Não foi só a emenda que autoriza a construção do “parlashopping” – com foi apelidada a ideia de construir um centro comercial no Parlamento – que enfureceu senadores na última quinta-feira (28), durante a discussão e aprovação da terceira ação legislativa do ajuste fiscal, a polêmica Medida Provisória 668/2015. Isenção para igrejas, recuperação judicial de empresas e compensação para bancos também compõem o rol de textos enxertados na matéria. Mas a prática pode ser extinta em breve.
A construção do shopping foi encaminhada via “jaboti”, como são chamados os assuntos estranhos, ou “contrabandos” de texto ao objeto central daquelas proposições do Executivo, foi mais uma das emendas patrocinadas pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), quando da tramitação naquela Casa. Dos 107 dispositivos extras sem qualquer ligação com o tema da MP, que seguiu para sanção, nove foram mantidos e podem ser vetados pela presidenta Dilma Rousseff. Uma emenda dada como alvo certo do veto é justamente a do parlashopping, que custaria cerca de R$ 1 bilhão.
Líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB) lembrou que, quando foi encaminhado ao Congresso, o texto da MP 668 tinha apenas quatro artigos. “Depois de tramitar pela Câmara, ele volta ao Senado com 27 artigos!”, protestou o tucano.
Mas a ira dos senadores com o parlashopping pode ser resumida na fala de um deles, que chegou a falar em “motel” no Congresso. “Só vai faltar qualquer dia desses, senhor presidente – desculpem-me particularmente as senadoras –, nós recebermos aqui uma medida provisória que acrescenta a construção de um motel!”, vociferou Jader Barbalho (PMDB-PA), acrescentando que devolveria a medida para Eduardo Cunha se fosse presidente do Senado. “Ele que vá construir parlashopping, um hotel, o que ele quiser construir, mas ele não poderá construir à custa do conceito das instituições brasileiras e, particularmente, do Congresso Nacional. É um absurdo!”
A MP 668 altera a lei de aumento de alíquotas da contribuição para o PIS/Pasep-Importação e da Cofins-Importação, com o objetivo de aumentar a arrecadação do governo. E, destinada ao ajuste fiscal em um momento de crise político-econômica que já foi mais aguda, provocou reações do próprio Renan.
Já há alguns meses no papel de verdadeiro oposicionista a Dilma, mesmo integrando a base, Rena anunciou a busca de providências, junto à Secretaria-Geral da Mesa, para separar das medidas provisórias assuntos estranhos inseridos no texto original, durante a tramitação em comissões especiais, que preparam essas matérias para os plenários das duas Casas. Os jabutis que, por ventura, vierem a ser aprovados na Câmara, passariam a tramitar de forma separada, por meio de projeto de lei.
Em separado
Tão logo o texto da MP 668, aprovado em votação simbólica, foi encaminhado a sanção, senadores começaram a tomar providências, paralelamente àquela anunciada por Renan. Walter Pinheiro (PT-BA), por exemplo, foi ao presidente da Casa e sugeriu-lhe novo tratamento aos contrabandos, no que foi atendido.
Walter sugeriu que, em vez de modificar o texto, o que provoca retorno à análise da Câmara, os jabotis poderiam ser examinados separadamente e, assim, manter o rito de tramitação das medidas provisórias em plenário. “A parte que é estranha a uma medida provisória deverá ser objeto de análise em separado na Comissão de Constituição e Justiça. Essa é uma prerrogativa do presidente da Casa, Renan Calheiros, a quem alertei durante a votação da MP 668”, afirmou o petista, para quem o expediente já foi empregado em outras ocasiões.
“O presidente do Senado poderia ter feito essa correção. Fiz esse alerta ao Renan na Mesa. Ele poderia ter cumprido a resolução que dá a ele a garantia de, liminarmente, enviar à apreciação da CCJ, em separado, todas as emendas estranhas e votar apenas a proposta. Iniciativa similar adotamos com a PEC ‘Paralela’ da Previdência”, completou o senador, lembrando que o próprio Cunha já ordenou a retirada de um “corpo estranho” constituído de 14 artigos estranhos à mesma MP 668.
A quase unanimidade contra os jabotis, principalmente o referente ao parlashopping, foi reforçada até pelo líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS). “É importante registrar que não há, absolutamente, problemas na medida provisória quanto ao mérito, quanto à admissibilidade. Nós estamos falando aqui dos contrabandos. Eu conversei com algumas lideranças aqui, também, e nós vamos fazer esse trabalho minucioso, até para sugerir para a presidenta Dilma o veto de algumas barbaridades que foram colocadas nesta Medida Provisória 668”, disse o petista.
Confira a lista de jabutis da MP 668:
– permite que Câmara e Senado firmem parcerias público-privadas (PPPs) para construir obras públicas, como o “parlashopping”;
– autoriza entidades do Sistema S a ceder servidores publicadores, passando a poder preencher seus cargos de direção com servidores públicos federais cedidos, sem ônus financeiro para a União – a remuneração será custeada pela entidade cessionária;
– isenta igrejas e templos reconhecidos como tais das contribuições previdenciárias ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), incidentes sobre o pagamento de padres, pastores, ministros e demais integrantes do respectivo grupo religioso;
– permite aos bancos que passaram por intervenção ou liquidação extrajudicial compensações por prejuízos fiscais com lucro futuro;
– aumenta de 84 para 120 meses o prazo para que empresas em procedimento de recuperação judicial parcelem seus débitos com a Fazenda;
– dá a contribuintes a alternativa de recorrer a valores de depósito judicial para pagamento de pedágio imposto em parcelamento de dívidas com a União;
– muda o modelo de aproveitamento de créditos presumidos do PIS e da Cofins de empresas ou cooperativas que adquirem ou recebem leite in natura de produtor pessoa física ou cooperados;
– concede novas modalidades de isenção de tributos da União à Companhia Imobiliária do Distrito Federal, a Terracap; e
– inclui cidades de Alagoas, Ceará e Paraíba na lista de municípios do semiárido aptos a receber recursos do Fundo Constitucional do Nordeste.