Antes mesmo de analisar o suposto nepotismo por meio de empresa terceirizada de taquigrafia no Senado – o que será investigado pela procuradora da República Ana Carolina Roman – o Ministério Público Federal (MPF) entende que o tipo de trabalho prestado é permanente e, por isso, deveria ser suprido por funcionários concursados. Hoje, as comissões da Casa terceirizam o trabalho para a Steno, empresa cuja diretora comercial, Mariana Cruz, é filha da gestora do contrato no Legislativo.
Em ação civil pública, o procurador Rômulo Moreira afirma que, há quinze anos, o Senado não abre vagas em concursos para taquígrafos. O edital que a Casa deve publicar nos próximos dias para uma nova seleção, com o objetivo de reduzir o número de terceirizados, também ignorou o setor de taquigrafia.
Pelo menos desde 2003, os secretários das comissões do Senado esperavam até mais de um mês para conseguir a transcrição de suas sessões ou de audiências públicas. Os servidores concursados na taquigrafia, atividade considerada essencial e permanente no legislativo, já não conseguiam vencer os pedidos do plenário e das comissões ao mesmo tempo.
“Sob pretexto de pretensa modernização, o Senado Federal terceirizou irregularmente serviços de atribuição do próprio órgão legislativo, a cargo de servidores da Casa. Entretanto, parece olvidar que é perfeitamente possível modernizar os serviços sem terceirizá-los, investindo-se, por exemplo, na aquisição de equipamentos e em treinamento dos servidores para as novas tecnologias”, diz trecho da ação civil pública.
Ainda segundo o procurador, a resolução nº 42, de 1993, do próprio Senado, que regulamenta o plano de carreira dos servidores, determina que as atividades de taquigrafia só podem ser exercidas por meio de concurso público. Rômulo Moreira também cita a proibição de contrações deste tipo pelo decreto nº 2271/97. “Pretendeu-se, de fato, substituição considerável da execução das atividades inerentes às categorias funcionais do órgão pelo serviço terceirizado, relegando aos servidores e setores competentes papel coadjuvante, secundário, não obstante tenham sido os mesmos aprovados após rígidos processos seletivos”, ataca o procurador na ação.
Um alto funcionário de uma das comissões do Senado informou ao site que as transcrições da Steno não são “confiáveis”. Em alguns casos, expressões importantes dos textos, que seriam enviados até mesmo para a Polícia Federal, ficam de fora do material destinado à análise de sua equipe. “Em outros casos, o prazo de 72 horas, que foi estabelecido, também não é cumprido pela empresa e não há revisão ortográfica”, denuncia o funcionário, que pediu para não ser identificado.
Parecer ao primeiro secretário
Apesar de os pais de Mariana Cruz e a diretoria da Steno negarem qualquer relação com o primeiro secretário do Senado, fontes ouvidas pelo site e a própria ação do MPF citam o senador Efraim Morais (DEM-PB) como responsável pelo contrato. O procurador da República também relaciona a Secretaria das Comissões, chefiada por Cleide Cruz, a mãe de Mariana, como órgão importante para a escolha da terceirização.
Ela enviou um parecer sobre o assunto a Efraim. Na interpretação do procurador, o documento foi decisivo para a contração de uma empresa de estenotipia – a transcrição eletrônica de áudios. Diz o parecer:
“Não se está aqui, como também não se esteve em momento algum passado, defendendo a causa da extinção do serviço taquigráfico no Senado Federal. Sua marca principal, a da tradição, combinada, outrossim, à sua idoneidade, deve ter lugar próprio. Caso assim não fosse, esta Casa não teria razões para dele continuar a se servir. Entretanto, como dissemos, acima, o critério da celeridade da informação foi o derradeiro condão para estabelecer, no âmbito das Comissões, a determinação de substituí-lo pelo serviço estenográfico.”
Cleide confirmou ao site sua opinião favorável à terceirização do serviço. “Uma ata que era para sair em até 48 horas, saía no final do mês. E CPI você sabe como é. Para tomar um depoimento, é preciso saber o que outra pessoa disse no anterior”, destacou.
Ao Congresso em Foco, Efraim Moraes disse desconhecer a ação do MPF que pede a anulação do contrato e ressaltou não ser o responsável pela contração da Steno e da filha dos servidores do Senado.
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