Entrevistado pelo Estadão, o titular da Advocacia-Geral da União, Luís Inácio Adams, voltou a admitir que existiram mesmo as chamadas pedaladas fiscais (atrasos nos repasses do Tesouro para maquilar as contas federais). Eis duas respostas significativas que ele deu:
“Se o TCU entender que é correto, vamos continuar (sic!) fazendo. Mas somente se o TCU aprovar as contas e não fizer qualquer ressalva à prática. Se houver ressalva, nós vamos nos adaptar, como já nos adaptamos”.
“Se for para revisar o passado, temos de condenar (sic!) todo mundo. Não dá para escolher a condenação. O Direito não admite isso. Segurança jurídica é isso: as pessoas assumem comportamentos de acordo com premissas que orientam seu presente [no caso de governos, não deveria ser de acordo com a letra da lei?]. Qualquer mudança de premissa vale para o futuro”.
Ou seja, confirmou a avaliação que o combativo site Congresso em Foco fizera da defesa que o governo entregou ao TCU. Foi a fonte de meu post O governo justifica (?) as pedaladas fiscais: “todos faziam”, “foi por períodos curtos”… simplesmente por tratar-se da primeira notícia que entrou no ar sobre o arrazoado da AGU. Confiante na integridade jornalística do Sylvio Costa e sua equipe, aceitei a conclusão a que chegara e me dei bem: estava corretíssima.
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No site Brasil247, um jovem, dizendo-se analista do Ministério da Fazenda de Portugal, comentou tratar-se de “um texto pobre, feito a partir de catados do que foi publicado na grande mídia”, “uma vergonha”. Segundo ele, “o assunto é extremamente complexo, exige um amplo conhecimento de Administração Financeira e Orçamentária”.
Evidentemente, não cabia a mim nem interessava à grande maioria dos meus leitores o destrinchamento de tais complexidades. O chocante foi os governos do PT estarem mais uma vez batendo na tecla de que apenas fizeram o que outros faziam sem problemas.
PublicidadeTirando a habitual enrolação dos burocratas, que justificam sua própria existência ao fazerem coisas simples parecerem complexas e requererem grande especialização por parte de quem lida com elas, o que temos é o seguinte: o governo era obrigado a transferir recursos para seus destinatários em tais e quais datas, mas atrasava os repasses para, digamos, não ficar alguns dias no vermelho. Em suma, por “períodos curtos”, fajutou sua contabilidade, apresentando despesas menores do que elas deveriam ser, induzindo a erros o mercado financeiro e iludindo os especialistas em contas públicas.
É correto um governo agir assim? Não. É lícito? Não.
Se era incorreto e ilícito, mas antes o TCU deixava barato, um governo do PT deveria aproveitar para fazer o mesmo? Não, mil vezes não!
Adams parece pretender que, antes de pautar-se pelo estrito cumprimento da chamada Lei de Responsabilidade Fiscal, vigente desde o ano de 2000, o TCU deveria mandar um comunicado ao governo: “até agora consentimos na retenção indevida de recursos por períodos curtos, mas a partir de hoje nos guiaremos pela lei, como deveríamos estar fazendo há 15 anos”.
Meio ridículo, não? Tenho a impressão de que, numa vara comum da Justiça, uma defesa dessas poderia até levar o magistrado a encerrar abruptamente o processo, por considerá-la uma admissão de culpa.
De resto, alguns leitores talvez estranhem meu súbito interesse por algo que jamais abordara, as tais pedaladas. Na verdade, há muito tenho a certeza de que, com a popularidade da presidenta Dilma Rousseff no fundo do poço por causa da recessão do Levy, o impeachment acabará mesmo acontecendo, com uma ou outra justificativa. Esta é uma possibilidade, há muitas mais a serem tentadas, até que alguma cole.
É mais um erro crasso dos trapalhões do Palácio do Planalto, este de darem tanta importância às filigranas jurídicas e tão pouca ao principal: a reconquista do apoio popular, o que implicaria uma mudança imediata na política econômica. Dilma não cairá ou deixará de cair por causa dos textículos legais, mas sim por ter ou não o respaldo das ruas. É simples assim.
Mas, sempre me irritou profundamente o amoralismo para o qual o PT descambou ao assumir governos. O espírito de Justiça passou a valer um zero à esquerda, o que conta é a Lei e as brechas existentes para contorná-la, inclusive o fato de uma prática ilegal estar ou não sendo coibida (enquanto for tolerada, por que não surfar também na mesma onda?).
É contra isto que me bato. Estarei sempre defendendo a prevalência dos princípios sobre todo o mais: a realpolitik, as conveniências de cada momento, as imposições dos mais fortes, etc.
Pois, para mim, são os princípios, a determinação de guiar-se por eles e defendê-los em quaisquer circunstâncias que definem um revolucionário.
* Jornalista, escritor e ex-preso político. Edita o blogue Náufrago da Utopia.