Errar é humano. Eis aí uma verdade simples, a retratar o quanto somos imperfeitos. Aliás, segundo Cousins, esta é a nossa essência: a imperfeição. Daí a importância da humildade, definida por Confúcio como “o sólido fundamento de todas as virtudes”.
Fiquei a pensar nisso há poucos dias, ao ler que o chefe de polícia de Trento, na Itália, foi a público pedir desculpas a uma senhora que havia sido grosseiramente atendida por um policial. Registro, inclusive, que esse gesto de humildade foi acompanhado do envio de flores para a casa dela.
Essa notícia me trouxe à memória um outro episódio, acontecido no Japão. Um policial de Kyoto utilizou uma viatura policial para dar carona a alguns conhecidos que estavam indo jogar golfe. Alguém viu e denunciou o uso indevido de um bem público. Eis que o delegado-chefe foi a público, em nome da instituição, pedir desculpas pela falta do seu subordinado.
Há também o caso do motorista de Manchester, no Reino Unido, que estacionou e trancou uma ambulância sem observar que havia um idoso lá dentro, o qual só conseguiu ser resgatado cinco horas depois. Após tomar todas as providências que o caso requeria, punindo o servidor, a administração municipal foi a público declarar, de forma clara, que pedia desculpas pelo erro, prometendo não mais repeti-lo.
Do outro lado do mundo, na Austrália, é digno de nota o belo gesto do primeiro-ministro Kevin Rudd ao pedir desculpas em nome da nação às crianças vítimas de abusos de todo gênero em orfanatos e centros de recuperação daquele país.
Cite-se ainda o policial norte-americano que multou sua própria viatura, estacionada em local irregular, pedindo desculpas a um cidadão que reclamara. Ou até mesmo um parlamentar britânico que foi a público reconhecer ter gasto indevidamente dada verba que recebera, desculpando-se e prometendo não mais errar.
PublicidadeTodos esses equívocos foram fatos da vida. Aconteceram, e certamente irão acontecer de novo. O que contou, porém, foi a resposta ao erro. Talvez esteja aí uma reflexão oportuna em um país no qual é cada vez mais observada a ironia de Millôr Fernandes: “Errar é humano; botar a culpa nos outros também”.
Morreu uma criança em alguma fila de hospital? É simples: a culpa é do governo anterior. Soltaram irresponsavelmente algum assaltante perigoso, que acabou por matar mais gente pelas ruas? Fácil: é tudo culpa das leis. Morreu alguém vítima das péssimas condições de nossas estradas? Culpa da imprudência, claro. Um cidadão foi humilhado em alguma repartição? Ora, são as péssimas condições de trabalho – nada que um bom concurso não resolva.
Está morrendo gente de fome sobre um solo tão rico? Culpa da crise econômica, evidentemente. Apontou-se algum caso de corrupção? Tudo calúnia, intriga da oposição. Os corruptos ficaram impunes? Culpa da Constituição Federal. Alguns menores estão matando inocentes pelas ruas? Ora, é esse Estatuto deles! Está faltando infraestrutura? É a falta de dinheiro. Gastou-se muito em subvenções e propaganda oficial? Culpa do sistema político, claro!
Pois é. Talvez, no final das contas, nosso único problema esteja naqueles homens públicos que nunca erram – não foram nomeados ou eleitos, mas sim ungidos! Esquecem-se daquele provérbio italiano segundo o qual “quando o jogo acaba o rei e o peão voltam para a mesma caixa”.