O ministro da Secretaria Especial para Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Edson Santos, negou que pretenda retirar do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) a competência de demarcar terras de comunidades remanescentes quilombolas.
Em resposta à matéria publicada pelo Congresso em Foco no último dia 16 (leia), que revela a pressão da bancada ruralista para tirar o instituto do processo de titulação, o ministro, por meio de sua assessoria, disse que defende a gestão de regularização fundiária estabelecida pelo Decreto 4.887/2003, que, entre outras coisas, considera o Incra o órgão condutor do processo de demarcação dessas terras.
Conforme mostrou o site, o ministro, pressionado por ruralistas, estaria estudando alterar o item que retira as atribuições do Incra e modificar outros artigos do decreto. Edson Santos chegou a fechar um acordo com o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado Valdir Colatto (PMDB-SC), para ele retirasse de pauta o projeto de decreto legislativo que suspende o Decreto 4.887 e, em troca, o ministro atenderia às exigências em relação a modificações na legislação quilombola.
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Entre as alterações, além do item do Incra, os ruralistas querem que seja suprimido do decreto o critério de “territorialidade”, pelo qual os remanescentes quilombolas definem a abrangência de suas terras. De acordo com o parágrafo 3º, do artigo 2º do decreto, para medir e demarcar sua terra a comunidade deve indicar o espaço necessário para garantir sua reprodução física, social, econômica e cultural, e não apenas a área ocupada pela comunidade. Esse critério é considerado muito subjetivo pelos ruralistas.
“O decreto abriu um leque ilimitado para as pessoas que se dizem descendentes de quilombolas. Em vez de identificar as áreas que elas estão ocupando, elas identificam a área necessária para a manutenção de sua cultura. Isso abrange propriedades privadas, indústrias, vilas”, criticou o deputado Valdir Colatto.
Mudanças
Na nota, o ministro Edson Santos considerou ainda que qualquer alteração no decreto será feita apenas “mediante diálogo com a sociedade civil”. Na reportagem, o Congresso em Foco mostrou que, apesar de vários encontros entre o presidente da Frente da Agropecuária e o ministro já terem ocorrido, as entidades que defendem os interesses quilombolas ainda não haviam sido procuradas para debater as eventuais mudanças.
Naquela ocasião, o coordenador-executivo da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), Ronaldo dos Santos – uma das entidades mais atuantes na defesa dos interesses dos remanescentes de quilombos –, disse que os descendentes não abrirão mão de demarcarem seus territórios por meio de um critério mais abrangente. Ronaldo afirmou ainda que o movimento não tem interesse em retirar do Incra o processo de titulação.
“Lamentavelmente, a Seppir tem se dado ao direito de tomar decisões sem dialogar com o movimento, o que vem a ferir os direitos das comunidades remanescentes quilombolas. A gente torce muito para que essas mudanças não tenham a velocidade que costumam ter. Essas mudanças costumam vir como rolo compressor”, lamentou Ronaldo. À época da publicação da matéria, a Seppir foi procurada para dar seu posicionamento, mas não deu retorno. (Renata Camargo)
Leia abaixo a íntegra da resposta da Seppir:
“A Seppir reafirma o compromisso contínuo com a garantia dos direitos das comunidades remanescentes de quilombos no Brasil. A Secretaria atua para que as políticas públicas existentes no âmbito do Programa Brasil Quilombola, inclusive a de regularização fundiária, efetivem a concreta melhoria das condições de vida dos quilombolas brasileiros.
Defendemos de modo enfático a gestão de regularização fundiária legalmente estabelecida no Decreto 4887/2003, cuja atribuição de executar os processos de reconhecimento, demarcação e titulação das terras das comunidades remanescentes de quilombo cabe ao Incra, dando conseqüência ao disposto no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal. Esse procedimento marca um dos pilares da política de promoção da igualdade racial no Governo Federal, que é a política para as comunidades remanescentes de quilombos.
O Governo Federal reconhece o direito à Consulta Pública às comunidades quilombolas, em conformidade com a Convenção 169 da OIT, caso haja alteração de legislação de tema relacionado às mesmas. Exemplo disso foi a Consulta Pública realizada pelo Governo Federal junto às comunidades quilombolas referente à alteração da Instrução Normativa do Incra, que contou com a participação de aproximadamente 300 quilombolas indicados pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas.
Desse modo, em respeito às legislações existentes, qualquer alteração no decreto será feita apenas mediante diálogo com a sociedade civil. A discussão existente no Congresso Nacional é, como todo debate, saudável e acompanhada de perto por esta Secretaria que, no entanto, rejeita qualquer retrocesso nas conquistas já alcançadas e em iniciativas que ponham em risco a implementação de políticas públicas voltadas para a população brasileira das comunidades quilombolas. Todo e qualquer diálogo sobre o tema é feito a partir dos princípios e direitos já adquiridos.”
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