Parlamentares licenciados para exercerem o cargo de ministros na Esplanada continuaram usando cotas de passagens aéreas fornecidas pela Câmara. José Múcio Monteiro (Relações Institucionais), Geddel Vieira Lima (Integração Nacional), Reinhold Stephanes (Agricultura) usaram esse mecanismo 64 vezes após a posse.
Após ter assumido um cargo no Palácio do Planalto, em 22 de novembro de 2007, o ministro José Múcio (PTB-PE) utilizou 54 vezes a verba disponível a ele quando ainda era o líder do governo na Câmara. Reinhold Stephanes se valeu do mecanismo 15 vezes depois de entrar para o time da Esplanada dos Ministérios e se licenciar da Câmara.
De acordo com o Ato 42 da Mesa da Casa, de 2000, os parlamentares não podem utilizar a cota de passagens aéreas quando seu suplente estiver em exercício.
“Art. 3º. Perderá o direito à cota o parlamentar titular: […] II – cujo suplente encontrar-se no exercício do mandato.”
O artigo seguinte prevê a devolução do valor equivalente ao crédito utilizado pelos deputados licenciados em passagens aéreas.
“Art. 4º Deverá ser restituída à Câmara dos Deputados, mediante desconto em folha ou crédito bancário, proporcionalmente aos dias de mandato não exercido, a importância correspondente à cota eventualmente utilizada nas condições apontadas nos incisos I e II do art. 3º.”
Ao contrário de Múcio e Stephanes, o ministro da Secretaria da Igualdade Racial, o deputado licenciado Edson Santos (PT-RJ), encerrou o uso da cota de passagens no dia em que assumiu o posto no Palácio do Planalto. A última passagem emitida às custas do crédito dele foi em 20 de novembro. O passageiro foi Edmilson Souza, que voou pela Varig de Brasília para o aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro.
As informações constam de registros das companhias aéreas TAM, Gol e Varig sobre viagens feitas com as cotas parlamentares dos deputados entre janeiro de 2007 e o início de 2009, às quais o Congresso em Foco teve acesso.
O próprio
Das 54 viagens pela cota de José Múcio Monteiro, apenas cinco delas tiveram o próprio ministro como passageiro. Os voos fazem a ligação de Brasília com São Paulo (Congonhas e Guarulhos), Rio de Janeiro (Galeão), Recife e Porto Alegre.
Depois de tomar posse, existem 7 viagens em nome de pessoas identificadas como parentes do ministro. São eles: o filho José Monteiro Neto, o genro João Leal, o sobrinho Fernando Monteiro e o primo Rômulo Monteiro.
Os bilhetes destinam os transportados para Recife, Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, Campinas. A maioria das viagens da cota de Múcio foi feita pela Varig (41 voos). Pela TAM, são 12 bilhetes e apenas um pela Gol.
Mais parentes
Os quatro voos na cota de Geddel Vieira Lima são da Gol, no trajeto Brasília–Salvador. No dia 9 de julho de 2007, viajaram sua mulher, Alessandra, Lima, e as filhas Mariana e Juliana. Também voou Ana Paula Santos, que não foi identificada pela reportagem.
O ministro Reinhold Stephanes usou sua cota parlamentar para transportar várias pessoas pela Gol. A mulher, Cristina Angélica Batistuti Stephanes, diretora de Operações da Agência de Fomento do Paraná, voou em 11 de maio e em 29 de junho de 2007, de Curitiba para Londrina.
Em 23 de julho daquele ano, foi emitida uma passagem para Cristina de Brasília a Guarulhos.
A filha do ministro Mylene Stephanes, gerente de Atendimento do Hospital Cardiotrauma de Ipanema, no Rio de Janeiro, viajou com a cota do pai. Um bilhete foi emitido em 28 de junho de 2006, do Rio para Curitiba. E 23 de julho, de Curitiba a Guarulhos.
Um assessor de Stephanes no Ministério da Agricultura, Plínio Rosa Filho, também voou com a cota parlamentar do deputado licenciado. Ele fez a rota Brasília–Curitiba em 15 de junho de 2007 e em 20 de setembro daquele ano. Os voos foram de ida e volta.
Crédito
Os três ministros têm a mesma resposta para justificar o uso da cota após se licenciarem da Câmara. Stephanes, Geddel e Múcio informam por meio de suas assessorias de imprensa que os bilhetes foram usados por créditos gerados a partir de suas cotas durante o exercício do mandato de deputado.
“Informo que desde que se licenciou do cargo de deputado federal, o ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, não mais recebeu cotas de passagem da Câmara. Ao se licenciar, o ministro transformou o seu saldo de passagem em crédito MCO. Portanto, ele usou este crédito pessoal, não cometendo nenhuma irregularidade”, diz nota do Ministério das Relações Institucionais.
Os três ministros dizem não ver problema em utilizar a cota parlamentar em viagem de parentes. Eles alegam que podem usar as cotas livremente após o recebimento do crédito da Câmara e negociar a emissão das passagens diretamente com as companhias aéreas.
O Congresso em Foco procurou o presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Sepúlveda Pertence. Pertence preferiu não comentar a conduta dos ministros licenciados.