A presidenta Dilma Rousseff passou de ano “raspando” em sua estréia no cargo mais importante do país, na avaliação da comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestis). Apesar de ter prometido em sua campanha eleitoral que lutaria para garantir o respeito aos direitos humanos, inclusive os dos homossexuais, Dilma não conseguiu avançar em seu primeiro ano, segundo lideranças do movimento. Para eles, a presidenta cedeu a pressões de setores religiosos e não se abriu para as reivindicações da comunidade. Uma postura bem diferente da adotada pelo ex-presidente Lula, mais aberto ao diálogo e receptivo aos pedidos dos homossexuais, observam representantes de entidades ligadas à causa.
No último ano do governo Lula, o Ministério da Fazenda, através de uma portaria, estendeu o direito de declaração conjunta para casais homossexuais, inclusive para fins de Imposto de Renda. O ex-presidente ainda atendeu a uma reivindicação do movimento ao instituir 17 de maio como o Dia Nacional de Combate à Homofobia. Foi durante seu último mandato também que se viabilizou a 1ª Conferência Nacional de Políticas Públicas e Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – LGBT, realizada em junho de 2008, que contou com a presença do ex-presidente durante o evento de abertura.
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“Bullying homofóbico”
Na contramão do ex-presidente, Dilma começou o mandato desagradando ao movimento LGBT. Em maio, seu quinto mês de governo, a presidenta suspendeu a produção e distribuição de materiais para o projeto Escola sem Homofobia, que previa a entrega de kits com cartilhas e vídeos para combater o bullying homofóbico em escolas da rede pública. “A homofobia é um problema grave nas escolas e algo precisa ser feito. Lamentamos o fato, porque foram oito meses de discussão sobre o projeto”, explica Toni Reis, presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transsexuais (ABLGT).
Ele atribui o recuo da presidenta às pressões feitas pela bancada evangélica da Câmara. Na época, o grupo composto por 74 parlamentares ameaçou obstruir a pauta do Congresso, além de votar a favor da convocação do então ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, para prestar esclarecimentos sobre sua evolução patrimonial, motivo que o levou a ser demitido da pasta. “É uma bancada muito expressiva. Tenho medo de que ela [Dilma Rousseff] fique refém deles. Isso só prejudicaria a elaboração e a execução de políticas públicas importantes”, afirma Toni Reis. O ativista atribui nota 7,5 ao primeiro ano de Dilma Rousseff. “Ela passou, mas passou raspando”, considera.
Vaias a Dilma
A suspensão do kit gerou uma onda de vaias e protestos contra a presidenta durante as principais paradas gays do país. Em São Paulo, cidade que sedia o maior evento desse tipo no mundo, ativistas da causa e simpatizantes vaiavam a presidenta a cada vez que seu nome era citado pelos organizadores.
Em dezembro do ano passado, durante a abertura da 2ª Conferência Nacional de Políticas Públicas e Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – LGBT, realizada em Brasília, militantes novamente vaiaram a presidenta, que foi representada pelos ministros Gilberto Carvalho (Secretaria da Presidência da República), Maria do Rosário (Secretaria de Direitos Humanos) e Luiza Bairros (Igualdade Racial). Os participantes entoavam o grito “Dilma, que papelão, não se governa com religião” e, em diversos momentos, chamavam pelo nome do ex-presidente Lula.
Para a pesquisadora do Observatório de Sexualidade e Política – ABIA, Jandira Queiroz, a posição do governo não é explícita, mas é perceptível. “Para o governo é: vamos tentando negociar o mínimo, dizendo que é muito”. Ela acredita que muito do que foi feito para avançar nessa causa veio de decisões do Judiciário, independentemente do Legislativo e do Executivo.
Para Toni Reis, o ex-presidente Lula foi um bom entendedor da causa LGBT. “Lula foi um grande presidente para nós. O diálogo dele com os movimentos sociais era mais tranquilo. Ele nos entendia muito bem e nos recebia para que pudéssemos apresentar nossas propostas. Já no caso da presidenta Dilma, nós já pedimos diversas audiências com ela, mas ainda não fomos recebidos. Inclusive, ela não recebeu o conselho e não participou da conferência”, conta Toni.
Engrossando a voz
Apesar do atual distanciamento com a Presidência, o presidente da ABLGT acredita que as portas com o Planalto não estão completamente fechadas. O problema, aponta ele, é que o diálogo não evolui. “Nós encaminhamos projetos, mas eles não vão adiante. Neste ano, vamos engrossar a nossa voz com ela, que infelizmente não está a contento”.
Para Toni, a diferença de relações advém das experiências de cada um. “Dilma não veio de um movimento social como Lula veio. Ela é uma pessoa política, mas não tem esse traquejo para lidar com os movimentos sociais”, observa. Ele também acredita que a pressão da bancada evangélica foi fundamental para impedir que a presidenta apoiasse outras pautas defendidas pelo movimento
Jandira, porém, tem visão menos positiva em relação a Lula. Para ela, assim como Dilma, o governo do ex-presidente também deixou a desejar nas políticas públicas voltadas para os direitos LGBT. “A presidenta Dilma [Rousseff] está dando continuidade ao projeto do governo anterior, uma política iniciada nos idos de 2001, que significa dar ‘doce na boca’ dos movimentos sociais para que não reclamem. Além do mais, o governo federal tem assumido posturas claramente cristãs, claramente influenciadas pelas bancadas cristãs no Congresso, e isso inclui tanto católicos quanto neopentecostais”, avalia.
PL da Homofobia
Tema polêmico, a discussão em torno do projeto que criminaliza a prática da homofobia ainda não saiu do papel. Apresentado em 2006, o projeto tramita na Comissão de Direitos Humanos do Senado, e estava previsto para ser votado na Comissão de Direitos Humanos do Senado no final do ano passado. Mas, devido à falta de acordo entre os senadores, a relatora do projeto, Marta Suplicy (PT-SP), pediu o reexame da matéria e adiou, assim, a votação. Ela admitiu que o pedido foi uma forma de evitar a rejeição da proposta pelos colegas e tentar outro acordo.
“Estava empatada [a votação], portanto, poderia ser aprovado ou não. Achei que por segurança deveria pedir reexame”, disse na época. O PLC 122 ainda não tem data definida para ser votado, mas a relatora deverá reapresentá-lo na volta dos trabalhos legislativos.
Toni Reis prevê uma “batalha muito difícil” para a aprovação da Lei da Homofobia, mas espera que a sociedade se mobilize para apoiar o projeto. “Os fundamentalistas estão muito bem organizados. É uma bancada fechada que luta contra os direitos humanos de nossa comunidade LGBT. Mas tenho esperança de que dará tudo certo”, disse. Ele acredita que a presidenta sancionará sem vetos a lei caso o texto seja aprovado pelo Congresso. “Ela não será contrária a essa matéria, até porque vários ministros têm se posicionado favoravelmente. E aí, sim, ela ganhará mais pontos conosco”, afirma.
Para Jandira, a possibilidade de aprovação do projeto é pequena. “O texto apresentado é fruto de negociações da senadora Marta Suplicy, nossa aliada, com representantes da bancada evangélica, cujo maior interesse é garantir que os direitos LGBT não sejam reconhecidos jamais, ou seja, é óbvio que o texto não contempla os desejos do movimento LGBT, e ainda acaba contemplando os desejos dos homofóbicos de plantão”, considera.
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