Permanece um mistério o suposto repasse, “a fundo perdido pela União”, de parte dos US$ 692 milhões emprestados pelo Brasil para Cuba modernizar o porto de Mariel. A obra foi executada pela Odebrecht, que já recebeu 70% do valor. Na quarta-feira (27), após a revelação do Congresso em Foco, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) disse que “não pode comentar” ou responder se houve ou não investimento a fundo perdido, ou seja, sem obrigação de ser pago pelos cubanos, uma espécie de subsídio.
Ao mesmo tempo, o presidente do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, garantiu que a sua instituição não fez qualquer tipo de empréstimo com dinheiro a fundo perdido no porto. Ele fez a negativa duas vezes, na reunião da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara, ontem, quando os deputados o questionaram sobre a reportagem veiculada no site. “Não há nenhum recurso a fundo perdido na operação”, declarou o presidente do BNDES.
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De acordo com o termo que decretou o sigilo de todos os papéis do negócio, documento elaborado pelo MDIC e assinado pelo então ministro Fernando Pimentel, o financiamento a Cuba deveria envolver US$ 600 milhões, com “condições específicas de acordo com cada projeto priorizado pelo governo cubano”. O mesmo documento informa as condições de financiamento e explicam o custo da operação. Está incluída uma “parcela” de recursos do Programa de Financiamento à Exportação (Proex) “paga (a fundo perdido pela União) para reduzir esse custo”. O agente desse programa é o Banco do Brasil.
Ao sair da reunião na Câmara, Luciano Coutinho disse ao Congresso em Foco, primeiramente, que, no projeto específico de Mariel, não houve aporte de recursos por meio do Proex, como mencionado no documento do ministério. Depois, afirmou não ter certeza se outra instituição financeira poderia ter feito isso. “Eu não sei. O BNDES não opera o Proex. Se algum outro banco operou, não sei responder. Não tenho elementos aqui pra responder se houve ou não operação. Não sei o que o ministério falou. Prefiro não comentar.”
Alegando sigilo, o MDIC não explicou por que o financiamento passou de US$ 600 milhões para US$ 692 milhões, nem por que o termo menciona período de “quatro anos”. Também não se manifestou sobre a taxa de juros aplicada e o número de prestações do negócio. Não se sabe se existem, além do porto de Cuba, outros projetos abarcados pela negociação relatada no termo de sigilo, o que poderia justificar, por hipótese, uma proposta ter dinheiro subsidiado e outra não. Ontem, Coutinho chegou a dizer que “o governo cubano está honrando os contratos absolutamente em dia”.
Tesouro
PublicidadeSe o governo não se explica, a oposição especula. O deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) acredita que o mais provável é que, do caixa do BNDES, nada foi subsidiado. “O dinheiro saiu do Tesouro”, afirma ele, parlamentar que atua na área de economia e finanças há 40 anos.
O autor do pedido de audiência com Coutinho, o deputado Carlos Brandão (PSDB-MA), disse ser preciso esclarecer melhor o caso da suposta parcela a fundo perdido. “Senão, é ação social. Qual o tamanho da parcela?”, disse ele ao Congresso em Foco.
A assessoria do ministério disse ao site que, até esta quarta-feira (28), irá comentar ou não se existiu, e qual a dimensão, do eventual investimento em Cuba da fundo perdido ou a existência de algum tipo de subsídio.
Escolha da Odebrecht
Na audiência na Câmara, o presidente do BNDES reafirmou que os recursos são pagos em reais à Odebrecht no Brasil, e não ao governo cubano. Ou seja, há geração de emprego e renda no país, apesar de o porto ficar no território estrangeiro. E, pelo acordo Cuba pagará ao banco, em dólares, à medida que for quitando o financiamento. “A exportação de serviços de engenharia é uma coisa nobre. Agrega emprego de qualidade aqui no Brasil”, explicou Luciano Coutinho
Para fazer a obra, o governo de Cubano, dos irmãos Fidel e Raul Castro, escolheu a construtora. Luciano Coutinho disse ignorar qual o critério de seleção ou se houve uma licitação nos moldes do Brasil. “Não sei como se operou a escolha”, disse. “Provavelmente, foi uma escolha administrativa, que é diferente do nosso sistema de licitações. É uma escolha soberana. Não cabe questionar como um governo escolhe”, afirmou.
