O deputado Jorginho Mello (PR-SC) acaba de se meter num enredo rocambolesco, às vésperas do Carnaval. O parlamentar, advogado, natural de Ibicaré (SC), tem como reduto eleitoral a região de Joaçaba e Herval do Oeste, onde é considerado “amigo” do samba. E achou natural ser escolhido como homenageado pela Escola de Samba Acadêmicos do Grande Vale, que desfila nas duas cidades, com o enredo “Da Praça do Herval ao Planalto Central, o Negrinho Jorginho, Amigo do Peito do Carnaval” (leia a letra e ouça trecho do samba).
Os tamborins já se aqueciam, quando o Ministério Público Federal (MPF) comandou um breque na bateria, já que a sinopse do enredo constitucional não prevê que autoridade pública deva ser louvada em desfile cultural que receba subsídios de órgãos públicos. A evolução pode ficar ainda mais comprometida quando uma dessas instituições, no caso a Secretaria de Turismo Esporte e Lazer do governo do Estado, tem na regência um filho do homenageado. No caso, o secretário Filipe Mello.
Leia também
A previsão da Liga Independente das Escolas de Samba de Joaçaba e Herval do Oeste (Liesjho) é de que o Carnaval local receba este ano R$ 500 mil do Estado e mais R$ 300 mil da prefeitura de Joaçaba, além de recursos captados por meio da Lei Rouanet, que possibilita a empresas destinarem parte do seu Imposto de Renda para as escolas.
Samba atravessado
No último dia 18, a liga das escolas de samba local recebeu um ofício em que o MPF recomendava que recursos públicos não fossem aplicados para promoção pessoal de autoridade pública, sob pena de ações judiciais.
O samba-enredo atravessou. O homenageado despiu a fantasia de ídolo e correu a recomendar à Acadêmicos do Grande Vale que tomasse as providências para não ser desclassificada ainda na concentração, em pleno esquenta. A decisão ocorreu na virada do ano.
PublicidadeRestou à Escola de Samba Acadêmicos do Grande Vale a tarefa de escolher novo enredo, em cima da hora, já com 90% das fantasias e dos carros alegóricos prontos. Seus artistas têm agora o desafio extra de serem capazes de aproveitar todo o material cenográfico preparado para homenagear Jorginho Mello.
Desafinado
O carnavalesco da agremiação, Jorge Zamoner, disse ao jornal Diário Catarinense que o enredo inicial tinha o objetivo de homenagear o parlamentar pelos serviços prestados ao Carnaval da região. Rebaixado da condição de homenageado, Jorginho afirmou à publicação catarinense que concorda com o MPF e que na verdade sempre trabalhou pela escolha de outro enredo.
Há controvérsias. Uma entrevista divulgada no canal do próprio deputado no Youtube revelou um entusiasmado Jorginho Mello com a escolha de seu nome como samba-enredo.
“Este é o pagamento da minha profissão em ser político, esse tipo de reconhecimento. Isso nos valoriza e diz que a gente está no caminho errado (sic), de luta, de superação, de conquista, de não se entregar, de ser vitorioso, de trabalhar para as pessoas, ser humilde e corajoso. Este é o pagamento. Estou muito feliz. Tomara que seja uma alegria na avenida, que as pessoas vibrem e gostem, independentemente de resultado. Isso, para mim, é maravilhoso”, declarou o deputado no dia 9 de outubro, quando a escola mostrou um pouco do que levaria para a Avenida no Carnaval de Joaçaba 2016 (veja a declaração do parlamentar no final do vídeo).
A festa ocorreu no Teatro Alfredo Sigwalt. No telão, depoimentos de familiares e amigos sobre a trajetória de Jorginho Mello: da infância pobre, vendendo paçoca na Praça da Rede Ferroviária, até se tornar político. Em seu segundo mandato na Câmara, o agora ex-homenageado foi deputado estadual por quatro legislaturas e presidente da Assembleia Legislativa. Em 2009, assumiu interinamente o governo de Santa Catarina. Atualmente ele comanda o Partido da República no estado.
A ação que barrou o desfile em homenagem ao parlamentar reuniu no mesmo bloco o Ministério Público Federal, o Ministério Público Estadual e o MP do Tribunal de Contas, que ameaçaram abrir processo contra o secretário Filipe Mello, filho de Jorginho, a liga de Joaçaba e Herval d’Oeste caso a escola insistisse em levar o deputado para avenida com verba pública.
O principal argumento utilizado foi de que a homenagem ao político representava um “desrespeito aos princípios constitucionais que regem a administração pública, especialmente os princípios da impessoalidade e da finalidade”. Na recomendação, os procuradores Mário Roberto dos Santos e Diogo Roberto Rigenberg e o promotor de Justiça Jorge Eduardo Hoffman destacam a relação de pai e filho entre o deputado federal e o secretário de cuja pasta sairiam recursos para financiar o desfile das escolas de samba da região (leia a íntegra da recomendação).
Sem ritmo
A Escola de Samba Acadêmicos do Grande Vale continua a perder pontos, ao menos nos quesitos harmonia e comunicação. Seu presidente, Pedro Correa, disse que só trata de assuntos administrativos e informou o telefone do carnavalesco, Jorge Zamoner. Foram feitas várias tentativas para falar com o artista, mas não houve retorno aos recados deixados na caixa postal.
A página da escola no Facebook mostra que o novo samba-enredo, de autoria de João Paulo Dantas, chama-se “Samba-Exaltação”. Em sintonia com a situação gerada pela ideia de homenagear o deputado, a letra do samba começa com a pergunta: “Quem sou eu?”.
Procurado pelo Congresso em Foco, o deputado Jorginho Mello informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não quer mais falar sobre o assunto. Na mesma levada vai seu filho, secretário de Turismo, Esporte e Lazer do governo de Santa Catarina, Filipe Mello, que ecoa o refrão do pai: sua assessoria de imprensa ficou de ver se ele se dispunha a falar. Não houve retorno, até o fechamento desta matéria. Faz lembrar Jorge Aragão: “Não entendi o enredo desse samba, amor…” (“Enredo do meu samba”).
Leia a letra e ouça trecho do samba que exalta deputado
Unidos do Ministério Público contra o “amigo do peito do Carnaval”