Lúcio Lambranho
Considerada polêmica desde que foi assinada pelo presidente Lula, a medida provisória que regulamenta o cultivo de transgênicos em unidades de conservação tornou-se ainda mais controversa com a redação dada pelo relator, o deputado Paulo Pimenta (PT-RS).
Apesar de ter mantido todas as recomendações do governo, o relator alterou geneticamente o texto do Executivo ao incluir dois novos artigos na MP 327/06: um que facilita a liberação comercial dos organismos geneticamente modificados e outro que restringe a abertura do comércio aos domingos (leia mais). A inclusão desse segundo item, que nada tem a ver com o objeto da medida provisória, é conhecida como "contrabando" na gíria legislativa.
Acolhendo sugestão da deputada Kátia Abreu (PFL-TO), uma das coordenadoras da bancada ruralista, Pimenta propôs a redução do quorum da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) para decidir sobre a comercialização de transgênicos e seus derivados. Na prática, o texto diminui de 18 para 14, dos 27 integrantes do colegiado de cientistas, o número de votos favoráveis necessários para a liberação da venda de organismos geneticamente modificados (leia a íntegra do parecer do relator).
Leia também
Entrave à liberação
Segundo o relator, a atual exigência de dois terços para liberação comercial desses organismos tem restringido as deliberações da CTNBio. Em seu parecer, o deputado gaúcho cita como exemplo a não autorização do comércio da vacina transgênica contra a doença de Aujeszky, mal que ataca os suínos. Ele lembra que um pedido da multinacional Shering-Plough para venda da vacina foi negado no mês passado, apesar do voto favorável de 17 dos 21 cientistas presentes em reunião. "Ou seja, dos 21 (vinte e um) cientistas presentes, 81% votaram a favor da liberação da vacina, e ainda assim foram derrotados", reclama Pimenta.
O relatório de Pimenta acirra a divergência entre ruralistas e ambientalistas e divide até a própria bancada do PT. O deputado Adão Pretto (PT-RS), um dos fundadores do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, chegou a pedir à bancada a destituição do conterrâneo da relatoria da proposta.
Adão estima que apenas 20 dos 82 deputados petistas devem votar pela aprovação do parecer de Pimenta. "Estamos entregando praticamente a segurança alimentar do país nas mãos das grandes multinacionais. Já pedimos até a troca do relator ao líder da bancada e vamos aguardar os acontecimentos", disse o petista ao Congresso em Foco.
Para Gabriela Vuolo, do ONG internacional Greenpeace, é inaceitável que se mudem as regras da Lei de Biosegurança aprovada pelo Congresso em 2005. "É uma tentativa de mudar a regra do jogo com a bola rolando, fragilizando uma legislação aprovada por esses mesmos parlamentares que votarão essa MP", disse a ambientalista.
Por outro lado, a medida é aplaudida por 20 entidades agropecuárias e por setores da comunidade científica. “O problema é que representantes do governo estão atuando de forma ideológica e não científica prejudicando o avança tecnológico do país. Vem para votação daqui alguns meses a questão das vacinas contra a gripe aviária e a situação pode ser a mesma e complicada”, defende Leila Oda, presidente da Associação Nacional de Biossegurança (Anbio) e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro.
Áreas de conservação
Caso seja aprovada ainda este ano, a MP permitirá, entre outras medidas polêmicas, o plantio de organismos geneticamente modificados em áreas próximas às unidades de conservação como áreas de proteção ambiental (APAs) e nas zonas de amortecimento (faixa de proteção) de parques nacionais.
Além de uma ala do PT, apenas as bancadas do PV e do Psol se manifestaram contra a medida provisória até agora. Na prática, a proposta do governo regulamenta uma distância mínima de 500 metros para o plantio transgênico de soja e de 800 metros para o de algodão também geneticamente modificado em áreas de proteção ambiental.
O texto estabelece também cinco quilômetros para o caso de plantio de algodão transgênico quando existir registro de “ancestral direto ou parente silvestre desse tipo de planta” na unidade de conservação em questão.
Preocupação exagerada
Antes da assinatura da MP, valiam os decretos de criação de cada uma das unidades de conservação. Em alguns deles, no entanto, não havia essa definição. Por isso, era adotada como regra geral a Lei 9.985/200, que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e determinava a distância mínima de dez quilômetros para qualquer tipo de plantio no entorno desse tipo de área de proteção ambiental.
A bancada ruralista argumenta que o uso dessa legislação estava prejudicando agricultores, principalmente dos estados do Paraná e do Rio Grande do Sul, onde as zonas de amortecimentos das unidades de conservação eram de apenas 500 metros. "Proibir essa redução de limite de plantio sem nenhum estudo científico é uma preocupação exagerada dos ambientalistas", defende o deputado Paulo Pimenta.
Suspeita de barganha
O argumento do relator, porém, não convence o líder do Psol, deputado Chico Alencar (RJ), que lança suspeitas sobre a MP. "Pesa sobre essa MP uma barganha absolutamente inaceitável com relação ao governador de Mato Grosso. Isso não é uma acusação formal, mas uma suspeita preocupante. Nós entendemos que qualquer matéria sobre transgênicos deva estar revestida do princípio da precaução e do rigor máximo. E a MP promove ao contrário, mas nosso papel é denunciar e resistir", disse Alencar.
No segundo turno da eleição presidencial, o presidente Lula foi acusado pela oposição de liberar R$ 1 bilhão para a comercialização da safra de soja em troca do apoio político do governador reeleito de Mato Grosso, Blairo Maggi (sem partido).
Apesar da resistência, as próprias lideranças do PV e do Psol admitem que têm pouca força para resistir às investidas da bancada ruralista. Esse grupo, que representa os interesses do agronegócio brasileiro, é composto por cerca de um quarto dos 513 deputados (leia mais).
A MP ainda será analisada pelos senadores assim que for votada pelos deputados antes de seguir para sanção presidencial. A MP 327/06 chegou a ser incluída na pauta de ontem da Câmara, mas perdeu a preferência durante as negociações para votação da medida provisória que destinou R$ 1,9 bilhão para os estados exportadores como compensação pelas perdas decorrentes da Lei Kandir. O líder do PFL, Rodrigo Maia (RJ), avisou que seu partido não aceitará votar outro item antes de o Plenário deliberar sobre a 327.