Depois, o BNDES financiou o empreendimento de US$ 957 milhões com US$ 692 milhões (R$ 1,5 bilhão), repassando os valores integralmente à Odebrecht. Mas os detalhes da operação, como garantias e prazos de pagamento, são mantidos em sigilo pelo Brasil, como taxa de juros, condições específicas de financiamento, prazos de pagamento e de carência.
O deputado e ex-ministro do governo Pepe Vargas (PT-RS) criticou a oposição por questionar os repasses para construção de empreendimentos no exterior e em Cuba. “A oposição quer fazer política externa com preconceito ideológico. Se uma empresa ganhou licitação internacional, cabe ao governo apoiar”, disse.
“Questionamentos desnecessários”
Por determinação do então ministro do Desenvolvimento Fernando Pimentel, todos os papéis para se definir os financiamentos para Cuba foram considerados sigilosos durante um período de 15 anos, renováveis por mais 15. Como mostrou o site, o BNDES já repassou R$ 1 bilhão do empréstimo para a modernização do porto à construtora Odebrecht. Falta o equivalente a R$ 500 milhões. Para Pimentel, a revelação dos detalhes do acordo “põe em risco as relações internacionais do Brasil” e pode “levantar questionamentos desnecessários”.
Como revelou o site, depois de iniciada a obra, a Odebrecht emprestou R$ 3 milhões para uma consultoria que ganharia um contrato para inspecionar as estruturas. A dívida não foi paga e a fornecedora ganhou mais R$ 3,6 milhões, enquanto um email mostra a devolução dos valores recebidos. A empreiteira nega a autoria da mensagem, e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras vê possibilidade de “desvio de recursos públicos”.
Odebrecht financia fornecedor de obra do porto de Cuba
Dados do BNDES mostram que, no ano passado, a instituição teve lucro líquido de R$ 8,15 bilhões. A inadimplência foi de apenas 0,01%. Esse índice foi enfatizado por Luciano Coutinho hoje.
Os esclarecimentos do Ministério
1) O termo de classificação sobre a determinação de sigilo fala em recursos “a fundo perdido” nos custos do financiamento a Cuba. Isso significa que parte dos valores emprestados a Cuba foram subsidiados? Significa o quê exatamente?
Reposta: O termo de classificação não fala em recurso “ a fundo perdido”. Foram classificados, nos termos da Lei de Acesso à Informação, os documentos referentes às negociações para concessão de financiamento do Brasil ao Governo de Cuba, cuja divulgação possa comprometer a condução de outras negociações e as relações internacionais do Brasil.
[Nota da redação: na verdade, o documento trata, sim, do assunto. Confrontada com o fato, assessoria do MDIC disse que “não poderia comentar” o tema]
2) Quanto foi subsidiado?
Reposta: Vide resposta do item 1.
3) A parcela do Proex Equalização, mencionada no termo, tem como agente o Banco do Brasil. O BB também entrou com capitais próprios nesse eventual subsídio? Ou só a União? Por quê?
Resposta: O PROEX Equalização conta com o Banco do Brasil como agente do Tesouro Nacional. As condições para a sua concessão estão dispostas na Lei 10.184/2001 e na Resolução CMN nº 4.063/2012.
4) Afinal, qual foi a taxa de juros efetiva, a carência e o número de parcelas?
Resposta: Informações cobertas pelo sigilo comercial, nos termos do artigo 6º, I, do Decreto 7.724/2012.
5) O termo de sigilo fala em empréstimo de 600 milhões de dólares. Por que se elevou para 692 milhões de dólares?
Resposta: Informação coberta pelo sigilo comercial, nos termos do artigo 6º, I, do Decreto 7.724/2012.
6) O termo de classificação diz que o empréstimo será de “4 anos”. Isso é número de parcelas ou tempo em que os valores serão repassados à medida que a construção é efetuada?
Reposta: Informação coberta pelo sigilo comercial, nos termos do artigo 6º, I, do Decreto 7.724/2012.
7) A oposição no Congresso critica o sigilo do negócio. O MDIC pretende rever o sigilo ou, pelo menos, dos documentos produzidos pelo Brasil na negociação? Por quê?
Resposta: Atualmente, não existe em trâmite no âmbito do MDIC nenhum processo de revisão ou desclassificação de informações, consoante artigo 29 da Lei 12.527/11 e artigo 35 do Decreto 7.724/12.