos até o último fio de cabelo com a máfia e a governadora deve tomar alguma providência", disse o deputado Júlio Delgado (PSB-MG), filiado ao mesmo partido dos ex-deputados e um dos sub-relatores da CPI, em matéria do Jornal do Brasil, publicada dia 9, que serviu de estopim para o afastamento da dupla do governo estadual.
A ação de Laíre
No caso de Laíre Rosado, a Santa Maria, uma das empresas do grupo Planam, ganhou uma licitação de R$ 1,6 milhão, em Mossoró (RN), a partir de uma emenda do ex-parlamentar para a Associação de Proteção e Assistência à Maternidade e Infância de Mossoró (Apaim).
Em outro processo semelhante, a Frontal, do empresário Ronildo Pereira Medeiros, ganhou em 2003 licitação feita com base em emenda (no valor de R$ 780 mil) para outra entidade controlada por Rosado, a Fundação Vingt Rosado. A licitação foi feita para a compra de medicamentos e material de consumo da fundação.
Em troca, Ronildo Medeiros disse que o ex-deputado recebia 10% do valor dos contratos e seu assessor, Anderson Brusamarello, mais 5%. Um dos pagamentos (de R$ 20 mil) foi feito, segundo o dono da Frontal, pela Santa Maria na conta da construtora Paulo Otávio, empresa da qual Brusamarello tinha comprado um apartamento em Brasília. Os recibos dos depósitos, considerados provas materiais, já estão em poder da CPI.
Além do vínculo matrimonial
O primeiro relatório parcial da CPI dos Sanguessugas não cita a deputada Sandra Rosado. São bastante visíveis, contudo, os sinais de que as ligações dela com o caso podem ir além dos seus vínculos matrimoniais.
Na primeira emenda que apresentou ao orçamento, em 2004, Sandra propôs a destinação de R$ 1,8 milhão a entidades privadas, sem definir nomes. Só na liberação feita no Ministério da Saúde, a deputada carimbou a emenda em favor da Fundação Vingt Rosado.
Além de ter o marido indiciado pelo Ministério Público Federal, a deputada também abrigou em seu gabinete Zenon de Oliveira Mora. O assessor parlamentar recebeu R$ 15 mil, no dia 18 de abril de 2002, da máfia das ambulâncias, segundo a denúncia do MPF.
Há outro ponto em comum na ação da deputada e dos dois ex-parlamentares: o esforço para canalizar recursos federais para as fundações Aproniano Sá e Vingt Rosado. Entre 1998 e 2005, as duas entidades receberam juntas mais de R$ 11 milhões, decorrentes de emendas na área da saúde. No mesmo período, segundo os dados do governo federal, o município de Mossoró, um dos mais importantes do Rio Grande do Norte e sede até hoje da Fundação Vingt Rosado (a Aproniano Sá está sediada hoje em Natal), recebeu um valor menor, R$ 9 milhões.
A união faz a força
Não foi no governo do estado que Laíre e Múcio trabalharam em conjunto pela primeira vez. No orçamento de 2002, os dois fizeram um cruzamento de emendas destinadas às duas fundações. Cada um deles defendeu junto ao governo federal a execução de emendas em favor da entidade do outro. Uma maneira, segundo acreditam integrantes da CPI, de camuflar o benefício direto com a liberação de recursos. As duas emendas tinham o mesmo valor, R$ 1 milhão.
Foram pagos até agora R$ 680 mil para aquisição de equipamentos e materiais permanentes e mais R$ 360 mil para manutenção da unidades de saúde. Já em 2006, são R$ 2 milhões em emendas pagas. A maior parte do bolo, R$ 1,27 milhão, tem como destino a Fundação Vingt Rosado.
O advogado Armando Holanda, que representa Múcio de Sá e Laíre Rosado, disse ao Congresso em Foco que os seus clientes não foram notificados oficialmente pela Justiça e que não devem se pronunciar antes de conhecerem o conteúdo das denúncias.
A assessoria de imprensa da deputada Sandra Rosado (PSB-RN) confirmou que a parlamentar fez as emendas em favor da Fundação Vingt Rosado, mas alegou que a entidade presta "grandes serviços nas áreas de saúde e educação em todo o estado." Por esse motivo, a deputada não teria feito, segundo sua assessoria, "as emendas de forma eleitoral ou para benefício da sua família."
O deputado Júlio Delgado (PSB-MG), um dos sub-relatores da CPI dos Sanguessugas, defende que fundações como a Vingt Rosado ou a Aproniano Sá sejam investigadas a fundo. "É preciso aprofundar essa análise pois a Planam era apenas um dos focos do desvio de recursos. Essas fundações recebiam as doações pelas emendas e não têm sequer obrigação legal de fazer as compras com licitações", ressalta Delgado.